segunda-feira, 13 de junho de 2011

4.

Não devo atrever-me a defender os meus depravados costumes
    e a terçar falsas armas em defesa dos meus vícios.
Confesso - se alguma utilidade tem confessar os pecados;
   mas logo depois de confessar, caio, de cabeça perdida, nos meus erros.
Odeio e não sou capaz de não desejar o que odeio.
   Pobre de ti! Aquilo que porfias por deixar, quão penoso é carregá-lo!
Faltam-me forças e poder para me governar a mim mesmo;
   sou arrastado, como proa baldeada pela força das ondas.
Não é uma beleza, em especial, que estimula o meu amor;
   cem são as razões para eu estar, sempre, a amar:
se há uma que baixa os olhos com recato,
   deixo-me inflamar, e aquele pudor é para mim cilada;
se há outra que é provocante, sou cativado por não ser simplória
   e por me dar esperança de ser bem viva na doçura do leito;
se me pareceu agreste e a imitar as severas Sabinas,
   ela quer, mas, na sua sobranceria, finge, eis o que eu penso;
se és culta, agradas-me pelos teus dotes - tão raros - para as artes;
   se és rude, agradas-me pela tua própria simplicidade.
 Há uma que afirma que, ao pé dos meus, são toscos os versos
   de Calímaco?Pois se lhe agrado, de pronto ela me agrada;
há, também, a que me condena, como poeta, e condena os meus versos;
   e eu desejaria suportar o peso das coxas daquela que me condena.
Uma caminha com elegância - o seu movimento cativa-me; outra é bronca
- mas poderia tornar-se bem mais elegante no contacto com um homem.
Esta, porque canta com doçura e com ligeireza faz evoluir a sua voz,
    quereria eu dar beijos arrebatados àquela que está a cantar;
estoutra percorre, com a agilidade do polegar, as queixosas cordas,
    tão sabedoras mãos, quem não seria capaz de as amar?
Aquela tem um rosto aprazível e faz mil movimentos com os seus longos
                                                                                                                braços
    e com a elegância e arte bamboleia o peito delicado;
para não falar de mim mesmo, que me deixo tocar por qualquer motivo,
   coloca ali Hipólito: tornar-se-ia um outro Priapo.
Tu, por seres tão alongada, emparceiras com as antigas heroínas
   e és capaz, com o teu corpo, de ocupar o leito inteiro;
esta é elegante na sua pequenez: por uma e outra sou arrebatado;
   ambas, a alta e a pequena, caem bem ao meu desejo.
Não é elegante - e vem-me à ideia que elegância poderia acrescentar-se-lhe;
   está cheia de enfeites - que ela mostre as suas próprias prendas.
A alvura da sua pele há-de seduzir-me, há-de seduzir-me a mulher bem rosada;
   e até com cores baças é prazenteiro o amor;
se tombam, de uma fronte branca como a neve, cabelos negros,
    Leda fazia-se admirar pela sua negra cabeleira;
se são ruivos, a Aurora era aprazível pelos seus cabelos cor de açafrão.
   A todas as histórias o meu amor é capaz de adaptar-se.
Uma idade jovem seduz-me, uma idade mais madura toca-me;
   aquela por ter mais beleza de corpo, esta por possuir sabedoria.
Enfim, as mulheres que podem apreciar-se em toda a cidade de Roma,
   a todas elas pode o meu amor abranger.»




Ovídio. Amores. Tradução, introdução e notas de Carlos Ascenso André. Livros Cotovia, Lisboa, 2006, p. 70/1

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