Mostrar mensagens com a etiqueta o nó de víboras. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta o nó de víboras. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Tudo era silêncio.

  «Fujo sempre à narração daquela noite. Estava tão quente que, apesar de detestares os morcegos, tínhamos as persianas abertas. Embora soubéssemos que era o agitar das folhas da tília no muro da casa, parecia-nos ouvir alguém respirar ao fundo do quarto. Às vezes, o vento imitava o barulho de um aguaceiro a cair sobre a folhagem. A Lua, quase a desaparecer, iluminava o chão e os pálidos fantasmas da nossa roupa espalhada pelo quarto. Já não se ouvia o murmúrio dos prados. Tudo era silêncio.
    Tu dizias: «Vamos dormir...É preciso dormir...» Contudo, uma sombra rondava a nossa lassidão. Não vínhamos sozinhos do fundo do abismo. Logo que eu te apertava nos meus braços, acordava no teu coração esse Rodolfo desconhecido.»



François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 31

«Nesse tempo vivias agarrada a preconceitos!»

François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 31
 
«Mas, porque nesta confissão pretendo mostrar-me tal como sou, não posso dissimular estes traços do meu carácter: a independência, a inflexibilidade. Não vergo diante de ninguém, sou fiel às minhas ideias.»


François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 29/30
«Fingiu não se sentir ferida, nem sequer surpreendida. Por fim, falou, escolhendo as palavras para me obrigar a acreditar que já contava com a nossa separação.»


François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 25
   «No entanto, houve na verdade alguns indícios da realidade, mas que interpretei mal. Lembras-te de uma noite em que estávamos sentados num banco da alameda ziguezagueante que fica atrás das Termas? De súbito, sem motivo aparente, desataste a soluçar. Recordo o perfume das tuas faces molhadas, o perfume dessa tristeza incógnita. Julguei serem lágrimas de felicidade. Muito novo, e ainda inexperiente, desconhecia as subtilezas desses soluços e dessas opressões. Tu dizias-me : «Não é nada, é por estar ao pé de ti...»
    E não mentias, mentirosa. Era, de facto, por estares ao pé de mim que choravas - ao pé de mim e não de outro cujo nome acabarias por me revelar alguns meses mais tarde, neste mesmo quarto onde hoje escrevo, velho, e quase a morrer, rodeado por um grupo de espiões que aguardam o momento propício para o assalto.»



François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 23

«Mata a sede de uma vez para sempre, pois nunca mais beberás.»

François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 23
 
«Como às vezes olhavas para mim de soslaio, a recordação dessas missas ficou ligada à maravilhosa descoberta que se apoderava de mim: ser capaz de interessar, de agradar, de impressionar. O amor que eu sentia confundia-se com o que eu inspirava, ou supunha inspirar. Os meus sentimentos nada tinham de real. O que contava era a minha fé no amor que sentias por mim. Reflectia-se noutro ser, e a minha imagem assim reflectida não era repelente. Expandia-me numa descontracção deliciosa. Nunca mais esqueci a felicidade de sentir o degelo de todo o meu ser sob o teu olhar, sob as emoções que brotavam das fontes libertadas. Os gestos de ternura mais vulgares, um aperto de mão, uma flor guardada num livro - tudo para mim era novo, tudo me encantava.»


François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 22

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

«Mas a sua maneira de ser repugnava-me. Por isso, acontecia deixar escapar piadas que os feriam mortalmente e aumentavam o rancor deles para comigo.»


François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 17

domingo, 29 de dezembro de 2013

«Sim, eu era terrível. Na pequena sala de jantar da nossa vivenda, sob o candeeiro que nos iluminava durante as refeições, eu respondia por monossílabos às suas perguntas tímidas. Outras vezes, encolerizava-me ao mínimo pretexto, ou até sem qualquer motivo.
    Ela nem tentava compreender-me. Nem perscrutava as causas dos meus acessos de fúria: suportava-os como se da cólera de um deus se tratasse. «É a doença», dizia ela.»



François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 15
«Eu, que mais tarde sofri tanto por me sentir doente e ninguém se importar com a minha doença, reconheço que fui justamente castigado pela minha dureza e pelo meu carácter implacável de rapaz mimado.»



