quarta-feira, 22 de junho de 2011

Paisagem escarlate

   O cume. Aí está o ocaso todo empurpurado, ferido pelos seus próprios cristais, que lhe fazem sangue em toda a parte. Perante o seu esplendor, o pinhal verde exacerba-se, vagamente afogueado; e as ervas e as florzinhas, incendiadas e transparentes, embalsamam o instante sereno de uma essência molhada, penetrante e luminosa.
   Eu fico extasiado no crepúsculo. Platero, com os seus olhos negros, escarlates de ocaso, vai, manso, a um charco de águas carmesim, cor-de-rosa, violeta; mergulha suavemente a boca nos espelhos, que parece tornarem-se líquidos quando os toca; e há pela sua enorme garganta como que um passar profuso de sombrias águas de sangue.
   O lugar é conhecido, mas o momento transforma-o e fá-lo estranho, desolado e monumental. Dir-se-ia, a cada instante, que vamos descobrir um palácio abandonado...A tarde prolonga-se para além de si mesma, e a hora, contagiada de eternidade, é infinita, pacífica, insondável...
    -Vamos, Platero...


Juan Ramón Jiménez. Platero E Eu. Tradução de Luís Lima Barreto. Edições Cotovia, Lisboa, 2007, p. 34

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