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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015


«- Vou andar um pouco, Ana. Para ver se arejo.
-Sente-se mal?
-Mal não, Ana. Mau. Um homem mau. É isso que sinto que sou.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 90
«-Eu sou um pobre homem disposto a humilhar-se, enquanto sentir o impulso para o fazer.»



Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 83

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

«Eu sei avaliar o desconsolo, dom Pedro. E essa mulher trazia-o de sobra.»

Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 82
«(...); mas é tão violento e vive tão depressa que às vezes me parece que anda a correr contra o tempo. Acabará por perder, vai ver.
- Ainda é uma criança, Fulgor.»



Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 81

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015



«Encontrarás lá o meu querer. O lugar que eu amei. Onde os sonhos me enfraqueceram. A minha aldeia, erguida sobre a planície. Cheia de árvores e de folhas, como um mealheiro onde guardámos as nossas recordações. Sentirás que, lá, uma pessoa gostaria de viver para sempre. O amanhecer; a manhã, o meio-dia e a noite, sempre os mesmos; mas com a diferença do ar. Lá, onde o ar  muda a cor das coisas; onde a vida corre como se fosse um murmúrio; como se fosse um puro murmúrio da vida...»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 75

«A cama era de verga coberta com mantas que cheiravam a urina, como se nunca tivessem sido arejadas ao sol; e a almofada era um enxergão cheio de cotão ou de uma lã tão dura ou tão suada que endurecera como madeira.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 71/2
«Através do tecto aberto, vi passar bandos de tordos, esses pássaros que voam ao entardecer antes de a escuridão lhes fechar os caminhos. Depois, umas quantas nuvens já desfeitas pelo vento que vem para levar o dia.»


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 70

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

«-Não estás lá para ganhar dinheiro, mas para aprender; quando já souberes alguma coisa poderás ser exigente. Por agora és só um aprendiz; talvez amanhã, ou depois, venhas a ser tu o chefe. Mas para isso é preciso ter paciência e, acima de tudo, humildade. Se te põem a passear a criança, fá-lo, pelo amor de Deus. Tens de te resignar.
  - Que se resignem os outros, avó, eu cá não estou para resignações.»

Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 36/7

 
«No dia em que partiste percebi que não voltaria a ver-te. Ias tingida de vermelho pelo sol da tarde, pelo crepúsculo ensanguentado do céu. Sorrias. Deixavas para trás uma aldeia da qual muitas vezes me disseste: ''Amo-a por tua causa; mas odeio-a por todas as outras coisas, até por ter cá nascido.'' Pensei: ''Jamais regressará; nunca voltará.''


Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 36

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

sábado, 2 de abril de 2011

« - Houve uma altura em que ouvi durante muitas noites...

« - Houve uma altura em que ouvi durante muitas noites o barulho de uma festa. Os sons chegavam até à Meia-Lua. Aproximei-me para ver aquilo e o que vi foi isto: o que estamos agora a ver. Nada. Ninguém. As ruas tão desertas como agora.
       Depois, deixei de ouvir. É que a alegria cansa. Por isso não estranhei que aquilo acabasse.
       -Sim - voltou a dizer Damiana Cisneros. - Esta aldeia está cheia de ecos. Eu já não me assusto. Ouço os uivos dos cães e deixo-os uivar. E em dias de corrente de ar vê-se o vento a arrastar folhas de árvores quando aqui, como vês, não há árvores. Já houve, noutros tempos, porque se assim não fosse de onde viriam estas folhas?
       E o pior de tudo é que quando ouves pessoas a conversar, como se as vozes saíssem de alguma fenda e, no entanto, tão claras que as reconheces. Nem mais nem menos, agora quando vinha a caminho, passei por um velório. Parei para rezar um pai-nosso. Estava a rezar quando uma mulher se afastou das outras e veio dizer-me:
        «-Daminana! Roga a Deus por mim, Damiana!»
        Afastou o manto e reconheci a cara da minha irmã Sixtina.
        «-Que estás tu a fazer aqui?» - perguntei-lhe.
        Nessa altura, ela correu na direcção de outras mulheres e escondeu-se.
        A minha irmã Sixtina, caso não saibas, morreu quando eu tinha doze anos. Era a mais velha. E na minha casa éramos dezasseis, agora calcula há quanto tempo está morta. E olha para ela agora, ainda a vaguear por este mundo. Por isso não te assustes se ouvires ecos mais recentes, Juan Preciado.
       - A minha mãe também a avisou da minha chegada? - perguntei-lhe.
       - Não. E a propósito, o que é feito da tua mãe?
       -Morreu - disse.
       -Já morreu? E de quê?
       -Não cheguei a saber. Talvez de tristeza. Suspirava muito.
       -Isso é mau. Cada suspiro é como um sorvo de vida de que uma pessoa se desfaz. Então morreu?
       -Sim. Pensei que talvez a senhora soubesse.
       -E por que razão saberia? Há muitos anos que não sei de nada.
       -Então como é que deu comigo?
       - ...
       -A senhora está viva, Damiana? Diga-me, Damiana!
       E de repente fiquei só naquelas ruas vazias. As janelas das casas abertas de par em par, deixando entrar os ramos flexíveis das trepadeiras. Silvas esguias subiam pelos tijolos nus das paredes.
      -Damiana! - gritei. - Damiana Cisneros!
       Respondeu-me o eco: « ... ana ...neros...!...ana...neros...!»
 
