sábado, 6 de novembro de 2010

«Que daqui ninguém deduza que a literatura garante a felicidade: digo que quem renuncia à sua vocação por «razões práticas», comete a mais imprática idiotice. Além da ração normal de desdita que lhe cabe na vida como ser humano, terá a ração suplementar de má consciência e da dúvida. Assim, em fins de 1958, numa pensão da rua do Doutor Castelo, perto do Reitro, se perpetrou o acto da loucura: «hei-de ser escritor». Era muito mau tudo o que escrevera até então - uma obra seca de teatro, meia-dúzia de poemas, alguns contos e inúmeros artigos. Convenci-me de que a razão dessa mediocridade residia na minha indecisão e cobardia anteriores, em não ter assumido a literatura como primordial. Terminara um livro de contos, que encontrou editor em Barcelona (misteriosamente seria o berço de publicações de todos os meus livros), e o resultado foi mais deprimente ainda. Escrevera-os quase todos em Lima, nos resquícios de tempo livre que me deixavam múltiplos e fastidiosos afazeres. Justifiquei assim esse fracasso: só podia ser-se escritor se uma pessoa organizasse a sua vida em função da literatura; se uma pessoa pretendesse - como até então acontecera comigo - organizar a literatura em função de uma vida consagrada a outros senhores, o resultado seria a catástrofe.»

 
Mário Vargas Llosa. História secreta de uma novela.Tradução de António José Massano. Mínima 1. Assírio&Alvim, Lisboa, 1973., p.42/43

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