«Devia estar bêbado. Pôs-se à minha frente e bamboleava-se de um lado para o outro, tapando-me e destapando-me a luz que eu precisava da lua.
- Andar com rodeios não é bom - disse-me depois de um bom bocado.- Eu gosto das coisas direitas, e se tu não gostas, sofres as consequências, porque eu vim aqui para as endireitar.
Eu continuei a remendar o meu saco. Só tinha olhos para lhe coser os buracos, e a agulha de albarda trabalhava muito bem quando a alumiava a luz da lua. De certeza que foi por isso que achou que eu não me preocupava com o que ele dizia:
- Estou a falar contigo - gritou-me, agora sim já irritado. - Bem sabes ao que vim.
Espantei-me um pouco quando se aproximou de mim e me gritou aquilo quase à queima-roupa. No entanto, tentei ver-lhe a cara para saber de que tamanho era a sua fúria e continuei a fixá-lo, como que a perguntar-lhe ao que tinha vindo.
Isso resultou. Já mais calmo, saiu-se com esta: que as pessoas como eu têm de se apanhar desprevenidas.
- Seca-se-me a boca por te estar falando depois do que fizeste - disse-me; - mas era tão meu amigo o meu irmão como tu e só por isso vim ver-te, a ver como esclareces a morte de Odilón.
Eu já o ouvia muito bem. Pus de lado o saco e fiquei a ouvi-lo sem fazer mais nada.»
Juan Rulfo. O Llano em chamas in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 157/158
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