domingo, 11 de novembro de 2018

OS DESERTOS DO AMOR

PRÓLOGO

   Estes escritos são de um jovem, de um homem muito jovem, cuja
vida decorreu não importa onde; sem mãe, sem pátria, indiferente a 
tudo o que já se sabe, fugindo de todo o dever moral, em nada dife-
rente de tantos outros jovens lastimáveis. Mas, nele, era tal o tédio e a
inquietação, que se limitou a encaminhar-se para a morte como para 
um pudor terrível e fatal. Não tendo amado as mulheres - embora
cheio de sangue! - a sua alma e o seu coração, toda a sua força, foram
educados por erros estranhos e tristes. Dos sonhos subsequentes - os 
seus amores! -, que lhe surgiram pelas camas e pelas ruas, da sua con-
tinuação e do seu fim, doces considerações religiosas talvez emanem.
Não esquecer o sono contínuo dos lendários Maometanos - bravos,
contudo e, circuncisos! Mas, dado que este sofrimento bizarro tem uma
autoriedade inquietante, deve desejar-se sinceramente que esta Alma,
perdida no meio de todos nós, e que, segundo parece, quer morrer, en-
contre nesse instante verdadeiras consolações e seja digna!


Arthur Rimbaud. Obra Completa. Edição Bilingue. Tradução de Miguel Serras Pereira e João Moita., Relógio D'Água, Lisboa, 2018., P. 273

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