domingo, 1 de dezembro de 2024

 “It’s strange. I felt less lonely when I didn’t know you.”

Jean Paul Sartre

Acquainted with the Night


I have been one acquainted with the night.
I have walked out in rain—and back in rain.
I have outwalked the furthest city light.
I have looked down the saddest city lane.
I have passed by the watchman on his beat
And dropped my eyes, unwilling to explain.
I have stood still and stopped the sound of feet
When far away an interrupted cry
Came over houses from another street,
But not to call me back or say good-bye;
And further still at an unearthly height,
One luminary clock against the sky
Proclaimed the time was neither wrong nor right.
I have been one acquainted with the night.

 Robert Frost
“...the apparently bottomless gulf between what we say we want and what we do want, between what we officially admire and secretly desire, between, in the largest sense, the people we marry and the people we love.”

Joan Didion


Wild Grass series, 2006. ‘The Habit of Being’ 
 Kate Barry. 

 “Longing is not a mind game and that is why I’ve always trusted it. Longing is raw, longing is real; it makes one listen and be attentive to what’s inside. There is mad honesty in longing. So mad that it feels suitable. It is very suitable for me, I’m telling you — I don’t even want to write it or write about it, I want to be it.”

Anne Sexton, from A Self-Portrait In Letters (1977)
 Quero-o com o sangue, com o osso,
Com o olho que olha e a respiração,
Com a testa que inclina o pensamento,
Com este coração quente e preso,
Com o sono fatalmente obcecado
Desse amor que me copa o sentimento,
Desde o riso breve até o arrependimento,
Da ferida bruxa ao beijo dela.
Minha vida é da sua vida tributária.
Quer pareça tumulto ou solitário,
Como uma única flor desesperada.
Depende dele como do tronco duro.
A orquídea, ou qual a hera sobre a parede,
Que só nele respira levantada.
Como uma única flor desesperada,

Joana de Ibarbourou

 “You come and see me among flowers and pictures, and think me mysterious, romantic, and all the rest of it. Being yourself very inexperienced and very emotional, you go home and invent a story about me, and now you can't separate me from the person you've imagined me to be. You call that, I suppose, being in love; as a matter of fact it's being in delusion.”

Virginia Woolf, Night and Day (1919)

''É tarde demais e minhas pálpebras estão agitadas. Sinto-me muito sensível e sinto que tudo vive. Cada coisa grita o seu ser. Vou fazer um balanço. Individualidade exalta minha caneta. Eu. Eu. Eu. Eu. Sou a mulher mais egoísta do mundo. Não só vivo por e por mim, mas exijo dos outros que dêem elementos que em mim não encontro, elementos que se referem a mim, sempre a mim.''

Alexandra Pizarnik,
Diários.

Taste of Cherry- 1997 | Abbas Kiarostami


 

 “Tragedy on the stage is no longer enough for me, I shall bring it into my own life.”

Antonin Artaud

 PEDRO HOMEM DE MELLO

MIRAGAIA
a Fernando João
Aqui, onde esta noite nunca cessa,
Foi Miragaia a minha Madragoa.
Aqui, em frente ao rio, oiço a promessa
Do mar que ajoelha, enquanto me atordoa.
Aqui, sei onde sangra o lábio oculto.
De quem me vê, até de olhos fechados!
E, como os cegos, reconheço um vulto,
Pelo roçar dos dedos namorados…
Deviam chamar Pedro, em vez de Porto
Ao burgo se é tal qual do meu tamanho!
Aqui
Nasci,
Porém nasci já morto,
Imóvel, surdo, triste, mudo, estranho…
Deu-me Deus ele, apenas, por amigo.
Deitamo-nos, cismando, lado a lado…
Seu corpo, rijo e nu, dorme comigo.
Mas fico, entre os seus braços, acordado!

Pedro Homem de Mello, 'Pedro', com os retratos do autor e de sua mulher por Carlos Carneiro, Porto, Artes Gráficas, 1975.

''código de honra''

terça-feira, 26 de novembro de 2024

''Que país mais triste.''



Chile, 1976.

Realizador: Manuela Martelli

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

 “A IMPOSTURA DA LÍNGUA É PRETENDER QUE SE DIZ O QUE NÃO SE ESTÁ A DIZER”

