quinta-feira, 10 de novembro de 2022

 Queria que os portugueses


(Agostinho da Silva)

Queria que os portugueses
tivessem senso de humor
e não vissem como génio
todo aquele que é doutor

sobretudo se é o próprio
que se afirma como tal
só porque sabendo ler
o que lê entende mal

todos os que são formados
deviam ter que fazer
exame de analfabeto
para provar que sem ler

teriam sido capazes
de constituir cultura
por tudo que a vida ensina
e mais do que livro dura

e tem certeza de sol
mesmo que a noite se instale
visto que ser-se o que se é
muito mais que saber vale

até para aproveitar-se
das dúvidas da razão
que a si própria se devia
olhar pura opinião

que hoje é uma manhã outra
e talvez depois terceira
sendo que o mundo sucede
sempre de nova maneira

alfabetizar cuidado
não me ponham tudo em culto
dos que não citar francês
consideram puro insulto

se a nação analfabeta
derrubou filosofia
e no jeito aristotélico
o que certo parecia

deixem-na ser o que seja
em todo o tempo futuro
talvez encontre sozinha
o mais além que procuro.

'' livros dos vedas''

 

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 141

 

nome masculino
1.
mar alto
2.
profundidade do mar
3.
figurado abismovoragem
4.
figurado imensidade

''atrevimentos dialéticos''

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 138

«Sinto-me um miserável por não poder estar de acordo com vossa Alteza (...)»

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 137


 

 «Não era homem para permitir que se desmandasse o coração em público, mesmo quando, como agora, lágrimas invisíveis lhe deslizam pela cara abaixo.»


 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 132

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

« (...) e, se a espontaneidade falta, falta tudo.»

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 131

''acatamento disciplinado, ironia benevolente, irritação ofendida''

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 128

malbaratar

''excelsas pessoas''

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 125


nome feminino
peça de pano de seda lavrada, do tamanho de coberta, com que se adornam paredes ou janelastapeçaria


Folhetim

«Somos, cada vez mais, os defeitos que temos, não as qualidades.»

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 123

''as galhofas do populacho''

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 120

''nascida e criada em anos de solidão''

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 120

''amores mal aceites''

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 120

''as razões de coração''

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 120

 «(...), por muito sangue que tivesse corrido em castelo rodrigo,»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 118

terça-feira, 11 de outubro de 2022


 

 

nome feminino
1.
alocução pública
2.
discurso longo e fastidiosopalavrório
3.
altercação, discussão

«(...) o meu parecer, senhor alcaide, é que cada um trate de si, enquanto deus trata de todos,»

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 105

dolce far niente

 «(...) os arrebiques de linguagem, as meias verdades que querem passar por verdades inteiras.»


 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 97

''paveias de feno''

 

ir a Roma e não ver o papa
ir procurar uma coisa, chegar junto dela e não a ver

''apresentar os seus respeitos''

 José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 91

«Encontros, houve-os, mas de passagem, (...)»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 90

tenteios

Sarah Vaughan - Misty (Live from Sweden) 1964


Look at me, I'm as helpless as a kitten up a tree
And I feel like I'm clingin' to a cloud
I can' t understand
I get misty, just holding your hand

Walk my way
And a thousand violins begin to play
Or it might be the sound of your hello
That music I hear
I get misty, the moment you're near

You can see that you're leading me on
But is just what I want you to do
Don't you notice how hopelessly I'm lost
That's why I'm following you

On my own
When I wander through this wonderland alone
Never knowing my right foot from my left
My hat from my glove
I'm too misty, and too much in love

I'm just too misty
And too much in love

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

''cepa bastarda''

 

«(...) prestam tão pouca atenção aos sentimentos delicados que raras vezes lhes dão uso.»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 79


 

 «Este fulano está doido varrido, variou-se-lhe a cabeça com a febre do nevoeiro.»

