quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

É com uma ironia melancólica, avô, que turvadas imagens me chegam aos olhos. Nunca estive tão cansada cá dentro, nunca houve dias em que me sentisse tão fora deste rio (mundo?). Sento-me nas margens, e olho os pássaros que rasgam pelos céus, escurecidos pelas nuvens de fria tempestade. Tenho-os visto, amiúde, sentindo-lhes a vertigem das asas, do voo sem fim (e, sem princípio?). Olho e escureço. E a solidão, passeia, como uivo, preso ao rasgo de um saia com flores primaveris, que sem querer, semeia o movimento de memórias e ruínas. Lembro-me daquele que tinha a palavra no espírito, mas acções tão cegas de afeição; e vejo, sim vejo, aqueloutro que entre arbustos diz esconder-se, mas é apenas caruma nos grandes adornos. Tanto peso do gelo sobre os ramos das árvores; tanto ouro e tantas máscaras ímpias, apenas me entristecem. Fixo o branco das flores de Chloé. Esse branco húmido na prisão onde acordei depois de pensar-me na morte. Foram talvez as lágrimas de sangue que mais me marcaram e, recordo-te, sempre que a madrugada me aleita a insónia. Tantas vezes peço, estremeço, por um eco teu e, entregue aos alguéns e ninguéns de mim mesma, procuro viver com o luto (aqueles que cá ficam presos à infinita espera). E é tudo uma ironia tão amarga!  Permanecer no mundo com a saudade da tua ausência.

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