Eram ontem minhas dores
tais como bichos-da-seda
que iam tecendo casulos;
hoje, mariposas negras.
De quantas flores amargas
eu extraí branca cera!
Oh, tempo em que meus pesares
trabalhavam como abelhas!
Hoje são avenas loucas
ou joio na sementeira,
como morrão numa espiga,
como caruncho em madeira.
Oh, tempo em que minhas dores
tinham lágrimas serenas,
e eram como água da nora,
para a horta boa rega!
Hoje são uma torrente
que arranca o limo da terra.
Dores que fizeram ontem
de meu coração colmeia,
tratam-me hoje o coração
como uma muralha velha:
querem derrubá-lo, e já,
a golpes de picareta.
António Machado. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento.2ª Edição, Edições Cotovia, 1999., p. 83