sábado, 28 de outubro de 2023

 “a falta de outros, de outros iguais a mim, de outros que venham ter comigo e eu com eles.”

Almada Negreiros

domingo, 22 de outubro de 2023

"VERMELHO É A COR DO MEU LUTO"

© Alípio Padilha

Escrito e encenado por Carla Bolito, "Vermelho é a cor do meu luto" tem estreia marcada para dia 25 de outubro 2023, no Sistema SMOP, em Lisboa



 

 «Já não é possível dizer mais nada

mas também não é possível ficar calado.»


 Manuel António Pina. Todas as Palavras. Poesia Reunida. Assírio&Alvim., p. 12

''O rio da morte corre para a nascente.''

Manuel António Pina. Todas as Palavras. Poesia Reunida. Assírio&Alvim., p. 12

 ''e eis que não temos nada a perder e por que é

cada vez mais pesada a paz dos cemitérios.''


 Manuel António Pina. Todas as Palavras. Poesia Reunida. Assírio&Alvim., p. 11

''Os tempos não vão bons para nós, os mortos''

 Manuel António Pina. Todas as Palavras. Poesia Reunida. Assírio&Alvim., p. 11

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

 "Acho que a missão da mulher é assombrar, espantar. Se a mulher não espanta... De resto, não é só a mulher, todos os seres humanos têm que deslumbrar os seus semelhantes para serem um acontecimento. Temos que ser um acontecimento uns para os outros. Então a pessoa tem que fazer o possível para deslumbrar o seu semelhante, para que a vida seja um motivo de deslumbramento. Se chama a isso sedução, cumpri aquilo que me era forçoso fazer." . 


NATÁLIA CORREIA (Fajã de Baixo, São Miguel, 13 de Setembro de 1923 — Lisboa, 16 de Março de 1993), poetisa, dramaturga, romancista, ensaísta, cronista, tradutora, editora, conferencista e deputada, em entrevista de 1983. .

''a submissão às regras''

licor de tangerina

É preciso ser da ilha para compreender até ao fundo esta tragédia.

Natália Correia

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

The Rolling Stones - Angry


[Intro]
One, two
One, two, three, go


[Verse 1]
Don't get angry with me
I never caused you no pain
I won't be angry with you
But I can't see straight (Yeah)
It hasn't rained in a month, the river's run dry
We haven't made love and I wanna know why
Why you angry with me?
Why you angry?

[Chorus]
Please just forget about me
Cancel out my name
Please never write to me
I love you just the same
I hear a melody ringing in my brain
Just keep the memories
Don't have to be ashamed

[Verse 2]
Don't get angry with me
I'm in a dеsperate state
I'm not angry with you
Don't you spit in my facе
The wolf's at the door with the teeth and the claws
My mouth's getting sore, I can't take anymore
Ah, why you angry with me?
Why you angry?
Voices keep echoing
Calling out my name
Hear the rain keep beating
On my window pane
I hear a melody ringing in my brain
You can keep the memories
Don't have to be ashamed

[Refrain]
Don't get angry with me

[Outro]
(Angry, angry)
Yeah, yeah (Angry, don't be angry with me)
If we go separate ways
(Angry) Yeah, don't be angry with me
Let's go out in a blaze
(Angry, don't be angry with me) Yeah
Don't you spit in my face
(Angry) Oh
Don't be angry with me
Don't get, don't get
(Angry, don't be angry with me)
I'm still taking the pills and I'm off to Brazil
(Angry, don't be angry with me)
Please, don't be angry with me (Angry, don't be angry with me)
Come on
Don't, don't, don't, not (Angry, don't be angry with me)
Not, not, not, not, not, not, not

domingo, 3 de setembro de 2023

«Não preciso de odiar qualquer homem; ele não consegue magoar-me. Não preciso de o lisonjear; ele nada tem para me dar.»

