domingo, 13 de dezembro de 2015

Peguei na caneta e pus-me a escrever para me acalmar, para criar.



« A minha cabeça estava cheia desta visão da ressurreição, uma ligeira febre, muito doce, inchava-me as pálpebras e o sangue batia-me violentamente nas têmporas. E como acontece quando sopra um vento forte e as nuvens se dispersam, se reagrupam, mudam de forma, se transformam em homens, animais e navios, também em mim, inclinado como estava diante do fogo, com todo o meu espírito soprando, sentia que a visão se desmembrava, se transformava e fazia surgir rostos de homens vestidos de paixão e de vento. E, dentro em pouco, esses rostos ir-se-iam tornar mais ténues, rarefazendo-se como o fumo na minha cabeça a não ser que viessem, tímidas e incertas a princípio, depois mais impetuosas e seguras, as palavras consolidando o que não conseguia consolidar-se. Compreendera. O vento fecundante que soprara no meu coração trouxera o seu fruto, um embrião se formara e agora esforçava-se para surgir à luz. Peguei na caneta e pus-me a escrever para me acalmar, para criar.»


Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 228

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