François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 14

Fui cruel para com os que pretendiam amar-me.

«Lembro-me de que o prestígio dos meus sucessos, apesar do meu temperamento irritável, atraía certas índoles. Fui cruel para com os que pretendiam amar-me. Fugia dos «sentimentos.»



François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 13
   «Não me sentia preocupado e nada fiz para provocar as tuas confissões. Mas tu prodigalizaste-mas com tal complacência que, apanhado de surpresa, me senti perturbado. Na verdade,  não eram os escrúpulos que te obrigava a falar, nem sequer um sentimento de delicadeza para comigo, como me disseste e no qual, aliás, acreditavas.
     Não, tu sentias prazer em lembrar uma recordação feliz que não podias esconder por mais tempo. Talvez pressentisses a ameaça que isso representava para a nossa felicidade, mas, como se costuma dizer, foi mais forte do que tu. Não podias evitar que a sombra de Rodolfo vagueasse à nossa volta. O que sentias por ele ultrapassava-te.
      Porém, não imagines que foi o ciúme a causa da nossa desunião. Eu, que mais tarde me tornei um ciumento obcecado, não senti nada de semelhante naquela noite de Verão, a noite do ano de 85 em que me confessaste que estiveras, durante umas férias passadas em Aix, noiva desse rapaz desconhecido.»



François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 10
«Sinto-me feliz por poder morrer no único lugar do mundo onde tudo está tal e qual as recordações gravadas na minha memória.»


François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 8
«A característica dominante do meu carácter, que teria cativado qualquer outra mulher que não tu, é de uma lucidez impressionante.
    Essa capacidade de se iludirem a si próprios, que ajuda a viver a maior parte dos homens, nunca eu a possuí. Tive sempre plena consciência de tudo quanto de abjecto senti e pratiquei...»



François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 8
«(...) Quanto mais necessidade eu sentia de acreditar no meu valor, mais tu te empenhavas em provar a minha nulidade...Mas esse aspecto pouco importa. É de um outro silêncio que eu queria vingar-me; o silêncio em que te obstinaste quanto à nossa vida a dois, quanto à nossa desunião profunda. Quantas vezes, quando assistia a peças de teatro, ou lia romances, perguntei a mim mesmo se, na vida real, existirão amantes e esposas que fazem «cenas», que se explicam de coração aberto e que sentem alívio nesses desabafos.
   Durante estes quarenta anos em que sofremos lado a lado tiveste sempre a coragem de evitar toda e qualquer conversa mais profunda, matava-las à nascença.
   Cheguei a pensar que o fazias de propósito, por algum motivo que me escapava. Porém, certo dia percebi que a verdade era outra: o assunto não te interessava. Eu andava tão longe do teu pensamento que te furtavas, não por medo, mas porque te aborrecia. Eras hábil a pressentir os momentos de perigo; descobrias-me ainda longe. E, se te apanhava de surpresa, arranjavas facilmente pretextos para me dares um beijo e saíres pela porta.»



François Mauriac. O Nó de Víboras. Tradução de Maria Conceição Ramírez Cordeiro. Livros de bolso europa-américa., p. 7/8

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O Nó de Víboras

«Pintor por excelência das paixões ardentes, das almas atormentadas e dos grandes dramas interiores, Mauriac atinge em o Nó de Víboras um dos pontos mais altos no tratamento desta temática verdadeiramente obsessiva em toda a sua obra. Ao longo das páginas deste livro, um homem, velho e doente, atormentado pelo ódio, roído pela avareza e pela fome de vingança, abre o seu coração, que ele próprio classifica como um nó de víboras - um «nó impossível de desatar, que seria necessário cortar com uma faca ou uma espada». Mas através deste monólogo de moribundo transparece também o deserto de sentimentos que era a alma dos seus, roídos, eles também, por paixões ardentes e mesquinhas. Nó de víboras, afinal, não era apenas o seu coração enfermo. As víboras tinham saído e formado à volta dele um outro nó, hediondo e repugnante.»
Powered By Blogger