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segunda-feira, 13 de junho de 2011

« - Só se calam e gostam da solidão, as pessoas muito orgulhosas, continuou Niúta tirando-lhe a mão da testa. Porque me olha assim por baixo das sobrancelhas? Olhe-me de frente, por favor! Vamos, não seja grosseiro!»




Anton Tcheckoff. Romance duma vida. Volódia (conto). Trad. de Cordeiro de Brito. Vasco Rodrigues Editor, Porto, 1938, p. 191

A mulher do farmacêutico

  «Que infeliz eu sou» disse consigo a mulher do farmacêutico, olhando com cólera para o marido que se despia a toda a pressa, para se tornar a meter na cama. «Oh! Como eu sou infeliz!» repetiu ela, começando subitamente a chorar... «E ninguém o sabe...»




Anton Tcheckoff. Romance duma vida. A mulher do Farmacêutico (conto). Trad. de Cordeiro de Brito. Vasco Rodrigues Editor, Porto, 1938, p. 184
«-Não gosto de ouvir tolices...
«-Que tolices?...Pelo contrário, não é nenhuma tolice...até Shakespeare disse: Feliz daquele que foi jovem na mocidade.»


Anton Tcheckoff. Romance duma vida. A mulher do Farmacêutico (conto). Trad. de Cordeiro de Brito. Vasco Rodrigues Editor, Porto, 1938, p. 182
«De repente, por trás dos longínquos caniçados, emerge inesperadamente uma lua de larga cara. Era vermelha (geralmente a lua, quando emerge de trás das sebes parece que vem corada).


Anton Tcheckoff. Romance duma vida. A mulher do Farmacêutico (conto). Trad. de Cordeiro de Brito. Vasco Rodrigues Editor, Porto, 1938, p. 176

sábado, 11 de junho de 2011

Eu agora já envelheci

   «Eu agora já envelheci, tornei-me silencioso, rude, severo. Raras vezes rio, e dizem que me pareço com Redka. Como ele, aborreço os operários com os meus sermões inúteis.»



Anton Tcheckoff. Romance duma vida. Trad. de Cordeiro de Brito. Vasco Rodrigues Editor, Porto, 1938, p. 169

quinta-feira, 9 de junho de 2011

«Dizem que a mulher é uma ajuda para o marido. Mas terei eu necessidade de ajuda? Ajudo-me a mim mesmo. Sinto muito mais a necessidade de alguém com quem falar, e que não dissesse apenas: ó-ó-ó-ó; de alguém que falasse com raciocínio e entendesse o que se lhe diz. Que é a vida sem uma boa conversa?»


Anton Tcheckoff. Romance duma vida. Trad. de Cordeiro de Brito. Vasco Rodrigues Editor, Porto, 1938, p. 122/123

Na vida conjugal não há só alegrias

«Na vida conjugal não há só alegrias; também há sofrimentos. Tem que ser assim.»


Anton Tcheckoff. Romance duma vida. Trad. de Cordeiro de Brito. Vasco Rodrigues Editor, Porto, 1938, p. 100

A arte de escravizar

«A escravatura desapareceu mas o sistema capitalista progride. Nesta época de ideias liberais, como nos tempos de Bety, a maioria alimenta-se, veste-se e defende-se, e a minoria, continua cheia de fome, maltrapilha e sem defesa. Um tal estado de coisas só é bom para favorecer todas as correntes, porque a arte de escravizar é também progressivamente cultivada. Já não chicoteamos os criados nas estrebarias, mas damos formas refinadas à escravatura ou pelo menos sabemos achar uma desculpa para cada caso particular.»



Anton Tcheckoff. Romance duma vida. Trad. de Cordeiro de Brito. Vasco Rodrigues Editor, Porto, 1938, p. 59

Estranha rapariga! pensei. Estranha rapariga!

  «Na sua alegria de agora havia qualquer coisa infantil e ingénua, como se a alegria que desde a nossa infância nos tinha sido reprimida e extinta por uma educação severa, acordasse subitamente na sua alma e achasse meio de se libertar.
    Mas quando a noite veio e mandaram vir a carruagem, minha irmã acalmou, encarquilhou-se de novo, e quando se sentou nas almofadas parecia sentar-se no banco dos réus. Partiram. O ruído afastou-se...
     Aniuta Blagovo não me dissera uma só palavra.
      - Estranha rapariga! pensei. Estranha rapariga!
     Veio a quaresma de São Pedro, durante a qual estivemos sempre em jejum. Ocioso, sem ocupação certa. esmagava-me uma tristeza física. Descontente comigo, desleixado, faminto, vagueava pela propriedade, esperando apenas uma disposição de espírito que me permitisse partir.»



