Façanhas da memória
Há uma casa,
uma casa
que fechou
suas portas.
Foi
morrendo
em nome
e graça
da mesmíssima
vida.
Esta casa
abandonou
o salão
solenemente,
sem deixar
fotografias,
nem fantasmas
cochilando
por aí
pelas escadas;
nem sequer
um resplendor
de vozes
se gestando
nos quartos
de serviço
ofendidas na sombra
chorando
seu direito
à memória
Esta casa
onde não há
antepassados
escalando
o tempo,
enredando
parentes
terra
adentro
onde vão se
s o m a n d o.
Tardança
Foram juntando
palavras intencionadas
uma
a
uma
iam entrando
pela fissura da porta
onde aparecem cartas
algumas vezes
quando a casa
está
desabitada.
Teresa Calderón (Causas perdidas, 1984)
Exílio
I.
Ontem te chamei
e minha própria sombra
respondeu no telefone
II.
Adeus eu disse docemente
e a rua cresceu cresceu
como a noite
III.
Seu corpo luta na parede.
Meu quarto
não pode te deixar ir
sem me ferir
IV.
Fantasma tresnoitado do amanhecer
cantando seu próprio tango
de pé chorando
sobre o balcão de uma mulher
também fantasma.
Roteiro dos desaparecidos
Reconstruir a luz para os que nunca mais a verão
a luz que nasce deles
asilada luz permanecente no
sótão da visão
desaparecida
riscada
é o roteiro reconstituído dessa morte
não de todo vivida
porque volta inconclusa a aparecer
a vigiar a vida de longe.
Roteiro do pensamento invertido na faceta subliminar
à margem de qualquer quimera subvertida
Roteiro desse sótão e sua persistência
escura
quando a cidade virada em seu próprio ofertório
se converte em santuário
Onde emergem os mortos resplandecentes
Pelo brilho ameaçante dos cactos
seus olhos veem os vivos lascivamente.
Mas há mais: eles colocam grandes placas de vidro
opacas
para resistir ao cruzamento dos edifícios
sem defesa.
Desafiando a cor do sol
com seu penetrante verde subterrâneo
inundam a cidade.
Cresce então sua antiga primavera
na qual os vivos submergem como num sonho
implacável.
Eugenia Brito (Vía pública, 1984)
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