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““Uma vez fui a uma livraria e encontrei um volume que continha uma série de documentos de tipo oficial referentes à vida prática de Bach. Quando os percorri senti que aqueles documentos eram capazes de gerar energia, dando uma imagem consistente da vida de Bach através, por exemplo, de uma relação dos móveis que havia em casa dele e de outros detalhes que parecem extremamente banais mas que davam uma medida de Bach e da sua época. Quase ao mesmo tempo tinha saído ”O Livro do Desassossego” e eu lia bastante Fernando Pessoa. E pareceu-me evidente que havia um elo profundo entre os dois, por antagonismo: Bach, um homem cheio de poder no seu corpo, uma globalidade física e mental, a casa organizada, podendo apoiar-se na mulher e ter filhos; e Fernando Pessoa, um ser sem espaço próprio por base. Tornou-se premente operar num texto a união antagónica entre os dois.”
(...)
”Nunca escreverei “sobre” nada. Escrever “sobre” é pegar num acontecimento, num objecto, colocá-lo num lugar exterior a mim; no fundo, isso é escrita representativa, a mais generalizada. Mas há outras maneiras de escrever. Escrever “com” é dizer: estou com aquilo que estou a escrever. Escrever “com” implica observar sinais; o meu pensamento é um pensamento emotivo, imagético, vibrante, transformador. É talvez daí que nasce a estranheza desse texto que é um texto imerso em vários extractos de percepção do real.”
(...)
”Agora, ando num clima que é o da “metanoite”. Por enquanto só vejo um alvéolo ou abertura opaca, mas sei que se persistir ela vai-se tornar significante. E se for na rua e surgir qualquer coisa, vou vê-la imediatamente à luz dessa “metanoite”. Como me surgiu a palavra? Caindo de um estado que lentamente se anuncia. Nunca saberei o que é, o que saberei é a travessia que através dessa palavra irei fazer.”
(...)
”A impostura da língua é pretender que se diz o que não se está a dizer; a pessoa quer dizer o que não está a dizer porque não está a tratar o texto como tal; é querer aproximar-se de outro de quem não se está a aproximar, é querer ter um acesso que não está a ter. A impostura da língua é desviar o texto do seu curso próprio, que é uma intimidade profunda e indestrutível entre si próprio e o que se diz. Para mim, a literatura acabou.”
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— MARIA GABRIELA LLANSOL Nunes da Cunha Rodrigues Joaquim (Lisboa, 24 de Novembro de 1931 — Sintra, 3 de Março de 2008), escritora e tradutora portuguesa, filha de mãe catalã.
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Excertos de ”Na margem da língua, fora da literatura”, entrevista a António Guerreiro, publicada no semanário Expresso, de 6 de Abril de 1991, e republicada em “Outra Forma de Canto — Entrevistas e Textos de Intervenção”, Maria Gabriela Llansol, organização de João Barrento, edição de Mariposa Azual e Espaço Llansol.
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Foto:
A escritora, em criança.
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Pode ser uma imagem a preto e branco de 1 pessoa

Todas as reaçõ

''Educación sentimental para la niña de tus ojos''

domingo, 24 de novembro de 2024

A Tua Presença

Consuelo e Antoine de Saint Exupéry


 

'' o voo das garças contra a neve''

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 373

 «Shingo deitou uísque no chá.»

 Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 88

 «Era como uma flor em botão pousada na neve.»

 Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 77

 «Os lábios vermelhos eram sensualmente húmidos. »

 Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 87

Flora Yin Wong - Holy Palm (Full Album)


 

«Tinha sujidade à volta dos mamilos.»

 Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 77

''abluções matinais''

 Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 72

Escrevedeira-das-neves

Escrevedeira-de-garganta-preta



 «Em toda a sua vida, nenhuma mulher o tinha amado ao ponto de querer que ele reparasse em tudo o que fazia.»

Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 56

 «Tinha chegado a uma idade em que a maioria dos seus amigos já estavam mortos. Talvez fosse natural sonhar com mortos.»

Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 36

''desilusão carnal''

 Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 36


 

Marcelo Camelo - Teus Olhos

 Mesmo que faça frio
não aproximes do fogo
um coração de neve


 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 360
 Depois de uma tarde a tratar do jardim
a nossa vida
importa menos

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 352
 Prestarás contas de tudo:
dos pregos e da cerca
do fio do tear e das pedra sem direcção

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 351
 Toda a noite o gelo tombou
com ruído
dos sonhos quebrados


 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 342


Deborah Turbeville 

 

Robert Cahen - Juste le Temps (1983)

 A brisa arrasta pelo pátio
restos 
de uma antiga dor


 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 339
 Deus está vazio
de todas 
as suas obras

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 338

 Tudo te pareça igual:
a noite e o dia, a alegria e a dor
o tempo e o que está para lá do tempo


 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 335

incompletude

 As palavras ferem
o amor
como tudo o mais

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 316

sábado, 23 de novembro de 2024

'' o prado em flor''

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 310

Ryuichi Sakamoto (坂本龍一) - Ballet Mécanique

 Silêncio:
contemplar a neve
até confundir-se com ela


 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 299

''flores ainda sem nome''

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 298

 O silêncio não é um modo
de repouso ou suspensão
mas de resistência


 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 295


Deborah Turbeville 

 ''Eu sou contra a segregação, sou contra a marginalização, sou contra o desemprego, sou contra a concentração de renda. Sou contra todas as coisas que não deem possibilidade ao ser humano de se desenvolver normalmente e poder chegar a ser, em estado de pessoa adulta, um ser bom. Em cima disso que está a minha cabeça hoje em dia. Quer dizer, cada dia que passa, mais para perto das pessoas. Tentando auxiliar, sensibilizar. Mostrar que viver vale a pena. Realmente, vale a pena.''

