ANTÍGONA
Meteis-me nojo, todos, com a vossa felicidade! Com a vossa vida que vos esforçais por amar, a todo o custo. Pareceis cães, lambendo o que encontram. A mesquinhez do dia a dia, para quem não for muito exigente. Eu! eu quero tudo, imediatamente e por inteiro, ou, caso contrário, não aceito nada! Não quero ser modesta, e contentar-me com um pedacito, se tiver juízo. Hoje quero ter a certeza de tudo - e que tudo seja tão belo, como quando era pequena - ou então morrer.
CREONTE
Vamos, vamos: começas como o teu pai!
ANTÍGONA
Sim, como o meu pai! nós somos daqueles que levam as perguntas até às últimas consequências. Até que não exista a mais pequena probabilidade de esperança; a mais pequena probabilidade de esperança a sufocar. Nós somos daqueles que, quando encontram a esperança - a vossa esperança, a vossa querida esperança! - lhe saltam em cima e a espezinham.
CREONTE
Cala-te! Se visses como ficas feia ao pronunciar essas palavras.
ANTÍGONA
Sim, sou feia! São ignóbeis estes gritos, estes movimentos bruscos, estes esgares. Meu pai só foi belo, mais tarde, quando teve a certeza de que tinha matado o próprio pai, de que tinha dormido com a própria mãe, e de que nada, nada, poderia salvá-lo! Nesse momento acalmou-se, de repente; como que sorriu, e tornou-se belo. Era o fim. Só teve que fechar os olhos para não ver mais nada! Ah! As vossas caras, as vossas tristes caras de candidatos à felicidade! Sóis vós os feios! Vós! Mesmo os mais belos! Tendes todos algo de feio a um canto do olho, ou da boca. Tu bem o disseste há pouco, Creonte! Tu bem falaste na maneira como as coisas eram cozinhadas! Vós tendes todos caras de cozinheiros!
Jean Anouilh. Antígona. Tradução e Prefácio de Manuel Breda Simões. Editorial Presença, Lisboa, 1965., p. 114/5