«Entendemos, sem compreender, que ubornaia significa ida colectiva à retrete. Lá no alto, muito lá no alto, a lua redonda. A respiração esvoaçava diante dos nossos rostos, branca e cintilante como a neve debaixo dos nossos pés. A toda a volta, as pistolas automáticas prontas a disparar. E agora: calças abaixo.
Aquele constrangimento, o sentimento de vergonha do mundo inteiro. Como era bom que aquela terra nevada estivesse tão sozinha connosco, que ninguém olhava para ela, a ver como nos compelia a todos a fazer o mesmo, ao lado uns dos outros, colados. Eu não precisava de ir à retrete, mas deixei cair as calças e pus-me de cócoras. Como era cruel e silenciosa aquela terra nocturna. Como nos expunha ao ridículo nas necessidades. Como a Trudi Pelikan, à minha esquerda, a arrepanhar o casaco com feitio de sino até às axilas e a puxar para baixo as calças até aos tornozelos, assim como o silvar da enxurrada entre os sapatos. Como, atrás de mim, o advogado Paul Gast a gemer de tanta força, como o intestino da sua sr.ª Heidrun Gast a estalejar da diarreia. Como, cintilante, logo congelava a toda a volta o vapor morno e pestilento. Como esta terra nevada nos zurzia uma cura de mata-cavalo, nos abandonava solitários de rabo a reluzir, no meio dos ruídos do baixo-ventre. Como se tornavam lamentáveis as nossas entranhas naquela comunhão.»
Herta Müller. Tudo o que eu trago comigo. Traduzido do Alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, 1ª edição, 2010., p. 23