terça-feira, 28 de março de 2023

TU MORRES TODOS OS DIAS


Tu morres todos os dias

libertando telefonemas

diante da minha mágoa

exposta à ira dos dias

levo-te cravos vermelhos

flores recentes da estação

Morres e vais caminhando

sobre uma estrada de fumo

o lume que nos sustenta

Já não cheira não tem vida

Às vezes vens-me à lembrança

descalça ao longo da praia

Vivo terrores de madraço

Com dívidas acumuladas

Seguindo de perto o tráfego

Saberei um dia amar-te

Tu morres tu pontificas

eu respiro a tua sombra

Ai repouso de guerreiro

Sobre o abismo repousas


Azeitão, 31 de Março de 1981

José Afonso. Textos e Canções. Organização Elfriede Engelmayer. 3ª edição revista. Relógio D'Água Editores, Outubro de 2000., p. 162

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