Anton Tcheckoff. Romance duma vida. Trad. de Cordeiro de Brito. Vasco Rodrigues Editor, Porto, 1938, p.43/4

quarta-feira, 25 de maio de 2011

André Ivanoff

«Sofria duma espécie de apatia e, pelo outono e pela primavera, dizia-se sempre que estava às portas da morte. Mas depois de permanecer deitado algum tempo, levantava-se e dizia espantado, logo a seguir: «Ora esta, ainda não morri!»


Anton Tcheckoff. Romance duma vida. Trad. de Cordeiro de Brito. Vasco Rodrigues Editor, Porto, 1938, p.19/20

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A estepe


«Durante as tardes e as noites de Julho já não se ouvem as codornizes, nem as galinholas, nem o rouxinol, nas ravinas da floresta; as flores já não embalsamam o ar. No entanto, a estepe continua ainda muito bela e cheia de vida. Basta que o Sol se ponha e a terra mergulhe na sombra para que a tristeza do dia seja esquecida e tudo seja perdoado; a estepe suspira suavemente pelo seu grande peito. A obscuridade da noite esconde o seu estigma, a erva anima-se numa alegre confusão juvenil que durante o dia ela nunca consegue ter; os estalidos, os assobios, as arranhadelas, os baixos, os tenores e os sopranos da estepe, tudo se funde num zumbido contínuo que convida à saudade e à melancolia. Esta ressonância adormece como uma canção de embalar; rola-se através da estepe e sente-se que vai adormecer, mas de repente é o grito inquieto e sacudido dum pássaro que ainda não adormeceu, ou num barulho indefinível semelhante a uma voz humana, como um «aaah» de espanto, e lá se vai o sono das pálpebras.»



Anton Tchekoff. A Estepe. Livros de Bolso/ Europa-América. 2ª ed.Trad. Maria do Carmo Santos, 2003., p. 46/47
« - À noite não dorme, só pensa, pensa, pensa; mas em quê só Deus é que o sabe. Se nos aproximamos dele, enfurece-se e ri. Nem de mim gosta...Não deseja nada. Quando morreu o nosso pai, deixou-nos seis mil rublos a cada um. Eu comprei esta estalagem, casei e agora tenho filhos. Ele queimou o dinheiro todo na lareira. Que dó! Porque é que o queimou? Se não o queria, desse-mo, mas agora queimá-lo...»



Anton Tchekoff. A Estepe. Livros de Bolso/ Europa-América. 2ª ed.Trad. Maria do Carmo Santos, 2003., p. 42
«- Como podes tu, meu imbecil, comparar-te a Varlamov.
-Não sou tão imbecil que me compare com Varlamov -respondeu Salomão, examinando os seus interlocutores com olhar irónico. - Varlamov bem quer ser russo, mas, no fundo do seu coração, é um porco judeu. A vida dele é o dinheiro e os benefícios que ele lhe traz, enquanto eu queimei todo o meu dinheiro na lareira. Nem tenho necessidade de dinheiro, nem de terras, nem de carneiros e também não tenho necessidade de que tenham medo de mim, nem que se descubram à minha passagem. Então eu sou mais inteligente que o vosso Varlamov e pareço-me mais com um ser humano do que ele.»



Anton Tchekoff. A Estepe. Livros de Bolso/ Europa-América. 2ª ed.Trad. Maria do Carmo Santos, 2003., p. 40

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

«Parecia a Iegoruchka que esta canção suave, dolente e melancólica, como um queixume, que mal se ouvia, ora vinha da direita, ora da esquerda, ora de cima ora de baixo da terra; dir-se-ia que um espírito invisível voava sobre a estepe cantando. Iegoruchka olhava em volta, sem conseguir compreender donde partia este estranho canto. Momentos depois, escutando com mais atenção, convenceu-se de que era a erva que cantava; meio morta, condenada sem remissão, tentava com esta canção sem palavras, queixosa mas sincera, convencer alguém da sua completa inocência; fora injustamente que o Sol a calcinara. Repetia que desejava ardentemente viver, que ainda era jovem e que, sem aquele calor e sem aquela secura, teria sido bela. Não era culpada, e no entanto pedia perdão a alguém e jurava que sofria horrivelmente, que estava infinitamente triste e era digna de dó.»




Anton Tchekoff. A Estepe. Livros de Bolso/ Europa-América. 2ª ed.Trad. Maria do Carmo Santos, 2003., p. 17
« - Um homem não é como uma agulha, com certeza que havemos de o encontrar. A esta hora deve ele andar aí às voltas pelos arredores.»



Anton Tchekoff. A Estepe. Livros de Bolso/ Europa-América. 2ª ed.Trad. Maria do Carmo Santos, 2003., p. 17
«Um gavião volteja muito alto, batendo as asas com um movimento harmonioso; de repente pára em pleno voo, parecendo meditar sobre o tédio da existência, depois sacode as asas e foge como uma flecha por cima da estepe, sem que se saiba porque voa e o que procura. Ao longe as velas do moinho continuam sempre a girar...»



Anton Tchekoff. A Estepe. Livros de Bolso/ Europa-América. 2ª ed.Trad. Maria do Carmo Santos, 2003., p. 10
«Por muito que já tivessem andado, não havia forma de se ver nem o princípio nem o fim.»


Anton Tchekoff. A Estepe. Livros de Bolso/ Europa-América. 2ª ed.Trad. Maria do Carmo Santos, 2003., p. 9

sábado, 31 de julho de 2010

«Para lá do cemitério, as chaminés dos fornos de tijolo deitavam fumo. Um fumo negro e espesso saía em grandes volutas por baixo dos grandes lenhados feitos de cana e abatidos contra o chão e depois eleva-se preguiçosamente para o céu. Por cima dos fornos de tijolo e do cemitério o céu estava dum tom ocre, enquanto nuvens de fumo cobriam os campos e a estrada com grandes sombras. Por entre o fumo, junto dos telhados, viam-se mexer homens e cavalos cobertos de poeira encarnada...
Transpostos os fornos de tijolo, a cidade cedia lugar ao campo. Iegoruchka virou-se uma última vez para olhar a cidade, encostou a cara ao cotovelo de Deniska e começou a chorar amargamente...
- Livra! Ainda não choraste tudo, meu palerma? -disse Kuzmitchov. - Olhem para este medricas a choramingar outra vez? Se não queres vir não venhas. Ninguém te obriga!
- Não chores, pequeno, não chores... - disse, por entre dentes, o padre Cristóvão em voz baixa e rápida.
-Não chores, pequeno. Pede a Deus que venha em teu auxílio...Se partes é para teu bem. Os estudos são, como se diz, a luz, e a ignorância, as trevas. Isto é que é a pura verdade.»



Anton Tchekoff. A Estepe. Livros de Bolso/ Europa-América. 2ª ed.Trad. Maria do Carmo Santos, 2003., p. 7/8
«(...) O rapazinho olhava atentamente aqueles lugares familiares enquanto a odiosa caleça corria à desfilada, deixando tudo para trás de si. Depois da prisão, foi a forja negra de fuligem que ele viu aparecer e desaparecer e depois o cemitério verde e acolhedor, cercado dum murinho de pedra grossa. Para lá do murinho distinguiam-se as cruzes e os jazigos, que, de longe, punham nódoas brancas e alegres por entre a folhagem das cerejeiras, Iegoruchka recordou-se que, quando estavam em flor, essas nódoas se confundiam com as flores de cerejeira num mar de brancura e que, quando as cerejas amadureciam, as cruzes e os jazigos ficavam salpicados de manchas vermelhas como sangue. Sob as cerejeiras, por trás do murinho, dormiam, noite e dia, o pai de Iegoruchka e a avó Zenaida Damilovna. Quando a avó morreu tinham-na posto num longo e estreito esquife com duas moedas de cinco copeques sobre os olhos, que não se queriam fechar. Até ao dia da sua morte estivera tão viva como toda a gente, e quando ia ao mercado trazia macios biscoitos cobertos de grãos de dormideiro. Agora não fazia senão dormir, dormir...»


Anton Tchekoff. A Estepe. Livros de Bolso/ Europa-América. 2ª ed.Trad. Maria do Carmo Santos, 2003., p. 7
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