«Quando o ar sobre as túlipas é doce,
sou eu», disse Deus.
«Quando o peixe dourado
pede ao lago que se anime
para uma serenata,
sou eu.
Quando o vento do estio adormece sob as pedras
e explode no fundo das antigas torres
arrastando consigo a cabeça das estátuas,
sou eu.
Quando o verbo todo o poderoso
larga os seus lobos, que somam dez mil,
nos oásis, nas florestas, na escuma das vagas,
sou eu.
Quando a dúvida,
como escura ferrugem,
rói a estrela
até ao fim do esqueleto,
eu não sei
se sois vós
se sou eu, se é um outro deus.»
Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 30