Nava abriu um caminho: um percurso estranho e contudo reconhecível, que conduz ao interior menos visitado do homem, alargando, ao mesmo tempo, as formas de comunicação com o quotidiano, ao aprofundar intensamente os vínculos que nos unem ao nosso próprio corpo. Habituados a um lirismo muitas vezes feito de metáforas domesticadas pelo uso reiterado, invade-nos uma sensação de desconforto ao entrarmos pela primeira vez no universo de uma poesia, que faz do corpo o centro de irradiação de todos os sentidos e de todas as demandas. É a partir do corpo que se organiza, de forma meticulosa e obsidiante, o mundo habitável e habitado desta poesia. Não se trata, no entanto, de um corpo solar e epidérmico, símbolo gasto de devaneios eróticos, reconhecidos por uma tradição de séculos. Trata-se de um corpo radiculado, cavernoso, húmido e exposto, desde o labirinto dos nervos, até às janelas que a memória abre sobre a pele. (pp.125)
António Manuel Ferreira. Luís Miguel Nava: até à raiz da alma. Universidade de Aveiro. Diagonais das letras portuguesas contemporâneas
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