Virginia Woolf. Um Quarto Só para Si. Tradução e Prefácio de Maria de Lourdes Guimarães.Relógio D'Água., p. 61/2

'' o grito da vaidade ferida''

Virginia Woolf. Um Quarto Só para Si. Tradução e Prefácio de Maria de Lourdes Guimarães.Relógio D'Água., p. 58

AS MULHERES E A POBREZA

Virginia Woolf. Um Quarto Só para Si. Tradução e Prefácio de Maria de Lourdes Guimarães.Relógio D'Água., p. 49

 « (...), a beleza do mundo que tão cedo vai morrer, ela que tem duas arestas, uma da alegria, outra da angústia, que cortam o coração em dois.»

Virginia Woolf. Um Quarto Só para Si. Tradução e Prefácio de Maria de Lourdes Guimarães.Relógio D'Água., p. 34

'' as borboletas cor de enxofre a voar de um lado para o outro''

Virginia Woolf. Um Quarto Só para Si. Tradução e Prefácio de Maria de Lourdes Guimarães.Relógio D'Água., p. 34

funambulismo


 

Vou Pedir-Te um Coração

 DEATH IN JUNE 

"Symbols and Clouds"

2x 12'' Gatefold Red LP 2009, NER. 


Side 1:

Death Is The Martyr Of Beauty 

He's Disabled 

The Mourner's Bench

Because Of Him

Little Black Angel


Side 2:

The Golden Wedding Of Sorrow

The Giddy Edge Of Light

Ku Ku Ku

Hollows Of Devotion 

But, What Ends When The Symbols Shatter? 

Cathedral Of Tears 


Side 3:

Lord Winter 

God's Golden Sperm 

Omen-Filled Season 

Symbols Of The Sun 

Luther's Army 


Side 4:

13 Years Of Carrion 

The Accidental Protégé 

Rose Clouds Of Holocaust 

Leopard Flowers


All songs originally recorded between 1992 - 1995 and taken from the albums "But, What Ends When The Symbols Shatter?" & "Rose Clouds Of Holocaust".

Quando se ateia em nós um fogo preso,
O corpo a corpo em que ele vai girando
Faz o meu corpo arder no teu aceso
E nos calcina e assim nos vai matando
Essa luz repentina
Até perder alento
E então é quando
A sombra se ilumina,
E é tudo esquecimento,
Tão violento e brando.

Sacode a luz o nosso ser surpreso
E devastados nós vamos a seu mando,
Nessa prisão o mundo perde o peso
E em fogo preso à noite as chamas vão pairando
E vão-se libertando
Fogo e contemplamento,
A revoar num bando
De beijos tão sem tento
Que não sabemos quando
São fogo, ou água, ou vento,

A revoar num bando
De beijos tão sem tento,
Que perdem o comando
Do próprio esquecimento.


Vasco Graça Moura

https://www.youtube.com/watch?v=XirVW-0jVVE

domingo, 20 de agosto de 2023

 «Não há a necessidade de brilhar. Não há a necessidade de ser alguém a não ser nós próprios.»

Virginia Woolf. Um Quarto Só para Si. Tradução e Prefácio de Maria de Lourdes Guimarães.Relógio D'Água., p. 27


 

'' uma mulher tem de ter dinheiro e um quarto só para si, se quiser escrever ficção''


 Virginia Woolf. Um Quarto Só para Si. Tradução e Prefácio de Maria de Lourdes Guimarães.Relógio D'Água., p. 18

''egotismo masculino''

 «Se lhe era permitido passar as manhãs no seu quarto a ler, a escrever ou a traduzir do grego, a meio da tarde tinha de se transformar na jovem bem-educada a participar nos rituais sociais, usar um vestido de cerimónia e conversar durante o chá de acordo com a tradição vitoriana.»

in Prefácio

 Virginia Woolf. Um Quarto Só para Si. Tradução e Prefácio de Maria de Lourdes Guimarães.

