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terça-feira, 21 de junho de 2011

«Creio que existem em cada vida períodos em que um homem existe realmente, e outros em que não é mais que um aglomerado de responsabilidades, de fadigas e, para as cabeças fracas, de vaidade.»



Marguerite Yourcenar. O Golpe de misericórdia. Tradução de Rafael Gomes Filipe e prefácio de Agustina Bessa-Luís. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 120
«Naturezas como Conrad são frágeis, e nunca se sentem melhor do que no interior duma armadura. Abandonadas ao mundo, às mulheres, aos negócios, aos êxitos fáceis, a sua dissolução sorrateira fez-me sempre pensar no repugnante emurchecer dos lírios, essas sombrias flores com forma de ponta de lança cuja viscosa agonia contrasta com a consumação heróica das rosas.»



Marguerite Yourcenar. O Golpe de misericórdia. Tradução de Rafael Gomes Filipe e prefácio de Agustina Bessa-Luís. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 116

Teria sido belo recomeçar o mundo com ela numa solidão de náufragos.

    «Movido pela ridícula necessidade de clareza dum cérebro ainda não adulto, continuava a perguntar a mim próprio se amava aquela mulher. Além de que faltava até agora a esta paixão a prova de que os menos  grosseiros de nós se servem para autenticar o amor, e sabe Deus o rancor que eu tinha a Sofia pelas minhas próprias hesitações. Mas o que fazia a desgraça desta rapariga abandonada a todos era que não se podia pensar em comprometermo-nos para com ela que não fosse para a vida inteira. Numa época em que todos desertam, dizia a mim mesmo que ao menos aquela mulher seria sólida como a terra, sobre a qual podemos construir ou deitarmo-nos. Teria sido belo recomeçar o mundo com ela numa solidão de náufragos.»



Marguerite Yourcenar. O Golpe de misericórdia. Tradução de Rafael Gomes Filipe e prefácio de Agustina Bessa-Luís. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 91

    «Além disso, a minha Sofia era tímida - o que explicava os seus acessos de coragem. Era demasiado jovem para ter ideia que a existência não é feita de arrebatamentos súbitos e de obstinada constância, mas de compromissos e de esquecimentos. Deste ponto de vista, ela teria ficado sempre muito jovem, mesmo que morresse aos sessenta anos.»

(...)

   «Tinha sofrido porque o amor se não erguera ainda sobre a paisagem da sua vida, e esta falta de luz aumentava a aspereza dos maus caminhos que o acaso dos tempos a fizera trilhar. Agora que ela amava, desfazia-se uma por uma das suas últimas hesitações, com a simplicidade dum viandante enregelado que despe ao sol a roupa encharcada, e apresentava-se diante de mim nua como mulher alguma o esteve. E talvez que, tendo horrivelmente esgotado duma só vez todos os seus terrores e resistências contra o homem, não pudesse ela oferecer doravante ao seu primeiro amor senão a encantadora graça dum fruto que se propõe igualmente à boca e à faca.»


Marguerite Yourcenar. O Golpe de misericórdia. Tradução de Rafael Gomes Filipe e prefácio de Agustina Bessa-Luís. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 59

«(...); pode-se confiar no fogo, desde que se saiba que a sua lei é morrer ou queimar.»

Marguerite Yourcenar. O Golpe de misericórdia. Tradução de Rafael Gomes Filipe e prefácio de Agustina Bessa-Luís. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 57
    «Éramos ambos demasiado jovens para sermos inteiramente simples, mas havia em Sofia uma rectidão desconcertante que multiplicava as probabilidades de errar.»


Marguerite Yourcenar. O Golpe de misericórdia. Tradução de Rafael Gomes Filipe e prefácio de Agustina Bessa-Luís. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 55

Durante semanas...

   «Durante semanas, Sofia passou por todas as angústias das apaixonadas que se julgam incompreendidas, e se exasperam com isso; depois, irritada por aquilo que tomava por falta de inteligência minha, cansou-se duma situação em que só se comprazem os corações romanescos, coisa que esta rapariga, tanto quanto uma faca, estava bem longe de ser. Recebi confissões que se supunham completas, e que eram sublimes de subentendidos.»



Marguerite Yourcenar. O Golpe de misericórdia. Tradução de Rafael Gomes Filipe e prefácio de Agustina Bessa-Luís. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 54

«Porque é que as mulheres se apaixonam precisamente pelos homens que lhes não estão destinados, não lhes deixando, assim, outra escolha que não seja desnaturarem-se ou odiá-las?»


Marguerite Yourcenar. O Golpe de misericórdia. Tradução de Rafael Gomes Filipe e prefácio de Agustina Bessa-Luís. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 51
«O ar de enfado de Sofia ia desaparecendo a pouco e pouco, sem nada lhe roubar da sua graça bravia e esquiva, como aquelas regiões que conservam uma aspereza invernal mesmo quando volta a Primavera.»


Marguerite Yourcenar. O Golpe de misericórdia. Tradução de Rafael Gomes Filipe e prefácio de Agustina Bessa-Luís. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 48

heroína ibseniana desgostada de tudo

  «O seu rosto tristonho apresentava uma ruga amarga na comissura dos lábios; deixara de ler, e passava agora os serões a remexer furiosamente nas brasas do fogão da sala, suspirando ao mesmo tempo de tédio como uma heroína ibseniana desgostada de tudo.»


Marguerite Yourcenar. O Golpe de misericórdia. Tradução de Rafael Gomes Filipe e prefácio de Agustina Bessa-Luís. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 45

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A amizade

  «A amizade é, acima de tudo, certeza - é isso o que a distingue do amor. É também respeito, e aceitação total dum outro ser. Que o meu amigo me tenha reembolsado até ao último soldo as somas de estima e de confiança que eu registara sob o seu nome, foi o que ele me provou com a sua morte.»


Marguerite Yourcenar. O Golpe de misericórdia. Tradução de Rafael Gomes Filipe e prefácio de Agustina Bessa-Luís. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 43
  «Atingia-se aquela hora de lusco-fusco em que os mais sensíveis fazem confidências, em que os criminosos confessam, em que mesmo os mais silenciosos lutam contra o sono à força de histórias e  de recordações


Marguerite Yourcenar. O Golpe de misericórdia. Tradução de Rafael Gomes Filipe e prefácio de Agustina Bessa-Luís. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1987, p. 33
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