quinta-feira, 1 de janeiro de 2015


«Ele repousa, o morto, um
de tantos que nós,
que respiramos,
carregamos
sem disso darmos conta,
ele repousa
em qualquer cama
de qualquer quarto
desta ou de qualquer casa,
ele repousa
longo e frio,
só e frio,
grave e fino
como todos aqueles que,
tranquilos,
dos nossos olhares se retiraram
e de nós,
cautelosos,
se resguardam.

Ele repousa, o morto,
sob o selo de cera
da sua face morta,
talvez no mesmo leito
em que comigo me deito e,
sem conseguir dormir,
converso de mim para mim
nos meus lençóis de linho,
mortalhas
entre as quais
os amantes se abraçam,

(...)»



Almeida Faria. Vozes da Paixão. Teatro. Editorial Caminho, 1998, Lisboa., p. 168
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