Relógio D'Água., p. 10

sábado, 19 de agosto de 2023

 ''parece que acabamos sempre a projectarmo-nos uns nos outros.''

Madalena Folgado

Mestre em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa



 

Euclides

A cada um a sua montanha.


Liz Vahia
Licenciada em antropologia pela Universidade de Coimbra. Doutoranda no programa Filosofia da Ciência, Tecnologia Arte e Sociedade, da Universidade de Lisboa.

“totems de conceitos”

''O fogo criador''

 Liz Vahia

Licenciada em antropologia pela Universidade de Coimbra. Doutoranda no programa Filosofia da Ciência, Tecnologia Arte e Sociedade, da Universidade de Lisboa.

''Uma imagem-que-foi transformada agora numa imagem-ainda-a-ser, ou numa “arte ainda por vir” atingida já pela fúria do impacto da sua aparição.''


Liz Vahia
Licenciada em antropologia pela Universidade de Coimbra. Doutoranda no programa Filosofia da Ciência, Tecnologia Arte e Sociedade, da Universidade de Lisboa.




 

''destruição construtiva''

 ''a arte pode ter como origem a sua própria destruição, a imagem pode reinventar-se a si mesma e reproduzir-se como imagem tendo por base a destruição da própria imagem.''

Liz Vahia
Licenciada em antropologia pela Universidade de Coimbra. Doutoranda no programa Filosofia da Ciência, Tecnologia Arte e Sociedade, da Universidade de Lisboa.



''tentação idolátrica''

“carne divina”

 a objectividade e verdade da representação estão ameaçadas pela actividade construtiva do sujeito.

Fernando Gil in Mimesis e Negação (1984)

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

John Parish - Sorry for your loss (Feat. PJ Harvey)

dealbar

Mont Noir

 «Não foi por estudar muito e por ler muito que adoeci dos nervos aos 21 anos, foi por viver num ambiente deprimente.»

Adília Lopes. Manhã. Assírio&Alvim. Porto Editora, 2015., p. 126

 AÇÚCAR


Barthes escreveu já não sei onde cito de cor: o

açúcar é violento. Acho que tem razão.


Adília Lopes. Manhã. Assírio&Alvim. Porto Editora, 2015., p. 94

PJ Harvey - August


Tree-tears vall
Wordle wide
All of us
Cross o'er t'other side
'Vore I leave
Someone please
Love me tender
'Neath the trees

Love me tender
Love me sweet
All memories will fade

Lorn of leaf
Twiddicks sigh
Child
Season mortify

lambareira

aguadas

 PALAVRAS CARAS


 Em minha casa, detestávamos pessoas bem -

-falantes, palavras caras. De uma vez, apareceu a 

prima Maria Lucília a dizer já não sei porquê:

- Fiquei muito confrangida.

Passámos a chamar-lhe « a confrangida».

Sempre que aparecia alguém na televisão a 

declamar poesia ou a falar de poesia, desligáva-

mos a televisão.


Adília Lopes. Manhã. Assírio&Alvim. Porto Editora, 2015., p. 56

snobíssimo

 «CROFTS

[Lívido.] O diabo que te carregue!

VIVIE

Não é preciso, já me sinto num inferno.»


Bernard Shaw. A profissão da Sra. Warren. Tradução de Guilherme Mendonça. Campo das Letras. 1ª Edição Maio de 2003., p. 27

''uva de má cepa''

Bernard Shaw. A profissão da Sra. Warren. Tradução de Guilherme Mendonça. Campo das Letras. 1ª Edição Maio de 2003., p. 95

« Há sempre algo na vida que depende da nossa escolha.»

Bernard Shaw. A profissão da Sra. Warren. Tradução de Guilherme Mendonça. Campo das Letras. 1ª Edição Maio de 2003., p. 72



Lu Guang (卢广) (born 1961) is a Chinese independent photojournalist.

