Seria uma coisa horrível. Mas não, você não ousaria um tal volte-face! Não posso acreditar! Ouve bem o que eu te digo: continua a dissimular, a fingir, o mais que puderes e os meus nervos suportarem. Continua a negar, a negar sempre, para me obrigares a sofrer, a bater com os pés no chão, a escumar de raiva, a suar, a ganir de impaciência, a rastejar...Queres que rasteje?
O CARRASCO, para o Juiz
Rasteje!
O JUIZ
Como me sinto orgulhoso!
O CARRASCO, ameaçador
Rasteje!
O Juiz, que estava de joelhos, deita-se de barriga
para baixo e rasteja lentamente em direcção à Ladra.
À medida que vai avançando a Ladra recua.
Isso. Continue.
O JUIZ, para a Ladra
Que me obrigues a rastejar depois de eu ser juiz, está bem, minha marota! Mas se te recusasses definitivamente ao teu papel, isso seria um crime, minha cabra!...
A LADRA, altiva
Chame-me minha senhora e seja mais educado!
O JUIZ
E terei o que pretendo?
A Ladra, galante
Roubar, não é fácil, sabe!...
O JUIZ
Mas eu pago! Pago o que for preciso, minha senhora. Se deixasse de poder separar o Bem do Mal, para que serviria eu, diga-me, para que serviria?
A LADRA
Isso pergunto eu a mim própria.
Jean Genet. A Varanda. Tradução de Armando da Silva Carvalho.Colecção Presença/Nova Série, Lisboa, 1976., p. 52-54
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