José Saramago. A Viagem do Elefante. Porto Editora. 2014., p. 76

confessemo-lo

 

por acinte
de propósito, de caso pensado

tão-pouco

 

nome feminino
1.
palavreado oco
2.
conversa fútil, sem importância
3.
sequência discursiva composta por palavras rimadas e/ou repetidas, que lhe conferem um carácter musical, enunciada para facilitar a memorização de algo, como divertimento infantil, etc.lengalenga
4.
discussãobrigarixa

domingo, 9 de outubro de 2022


The Lover (1992) dir. Jean-Jacques Annaud


 

 « O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 106

«(...) alguém poisara um ramo de flores bentas na Páscoa.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 97

« A sua mente estava obscurecida. Sentia-se só entre os homens e Deus parecia-lhe infinitamente oculto e velado.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 87

« Estava cansado do mundo.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 87

''perfume verde de jardim molhado''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 86

« Um pobre vem sempre da parte de Deus.»


Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 86


 

 «Os pobres têm fome e frio mas sobretudo estão sós.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 72

''faziam tricots para os pobres''

 Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 77

« Hoje vi um espectáculo que me encheu de melancolia.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 76

«Dai a Cesar o que é de Cesar e dai a Deus o que é de Deus.»

« Shakespeare, Camões, Dante, falam dos problemas da alma humana. Hoje os poetas discutem os salários dos operários e o nível dos países. Ora o homem não é só matéria: é espírito também. Mas o nosso tempo só vê os problemas materiais.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 76

 «Não era velho, mas parecia nunca ter sido novo.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 75

« Generosos são só os loucos ou os santos.»


Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 73


 

« Mas agora há remédios para todas as doenças e argumentos para todas as consciências.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 72

'' novo-riquismo''

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 69

''«(...) os miseráveis também tinham o seu lugar que ficava um pouco abaixo dos criados, um pouco acima dos cães.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 69

'' a doença dos pobres''

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 69

relé

« Não estava habituado a lutar, estava só habituado a mandar.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 67

 «Peço-lhe que deixe César ocupar-se do que é de César.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 66


Ilda Pulga

 

'' o fogo dos Estios''

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 65

 « A reintegração da palavra no cosmos não exclui a morte, a própria tensão que a desordem provoca, porque a ordem não se atinge sem combate.»

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 54

 

nome feminino
1.
antiga sacerdotisa de Baco
2.
figurado mulher dissoluta

''princípio da despersonalização''

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 53

''violentos espaços marinhos''

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 50

''mar movente''

Sophia de Mello Breyner Andresen. Prosa. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2021., p. 47

domingo, 2 de outubro de 2022


 

Lucille Spann - Cry Before I Go (Full Album)

 A MORTE DA ROSA


Morreu de mau cheiro.
Rosa igual, exata.
Subsistiu à sua beleza,
Sucumbiu à sua fragrância.
Não teve nome: talvez
lhe chamassem Rosaura,
Ou Rosa-fina, ou Rosa
do amor, ou Rosalva;
ou simplesmente Rosa,
como se chama a água.
Mais lhe valeria
ser sempre-viva, Dália,
pensamento com lua
como um ramo de acácia.

Mas ela será eterna:
foi rosa; e isso basta;

Deus a gurde em seu reino
à margem direita do alvorecer.

1945


SONETO QUASE INSISTENTE NUMA NOITE DE SERENATAS

Queria uma mulher de sangue e prata.
Qualquer mulher. Uma mulher qualquer,
quando nas noites de primavera
se ouve distante uma serenata.

Essa música é alma. E mesmo não fosse
verdade tanta mentira seria bom
saber que sua voz sempre retrata
o coração de uma mulher qualquer.

Quero querer com música. E quero
que me queiram com tom verdadeiro
Quase em azul e quase eternamente.

Será porque esse ritmo me arrebata,
ou talvez porque ouvindo serenatas
dói-me o Coração musicalmente.

1945


CANÇÃO

Chove neste poema
Eduardo Carranza


Chove. A tarde é uma
folha de névoa. Chove.
A tarde está molhada
de tua própria tristeza.
Às vezes vem o ar
com sua canção. Às vezes...
Sinto a alma pesada
contra tua voz ausente.

Chove. E estou pensando
em ti. E estou sonhando.
Ninguém verá esta tarde
a minha dor presa.
Ninguém. Só tua ausência
que me dói nas horas.
Amanhã tua presença regressará na rosa.

Penso – cai a chuva –
nunca como as frutas.
Menina como as frutas,
agradecida como uma festa
hoje está entardecendo
teu nome em meu poema.

Às vezes vem água
a olhar pela janela
E tu não estás
Às vezes te pressinto próxima.