''deixe-se de amuos comigo''

Bernard Shaw. A profissão da Sra. Warren. Tradução de Guilherme Mendonça. Campo das Letras. 1ª Edição Maio de 2003., p. 27

Aguentei, por civismo

« Aguentei, por civismo, até ao terceiro dia, depois, informei-os de que não estava para aturar aquilo e fui para Chancery Lane.»

Bernard Shaw. A profissão da Sra. Warren. Tradução de Guilherme Mendonça. Campo das Letras. 1ª Edição Maio de 2003., p. 20

''recato feminil''

Bernard Shaw. A profissão da Sra. Warren. Tradução de Guilherme Mendonça. Campo das Letras. 1ª Edição Maio de 2003., p. 15

«Dizer sempre ''não'' quando se pensa ''sim''! Enfim, um inferno para as almas tímidas e sinceras.»

 Bernard Shaw. A profissão da Sra. Warren. Tradução de Guilherme Mendonça. Campo das Letras. 1ª Edição Maio de 2003., p. 15

''galantaria copiada de romances''

Bernard Shaw. A profissão da Sra. Warren. Tradução de Guilherme Mendonça. Campo das Letras. 1ª Edição Maio de 2003., p. 15

'' a necessidade de agradar''

 Bernard Shaw. A profissão da Sra. Warren. Tradução de Guilherme Mendonça. Campo das Letras. 1ª Edição Maio de 2003., p. 13

terça-feira, 27 de junho de 2023

 Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso

Eu não era negro.

Em seguida levaram alguns operários

Mas não me importei com isso

Eu também não era operário.

Depois prenderam os miseráveis

Mas não me importei com isso

Porque eu não sou miserável.

Depois agarraram uns desempregados

Mas como tenho o meu emprego

Também não me importei.

Agora estão-me levando

Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo.


(Atribuído a Bertolt Brecht)

terça-feira, 20 de junho de 2023

sábado, 10 de junho de 2023

« ferido o coração pouco resiste »

 Caetano José da Silva Souto-Maior

in Natália CorreiaAntologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.p. 231


 

PJ Harvey - I Inside the Old I Dying

«Acendeu-se o fogo na água»

 Frei António das Chagas

in Natália CorreiaAntologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.p. 209

«Madrugava nos seus olhos»

 Frei António das Chagas

in Natália CorreiaAntologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.p. 203

'' nódoas roxas''

« e, mordes com o coração»

Afonso Álvares

in Natália CorreiaAntologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.p. 167

Yes It's Me, The Goldfish!

 « Amores eu tenho, antes não tivesse,

o que eu fiz por ele, antes não fizesse!»


João Zorro

in Natália CorreiaAntologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.p. 113

Vedes-me

''A poetização da carne''

Natália CorreiaAntologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.p. 89

donjuanismo feminino


Elisa Miralles
 

As Vestais de Vénus

concupiscência


 

verbo transitivo
1.
tirar a autoridade a
2.
privar de um cargo
3.
depreciar

 


1.
rezas e benzeduras para curar males ou fazer malefícios
2.
bruxedo

''licença verbal''

Natália CorreiaAntologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.p. 83

''pecúlio adjectival''

Natália CorreiaAntologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.p. 83

''acanhamento lexical''

 Natália CorreiaAntologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.p. 83

quinta-feira, 8 de junho de 2023

terça-feira, 6 de junho de 2023

Legislação Sexual

''O CATIVEIRO DE AFRODITE''


 

 

por acinte
de propósito, de caso pensado

quesito

''a lentidão da máquina judicial  não é exclusiva da democracia''


