domingo, 30 de setembro de 2018

A VIRGEM DE MEMLING ATRAI COM UMA MAÇÃ
                        OS SUICIDAS A BRUGES

Que mais pedir à lassidão e ao sonho
que o último tomo de uma geira
neste sonambulismo das coisas
em sua propriedade de cera?

Um cometa de lacre tudo selou
e na liturgia do sossego
inerte e insone a água ficou
num impossível voo negro

Propõem os sinos lêvedas horas
e estátuas jacentes submetidas
e falando uma língua morta
declinam os dias pendões de guildas

mercadoria de reinos mortos
que fundam penados sucursais
Sustendo o pó dois anjos seguram
o céu coroa seca de decimais

Húmida e amarela pinga nos canais
uma luz de sódio lua de gafeira
que as habitantes do esquecimento dá
a sua cor final e verdadeira

E eu peço a estas sombras empalhadas
(embalsamado horror de olhos abertos)
os sete palmos que honestamente vão
do meu coração aos meus desertos

Acaso é uma linha imaginária
a morte que separa este hemisfério
numa cordial agência funerária
de cinzas pó e nada
                                        ou do mistério?


Natália CorreiaPoemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 165/6

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