Humildemente recordo
tua despedida triste.
Humildemente e tudo
humilde: os jasmins
as rosas do jardim

e meu pranto em declive.
Oh, coração ausente:
quão grande é ser humilde!

31 de dezembro de 1944

Gabriel García Márquez nasceu a 6 de março de 1927 em Aracataca, na Colômbia. Um dos nomes mais importantes da literatura do século XX, o autor de Cem anos de solidão, como muitos reconhecidos pela prosa, também se experimentou na poesia. Recebeu por sua obra o Prêmio Nobel de Literatura em 1982. Morreu no dia 17 de abril de 2014 na Cidade do México.


* Traduções de Pedro Fernandes de Oliveira Neto.



 

 Cogito


eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim


Literato cantabile

agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto pode ser o fim
do seu início
agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em minha orla
os pássaros de sempre cantam assim,
do precipício:

a guerra acabou
quem perdeu agradeça
a quem ganhou.
não se fala. não é permitido
mudar de idéia. é proibido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos
está vetado qualquer movimento
do corpo ou onde quer que alhures.
toda palavra envolve o precipício
e os literatos foram todos para o hospício
e não se sabe nunca mais do mim. agora o nunca.
agora não se fala nada, sim. fim. a guerra
acabou
e quem perdeu agradeça a quem ganhou.

***

Agora não se fala mais
toda palavra guarda uma cilada
e qualquer gesto é o fim
do seu início:

Agora não se fala nada
e tudo é transparente em cada forma
qualquer palavra é um gesto
e em sua orla
os pássaros de sempre cantam
nos hospícios.

Você não tem que me dizer
o número de mundo deste mundo
não tem que me mostrar
a outra face
face ao fim de tudo:

só tem que me dizer
o nome da república do fundo
o sim do fim
do fim de tudo
e o tem do tempo vindo:

não tem que me mostrar
a outra mesma face ao outro mundo
(não se fala. não é permitido:
mudar de idéia. é proibido.
não se permite nunca mais olhares
tensões de cismas crises e outros tempos.
está vetado qualquer movimento


Let’s Play That

quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando a minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let’s play that

Torquato Neto nasceu a 9 de novembro de 1944 em Teresina. Autor de uma obra multifacetada que inclui poesia, crônica e letras de canções, sua carreira se inicia pela participação de vários movimentos de vanguarda, como a Tropicália. Morreu no dia 10 de novembro de 1972, no Rio de Janeiro. 


* Estes poemas foram publicados inicialmente na revista Modo de Usar & Co.

 

Eu não tenho a alma covarde

Eu não tenho a alma covarde,
Pois frente aos vendavais, eu nunca tremo:
O Paraíso brilha, arde,
Como a fé, pela qual eu nada temo.

Deus, meu peito Te abrigou.
Deidade poderosa e onipresente!
Vida – que em mim repousou.
Como eu – Vida Imortal – em Ti, potente!

Movem-nos o peito em vão
Mil credos que não são mais do que enganos;
Sem valor, brotos malsãos,
Ou a ociosa espuma do Oceano,

A pôr dúvidas num ente
Pego assim pela Tua infinidade;
Preso tão seguramente
Na firme Rocha da imortalidade!

Com o amor de um grande enleio
Teu espírito o tempo eterno anima,
Para cima e de permeio,
Muda, apoia, dissolve, cria e ensina.

Se a Terra e a lua findassem,
Se não houvesse sóis nem universos,
E se, só, Te abandonassem,
Haveria existência em Ti, por certo.

A Morte não tem lugar,
Nem pode um único átomo abater:
És o Sopro mais o Ser
Nada pode jamais Te exterminar.


Solidariedade

Não deves ter desesperança,
Cada estrela incendeia;
O silente orvalho se lança
E o sol tudo clareia.

Não à desesperança, embora
O pranto vá jorrar:
Mas os áureos anos de outrora
No peito hão de ficar.

Todos choram, como se deve,
O ar, qual nós, dá seus ais,
O pesar fica sob a neve,
Vêm folhas outonais,

Que revivem; pelo seu fado
O teu nunca é rompido:
Vai, mesmo que desanimado.

E jamais dolorido!


O velho estóico

Eu desprezo o Amor e a quem me ama,
Dos ricos, sei zombar;
É sonho a luxúria da Fama,
Que acaba ao despertar -

E se oro, a única Oração
Que a boca me devora
É - "Larga este meu coração
Deixa-me livre agora."

Quais dias de missão cumprida,
Estou eu a implorar - 
Alma livre na morte ou vida,
Coragem pra aguentar.


Emily Brontë nasceu a 30 de julho de 1818, em Thornton, na Inglaterra. A obra sempre lembrada da escritora é o romance O morro dos ventos uivantes, publicado em 1847 e transformado em grande sucesso literário. Com as irmãs, Charlotte e Anne, publicou um ano antes uma coletânea de poemas assinada com os pseudônimos Ellis, Currer e Acton Bell, respectivamente. A poeta morreu no dia 19 de dezembro de 1848, em Haworth. 

* Traduções de Renata Cordeiro publicadas primeiramente em Cadernos de Literatura em Tradução.

 PALAVRAS


Golpes
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.

A seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
Sobre a rocha

Que cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro

Essas palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.


ARIEL

Estancamento no escuro
E então o fluir azul e insubstancial
De montanha e distância.

Leoa do Senhor como nos unimos
Eixo de calcanhares e joelhos!... O sulco

Afunda e passa, irmão
Do arco tenso
Do pescoço que não consigo dobrar.

Sementes
De olhos negros lançam escuros
Anzóis...

Negro, doce sangue na boca,
Sombra,
Um outro voo

Me arrasta pelo ar...
Coxas, pelos;
Escamas e calcanhares.
Branca
Godiva, descasco
Mãos mortas, asperezas mortas.

E então
Ondulo como trigo, um brilho de mares.
O grito da criança

Escorre pela parede.
E eu
Sou a flecha,

O orvalho que voa,
Suicida, unido com o impulso
Dentro do olho

Vermelho, caldeirão da manhã.


A CHEGADA DA CAIXA DE ABELHAS

Encomendei esta caixa de madeira
Clara, exata, quase um fardo para carregar.
Eu diria que é um ataúde de um anão ou
De um bebê quadrado
Não fosse o barulho ensurdecedor que dela escapa.

Está trancada, é perigosa.
Tenho de passar a noite com ela e
Não consigo me afastar.
Não tem janelas, não posso ver o que há dentro.
Apenas uma pequena grade e nenhuma saída.

Espio pela grade.
Está escuro, escuro.
Enxame de mãos africanas
Mínimas, encolhidas para exportação,
Negro em negro, escalando com fúria.

Como deixá-las sair?
É o barulho que mais me apavora,
As sílabas ininteligíveis.
São como uma turba romana,
Pequenas, insignificantes como indivíduos, mas meu deus, juntas!

Escuto esse latim furioso.
Não sou um César.
Simplesmente encomendei uma caixa de maníacos.
Podem ser devolvidos.
Podem morrer, não preciso alimentá-los, sou a dona.

Me pergunto se têm fome.
Me pergunto se me esqueceriam
Se eu abrisse as trancas e me afastasse e virasse árvore.
Há laburnos, colunatas louras,
Anáguas de cerejas.

Poderiam imediatamente ignorar-me.
No meu vestido lunar e véu funerário
Não sou uma fonte de mel.
Por que então recorrer a mim?
Amanhã serei Deus, o generoso – vou libertá-los.

A caixa é apenas temporária.



Sylvia Plath nasceu a 27 de outubro de 1932 em Boston. Escreveu contos, um romance e poesia, gênero literário pelo qual sua obra é reconhecida. Seus poemas estão publicados em The Colossus and Other Poems, livro de estreia, em 1960, Ariel (1963), Crossing the Water (1971) e The Collected Poems (1981), reunindo uma recolha de poemas inéditos. Sylvia morreu em Londres, no dia 11 de fevereiro de 1963. 


 

 À EMISSORA NACIONAL


Para a gente se entreter
E não haver mais chatice
Queiram dar-nos o prazer
De umas vezes nos dizer
O que Salazar não disse.

Transmitem a toda a hora,
Nas entrelinhas das danças,
«Salazar disse» (Emissora)
E aí vem essa senhora
A Estada Nova com tranças.

Sim, talvez seja o melhor,
Porque estes homens do estado
Quando falam, é o pior,
E então quando são do teor
Do Salazar já citado!

1935
Fernando Pessoa
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