Francisco Topa. FAHRENHEIT 451: O Processo Judicial Contra a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica in Natália CorreiaAntologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.p. 54

segunda-feira, 5 de junho de 2023

terça-feira, 30 de maio de 2023

As Causas


Todas as gerações e os poentes.
Os dias e nenhum foi o primeiro.
A frescura da água na garganta
De Adão. O ordenado Paraíso.
O olho decifrando a maior treva.
O amor dos lobos ao raiar da alba.
A palavra. O hexâmetro. Os espelhos.
A Torre de Babel e a soberba.
A lua que os Caldeus observaram.
As areias inúmeras do Ganges.
Chuang Tzu e a borboleta que o sonhou.
As maçãs feitas de ouro que há nas ilhas.
Os passos do errante labirinto.
O infinito linho de Penélope.
O tempo circular, o dos estóicos.
A moeda na boca de quem morre.
O peso de uma espada na balança.
Cada vã gota de água na clepsidra.
As águias e os fastos, as legiões.
Na manhã de Farsália Júlio César.
A penumbra das cruzes sobre a terra.
O xadrez e a álgebra dos Persas.
Os vestígios das longas migrações.
A conquista de reinos pela espada.
A bússola incessante. O mar aberto.
O eco do relógio na memória.
O rei que pelo gume é justiçado.
O incalculável pó que foi exércitos.
A voz do rouxinol da Dinamarca.
A escrupulosa linha do calígrafo.
O rosto do suicida visto ao espelho.
O ás do batoteiro. O ávido ouro.
As formas de uma nuvem no deserto.
Cada arabesco do caleidoscópio.
Cada remorso e também cada lágrima.
Foram precisas todas essas coisas
Para que um dia as nossas mãos se unissem.


jorge luís borges
obras completas 1975-1985 vol. III
história da noite   (1977)
trad. fernando pinto do amaral
editorial teorema
1998


Artur Pastor,
Equilíbrio,
Nazaré, Portugal, 1954-1957


 

boçalidade

  « Em dada altura, pareceu-me eminentemente oportuno lançar no charco do despotismo salazarista a pedrada de um estudo dedicado ao erotismo e sátira fescenina, ilustrando antologicamente. O resultado foi uma cómica condenação que, do alto do Plenário, pretendia avassalar-me, mas que proporcionou jocosa oportunidade de dar razão a Nietzsche, quando ele compara os juízes com camelos.»

Natália CorreiaAntologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica. 

introito

A defesa do poeta


Senhores jurados sou um poeta

um multipétalo uivo um defeito

e ando com uma camisa de vento

ao contrário do esqueleto.



Sou um vestíbulo do impossível um lápis

de armazenado espanto e por fim

com a paciência dos versos

espero viver dentro de mim.



Sou em código o azul de todos

( curtido couro de cicatrizes)

uma avaria cantante

na maquineta dos felizes.



Senhores banqueiros sois a cidade

o vosso enfarte serei

não há cidade sem o parque

do sono que vos roubei.



Senhores professores que pusestes

a prémio minha rara edição

de raptar-me em crianças que salvo

do incêndio da vossa lição.



Senhores tiranos que do baralho

de em pó volverdes sois os reis

sou um poeta jogo-me aos dados

ganho as paisagens que não vereis.



Senhores heróis até aos dentes

puro exercício de ninguém

minha cobardia é esperar-vos

umas estrofes mais além.



Senhores três quatro cinco e sete

que medo vos pôs por ordem?

Que favor fechou o leque

da vossa diferença enquanto homem?



Senhores juízes que não molhais

a pena na tinta da natureza

não apedrejeis meu pássaro

sem que ele cante minha defesa.



Sou um instantâneo das coisas

apanhadas em delito de perdão

a raiz quadrada da flor

que espalmais em apertos de mão.



Sou uma impudência a mesa posta

de um verso onde o possa escrever.

Ó subalimentados do sonho!

A poesia é para comer.





Natália Correia




"A defesa do poeta", Poesia Completa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2000, pág. 330 e seg. (nota em rodapé: "Compus este poema para me defender no Tribunal Plenário de tenebrosa memória. O que não fiz a pedido do meu advogado que sensatamente me advertiu de que essa insólita leitura no decorrer do julgamento comprometeria a defesa, agravando a a sentença."
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