 
 
 
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 58/9
«Um cavalo passou a galope no cruzamento da rua principal com o caminho de Contla. Ninguém o viu. Todavia, uma mulher que estava à espera nas imediações da aldeia contou que tinha visto o cavalo a correr com as pernas dobradas como se estivesse prestes a cair de bruços. Reconheceu o alazão de Miguel Páramo. E até pensou: «Este animal vai partir o pescoço.» Depois, viu-o endireitar o corpo e, sem abrandar a corrida, caminhar com o pescoço atirado para trás como se viesse assustado por algo que deixara para trás.»
 
 
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 44

segunda-feira, 28 de março de 2011

« - Esta aldeia está cheia de ecos. Parece que estão fechados no interior das paredes ou por baixo das pedras. Quando andas, sentes que vão pisando os teus passos. Ouves estalidos. Gargalhadas. Umas gargalhadas já muito velhas, como se estivessem cansadas de rir. E vozes já gastas pelo uso. Ouves tudo isso. Penso que chegará o dia em que estes sons se apagarão.»
 
 
 
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 57

sábado, 26 de março de 2011

«-Mataram o teu pai.
  -E a ti, mãe, quem te matou?»
 
 
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 40

No dia em que partiste percebi que não voltaria a ver-te.

«No dia em que partiste percebi que não voltaria a ver-te. Ias tingida de vermelho pelo sol da tarde, pelo crepúsculo ensanguentado do céu. Sorrias. Deixavas para trás uma aldeia da qual muitas vezes me disseste: ''Amo-a por tua causa; mas odeio-a por todas as outras coisas, até por ter cá nascido.'' Pensei: ''Jamais regressará; nunca voltará.''
 
 
 
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 36
«..Não sentir outro sabor para além da flor das laranjeiras na calidez do tempo.»
 
 
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 35
«...Planícies verdes. Ver subir e descer o horizonte com o vento que agita as espigas, o eriçar da tarde com uma chuva de triplas ondulações. A cor da terra, o cheiro da alfafa e do pão. Uma aldeia que cheira a mel derramado...»
 
 
 
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 34
«-...O sujeito de que estou a falar trabalhava como «amansador» na Meia-Lua; dizia chamar-se Inocencio Osorio. Embora todos o conhecêssemos pela alcunha de Saltarico por ser muito leve e ágil a saltar. O meu compadre Pedro dizia que estava talhado para amansar potros; mas a verdade é que ele tinha outro ofício: o de «provocador». Era provocador de sonhos. Era isso que ele era verdadeiramente. E enredou a tua mãe tal como fazia com muitas. Entre outras, eu. Uma vez, senti-me doente e ele apresentou-se e disse-me: «Venho tomar-te o pulso para que te sintas melhor.» E tudo consistia nisto: começava a massajar-te, primeiro nas pontas dos dedos, depois esfregando as mãos; a seguir os braços, e acabava por meter-se entre as nossas pernas, a frio, pelo que aquilo, ao fim de algum tempo, começava a produzir calor. E, enquanto manobrava, falava-te do teu futuro. Entrava em transe, revirava os olhos fazendo invocações e amaldiçoando; enchendo-te de gafanhotos tal como os ciganos. Por vezes, ficava em pelota porque dizia ser esse o nosso desejo. E às vezes acertava; picava em tantos sítios que a algum tinha de ir dar.
    «A verdade é que o tal Osorio prognosticou à tua mãe, quando ela o foi ver, que ''nessa noite não devia deitar-se com nenhum homem porque a Lua estava bravia.''»
 
 
 
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 33

terça-feira, 8 de março de 2011

        « A chuva transformava-se em brisa. Ouviu: «O perdão dos pecados e a ressurreição da carne. Amén.» Isso era cá dentro, onde as mulheres rezavam o fim do rosário. Levantavam-se; fechavam-se os pássaros; trancavam a porta; apagavam a luz.
         Só permanecia a luz da noite, o ciciar da chuva como um murmúrio de grilos...
         -Porque é que não foste rezar o rosário? Estamos na novena pelo teu avô.
         Lá estava a sua mãe, na ombreira da porta, de vela na mão. A sua sombra, que se estendia até ao tecto, longa, desdobrada. E as vigas do tecto desenvolviam-se em pedaços, despedaçada.
          -Sinto-me triste - disse.
          Então, ela voltou-se. Apagou a chama da vela. Fechou a porta e abriu os seus soluços que continuaram a ouvir-se, confundindo-se com a chuva.
          O refúgio da igreja deu as horas, uma a seguir à outra, como se o tempo estivesse encolhido.»




Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 31
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