terça-feira, 30 de maio de 2023
As Causas
« Em dada altura, pareceu-me eminentemente oportuno lançar no charco do despotismo salazarista a pedrada de um estudo dedicado ao erotismo e sátira fescenina, ilustrando antologicamente. O resultado foi uma cómica condenação que, do alto do Plenário, pretendia avassalar-me, mas que proporcionou jocosa oportunidade de dar razão a Nietzsche, quando ele compara os juízes com camelos.»
Natália Correia. Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.
A defesa do poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto.
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim.
Sou em código o azul de todos
( curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes.
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei.
Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição.
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis.
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além.
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs por ordem?
Que favor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa.
Sou um instantâneo das coisas
apanhadas em delito de perdão
a raiz quadrada da flor
que espalmais em apertos de mão.
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever.
Ó subalimentados do sonho!
A poesia é para comer.
Natália Correia
"A defesa do poeta", Poesia Completa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2000, pág. 330 e seg. (nota em rodapé: "Compus este poema para me defender no Tribunal Plenário de tenebrosa memória. O que não fiz a pedido do meu advogado que sensatamente me advertiu de que essa insólita leitura no decorrer do julgamento comprometeria a defesa, agravando a a sentença."
A luz se torna vinho. A noite está em pedaços. A voz, a voz alada, a asa da voz. A luz que geme na escuridão. O vento que geme. A desconhecida, a desolada segurança de um vento vindo desta voz que me chama chama em mim, me inspira, me expira, me insufla, insuficientemente.
domingo, 28 de maio de 2023
Astrud Gilberto - A Felicidade
Tristeza não tem fim
Felicidade sim...
A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar.
A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei, ou de pirata, ou jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira.
Tristeza não tem fim
Felicidade sim...
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor.
A minha felicidade está sonhando
Nos olhos de minha namorada
É como esta noite
Passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo por favor...
Pra que ela acorde alegre como o dia
Oferecendo beijos de amor.
Tristeza não tem fim
Felicidade sim...
«BILLING: Mas então não poderá participar nas eleições para o novo Intendente.
CAPITÃO HORSTER: Vai haver novas eleições?
BILLING: Não sabia?
CAPITÃO HORSTER: Não. Não me meto nessas coisas.
BILLING: Mas o Sr. preocupa-se com as questões públicas, ou não?
CAPITÃO HORSTER: Não, não entendo nada disso.
BILLING: Ainda assim, é preciso votar, ao menos.
CAPITÃO HORSTER: Mesmo aqueles que não entendem nada do que se trata?
BILLING: Não entendem? O que quer dizer com isso? A sociedade é como um navio; todos devem segurar o leme.
CAPITÃO HORSTER: É possível que isso funcione em em terra firme. A bordo, o resultado não seria bom.
HOVSTAD: É estranho como tantos marítimos se importam tão pouco com as questões do país.
BILLING: Muito estranho.»
Henrik Ibsen. Um inimigo do povo. Peças Escolhidas. Volume 3. 1ª Edição, Outubro, 2008., p. 24
« O INTENDENTE: Pelo menos, tens uma tendência permanente para seguires pelos teus próprios caminhos. E, numa sociedade bem organizada, isso é inadmissível. Cabe ao indivíduo submeter-se ao todo, ou, melhor dizendo, submeter-se às autoridades que têm por missão assegurar o bem comum.»
Henrik Ibsen. Um inimigo do povo. Peças Escolhidas. Volume 3. 1ª Edição, Outubro, 2008., p. 22
Tradição do barro preto de Bisalhães
BISALHÃES - A aldeia do barro preto.
"The Saving Bitterness of Nostalgia"
“Pensar, pensamos todos. Não só os humanos mas, segundo os antropólogos, todos os seres viventes. Pensar é ser um eco do que o Cosmos tem para nos dizer. É saber o que somos como tempo passado, como História; termos uma imagem mais ou menos objectiva do nosso percurso — o que é absolutamente inviável, mas uma pretensão como outra qualquer. Pensar é um diálogo que temos connosco próprios. E é sempre qualquer coisa que acontece em função de um espectador possível, mesmo que não tenhamos pensado ou escrito com o propósito de ter uma escuta, como acontece com estas notas [o livro “Da Pintura”, ed. Gradiva, 2017].”
sexta-feira, 26 de maio de 2023
«As melhores coisas, e as mais significativas, que Ibsen nos deu são o impulso no sentido da verdade num tempo artisticamente inverdadeiro; o impulso no sentido da seriedade num tempo artisticamente superficial; o deleite da agitação num tempo de estagnação; e a coragem de agarrar o que quer que contenha em si qualquer coisa de humano, onde quer que cresça.»
Alfred Kerr
quinta-feira, 25 de maio de 2023
terça-feira, 23 de maio de 2023
«Traduzido por miúdos: daquelas mesmas pessoas que se proclamam mais avançadas (em política, em religião, em costumes) é que tenho ouvido as censuras mais ásperas à Antologia. Percebe-se: cautelosos por espírito de conservação, ficam cheios de raiva perante qualquer gesto mais ousado. Confirma-se [...] quanto mais progressistas, mais sacripantas em questões que bulam o sexo.» Luiz Pacheco
in Natália Correia. Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.
Natália Correia tirou, com O Homúnculo, o sono ao dita-
dor. Foi uma das obras contra si que mais o perturbaram.
A energia, a escrita, a profundidade, a irreverência da
autora impressionaram-no profundamente.
Quando a PIDE lhe foi comunicar a prisão da poetisa
e a apreensão da obra, respondeu: «Retirem o livro, sim,
mas não toquem nela. É uma mulher muito, muitíssimo
inteligente.
Fernando Dacosta
''Ao rol das proibições censórias''
Natália Correia. Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica