I
Que a morte me desmembre em outro, e eu fique
Ou o nada do nada ou o de tudo
E acabo enfim esta consciência oca
Que de existir me resta.
Sinto um tropel esfuziante e quente
De propósitos-sombras, e de impulsos
Transbordando do cálix da consciência
Para cima da vida...
II
....só um sentimento
De desejar eterna inquietação,
Ambição vaga de fechar os olhos
E vaga esp'rança de não mais abri-los.
Ânsia cansada de não mais viver;
Meu cérebro esvaído não lamenta
Nem sabe lamentar. Tumultuárias
Ideias mistas do meu ser antigo
E deste, surgem e desaparecem
Sem deixar rastos à compreensão.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Já deslumbradas, vãs, incoerentes
Amargas,[vagas] desorganizações
Que nem deixam sofrer. Vem pois, oh Morte!
Sinto-te os passos!Sinto-te! O teu seio
Deve ser suave e ouvir o teu coração
Como uma melodia estranha e vaga
Que enleva até ao sono e passa o sono.
Nada. Já nada [passa] - nada, nada...
Vai-te, Vida!
III
Ah, o horror de morrer!
E encontrar o mistério frente a frente
Sem poder evitá-lo, sem poder...
IV
Gela-me a ideia de que a morte seja
O encontrar o mistério face a face
E conhecê-lo. Por mais mal que seja
A vida e o mistério de a viver
(...)
Fernando Pessoa
in Poemas Dramáticos
Edições Ática
sábado, 17 de outubro de 2009
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