QUE MORREU VIOLADA
Ao Dórdio, curador de árvores
Foi de morte, foi de noite:
ávido vento venéreo
veio com cio no açoite
praticar estupro funéreo.
Alísio não. De alisado
nada tinha. De suão
isso sim porque abrasado
vinha e era vento machão.
Era uma faia menina,
ainda mal deitava busto.
Em botânica genuína
seria antes um arbusto.
Sua etérea ramaria
era vernal, sendo verão.
Tão novinha e já fazia
recuar a poluição.
Mas se chegara a frondosa,
a julgar pelo seu viço,
seria noticiosa
árvore do paraíso.
Eis que vendaval varão
vem do sul em turbulência
consumar violação
em tenrinha arborescência.
Em ásperos viciosos dedos
é a pureza desmanchada.
Dá a faia gritos verdes.
Quem a ouve na rajada?
Por vento violador
a beleza trespassada!
E mesmo antes de dar flor
foi a faia desflorada.
Suas tranças em pisado
folhedo desfeitas estão.
E foi-se o vento amainado
depois de tê-la no chão.
Ó que sinais de martírio
vão os varredores varrer!
Para árvore de Porfírio
estava ali ela a crescer.
Que esmaiado sentimento!
ver uma faia donzela
morrer violada pelo vento
em frente à minha janela.
Natália Correia. Antologia Poética. Organização, selecção e prefácio Fernando Pinto do Amaral. 4ª Edição. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2019., p. 216/7
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