Elis Regina em entrevista para o programa 'Sábado Som' da Rádio Jovem Cap durante a temporada do show 'Essa Mulher' em Recife.
13 de dezembro de 1979.

'' desmedidos e vazios''

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 282

ADÍLIA LOPES

 Chamo-me Adília Lopes
sou a casa-insecto
a mulher-osga
uma colher transformada em faca 
para minúsculos riscos
sou uma constante cosmológica
de acelerar galáxias
um telegrama sinfónico
na ausência de tudo

sou a verdade que prefere não sair 
do bairro

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 278
 «Todos podem contemplar sem véus
a verdade que vem de ti»


 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 276

September 23rd (Excerpt 2)


 


Deborah Turbeville 

 «as groselheiras pendem dos muros
e tudo o sol concede a exacta porção»

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 274

 « quando por fim tudo se aquieta

a noite pode-se ouvir»


 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 267

A RONDA DOS ELEITOS

 Como artesãos vivem em suas oficinas
para aperfeiçoar os ofícios
Apanham pedras e atiram-nas para longe
em silêncio sempre na mesma direção

Os seus cântaros regam o infortúnio 
a semente que caiu à beira do caminho
o som vazio do vento
as poças de água onde, às vezes, um peixe se debate

Para si mesmos repetem:
salvam-se apenas os que recusam tudo
até mesmo a salvação


 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 266


Deborah Turbeville 

 

Ryuichi Sakamoto - The Thousand Knives of Ryuichi Sakamoto (Full Album)

 ''dou comigo a pensar
confusamente em tudo isto''

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 254

UM CIGARRO A ARDER

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 246

 À medida que os homens se aproximam do fim,
menos lhes custa fazer confidências.

John Henry Newman

Bill Brandt, 1932


 

 « certas manhãs o pensamento do tempo encoraja o rosto antes de uma 

                                                                                                     jornada devorada

e então eu sei mesmo sem olhar os teus olhos»


 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 237
 «Um velho provérbio diz:
Se deres um passo atrás, talvez te coloques a tempo
de uma estação clemente»

 
José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 233

 First we feel, then we fall.

James Joyce

''O poema devolve o inexprimível.''

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 200

 «O poema obriga a pernoitar na solidão dos bosques, em campos nevados, por orlas intactas.»


 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 200

GAL COSTA - SUA ESTUPIDEZ

Apostasia


 

devastação

'' o que dissemos sem uma palavra''

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 198

«Gosto do modo como as andorinhas esperam.»

 José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 197

Cisne

 Amei-te? Sim. Doidamente!

Amei-te com esse amor
Que traz vida e foi doente...

À beira de ti, as horas
Não eram horas: paravam.
E, longe de ti, o tempo
Era tempo, infelizmente...

Ai! esse amor que traz vida,
Cor, saúde... e foi doente!

Porém, voltavas e, então,
Os cardos davam camélias,
Os alecrins, açucenas,
As aves, brancos lilases,
E as ruas, todas morenas,
Eram tapetes de flores
Onde havia musgo, apenas...

E, enquanto subia a Lua,
Nas asas do vento brando,
O meu sangue ia passando
Da minha mão para a tua!

Por que te amei?
— Ninguém sabe
A causa daquele amor
Que traz vida e foi doente.

Talvez viesse da terra,
Quando a terra lembra a carne.
Talvez viesse da carne
Quando a carne lembra a alma!
Talvez viesse da noite
Quando a noite lembra o dia.

— Talvez viesse de mim.
E da minha poesia...


 

under - marin county lighthouse keeper

Para te amar ensaiei os meus lábios!

Povo

 Povo que lavas no rio,

Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!

Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia...
Mas a tua vida, não!

Fui ter à mesa redonda,
Bebendo em malga que esconda
O beijo, de mão em mão...
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me deste,
Mas a tua vida, não!

Procissões de praia e monte,
Areais, píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cântaros da fonte?
Guardo o jeito desses braços...
Mas a tua vida, não!

Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama...
Tive a mesma condição.
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las...
Mas a tua vida, não!

Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão.
Rasguei certo corpo ao meio...
Vi certa curva em teu seio...
Mas a tua vida, não!

Só tu! Só tu és verdade!
Quando o remorso me invade
E me leva à confissão...
Povo! Povo! eu te pertenço.
Deste-me alturas de incenso,
Mas a tua vida, não!

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado,
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!


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