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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

«Na primeira tarde, dos três galos jogados, Dionizio Pinzón só ergueu um vivo. Na segunda tarde, deu «capote» nas três lutas. Descansou um dia; para no quarto dia voltar à cercadura, onde ficou claro que os seus animais não serviam nem para galos de galinheiro pois todos ficaram pendurados no gancho onde é costume deixar que os galos mortos destilem a sua última gota de sangue.»
 
 
 
Juan Rulfo. O Galo de Ouro in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 334

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

«- Vivias morto de fome. Eu vou dizer-to. Sei avaliar as pessoas com uma simples vista de olhos. E tu és daqueles, perdoa-me que to diga, daqueles que evitam o trabalho duro...Não, Pinzón, tu és como eu. O trabalho não foi feito para nós, por isso procuramos uma profissão mais ligeirinha. E qual melhor do que esta jogatana, em que esperamos sentados que a sorte nos mantenha?»



Juan Rulfo. O Galo de Ouro in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 332

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Bernarda Cutiño

«A tal Bernarda Cutiño era uma cantadeira de fama corrida, de muito brio e que os tinha no sítio; tal como cantava era boa para alvoroços, embora não se deixasse manusear por ninguém, pois se alguém o tentava, era rude e de mau trato. Forte, bonita, expansiva e de génio inconstante, sabia, contudo entregar a sua amizade a quem lhe demonstrava ser seu amigo. Tinha uns olhos faiscantes, sempre humedecidos, e a voz rouca. O seu corpo era ágil, duro e quando erguia os braços os seios queriam rebentar o corpete. Usava sempre amplas saias de fino algodão estampado, de cores berrantes e cheias de folhos, que completava com um xaile de seda e flores nas tranças. (...)»



Juan Rulfo. O Galo de Ouro in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 329/330
« Enquanto aguardava o regresso do «padrinho», Dionisio Pinzón fixou-se nelas, sobretudo naquela que estava à sua frente e que tinha a certeza de conhecer. Foi-se aproximando até se colocar ao pé do estrado e olhou-a a seu gosto, enquanto ela lançava os versos da sua canção:

Ontem à noite sonhei que te amava,
como se ama uma vez na vida
despertei e tudo era mentira,
nem sequer me lembro de ti...

(...)

...Se te quis, não foi porque te quis,
se te amei, foi para passar o tempo,
aqui te mando o teu triste retrato
para nunca me lembrar de ti...»



Juan Rulfo. O Galo de Ouro in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 317
«O amarrador de Chihuahua recolheu o seu galo maltratado. Soprou-lhe o bico para o descongestionar e tentou que o animal se aguentasse nas patas. Mas ao ver que voltava a cair enroscado, como uma bola de penas, disse:
- Não há mais remédio senão liquidá-lo.
E já estava disposto a torcer-lhe o pescoço quando Dionisio Pinzón se atreveu a contê-lo:
- Não o mate - disse-lhe. - Pode curar-se e servirá, nem que seja para criação.
O de Chihuahua riu, trocista, e atirou o galo a Dionisio Pinzón como quem se desfaz de um trapo sujo. Dionisio alcançou-o, apanhando-o em pleno voo. Aconchegou-o nos seus braços com cuidado, quase com ternura e retirou-se com ele da cercadura.
Ao chegar a casa, fez um buraco debaixo da telha vã e, auxiliado pela mãe, enterrou ali o galo, deixando-lhe apenas a cabeça de fora.»
 
 
 
Juan Rulfo. O Galo de Ouro in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 310
« O galo branco revelou-se «franganote». Aceitou lutar ao ser acareado; porém, já solto na linha, perante as primeiras investidas do dourado, encolheu-se para um canto. E ali se ficou, a cabeça agachada e as asas murchas como se estivesse doente. Ainda assim, o galo dourado foi até onde o galo branco estava à procura da luta; as penas do pescoço levantadas e as patas a pisarem, maciças, a cada passo que dava à volta do galo cobarde. O «franganote» encolheu-se ainda mais na vala, reflectindo cobardia e, principalmente, tenções de fugir. Porém, ao ver-se cercado pelo galo de Chihuahua, deu um salto, tentando livrar-se das investidas do dourado e foi cair sobre o espinhaço cor de girassol do seu inimigo. Bateu com as asas com força para manter o equilíbrio e por fim conseguiu, ao querer libertar-se do enlace em que tinha caído, romper com a afiada navalha do seu esporão uma asa do dourado.
O fino galo de Chihuahua, manco, atacou sem misericórdia o «eriçado», que se retirava para o seu canto a cada investida; mas fazia uso do seu meio-voo ao sentir-se cercado. E assim, uma e outra vez, até que, não conseguindo resistir à sangria da sua ferida, o dourado cravou o bico, estendendo-se sobre o piso da cercadura sem que o branco fizesse a menor menção de o atacar.»



Juan Rulfo. O Galo de Ouro in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 309

domingo, 12 de dezembro de 2010

«(...) as razões da poesia não são sempre as mesmas da razão.»
 
 
 
Gabriel García Márquez in Juan Rulfo, Obra Reunida.  Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 14

As flores

 
«Há escritores que se servem delas pelo simples prestígio dos seus nomes, sem prestarem muita atenção ao facto de corresponderem, ou não, ao lugar e à estação do ano. De modo que não é raro encontrar bons livros onde florescem gerânios na praia e túlipas na neve. Em Pedro Páramo, onde é impossível estabelecer de uma forma definitiva onde está a linha de demarcação entre os mortos e os vivos, as exactidões são ainda mais quiméricas. Ninguém pode saber, na realidade, quanto duram os anos da morte.»
 
 
Gabriel García Márquez in Juan Rulfo, Obra Reunida.  Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 14
«Eu sempre pensei, por pura intuição poética, que quando Pedro Páramo conseguiu por fim levar Susana San Juan para o seu vasto reino da Meia-Lua, ela já era uma mulher de 62 anos. Pedro Páramo devia ser uns cinco anos mais velho do que ela. Na realidade, o drama parecia-me maior, mais terrível e bonito, se se precipitasse pelo precipício de uma paixão senil sem alívio


Gabriel García Márquez in Juan Rulfo, Obra Reunida.  Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 13
«Tive uma infância muito dura, muito difícil. Uma família que se desintegrou muito facilmente num lugar que foi totalmente destruído. Desde o meu pai e a minha mãe, inclusive todos os irmãos de meu pai foram assassinados. Vivi, portanto, numa zona devastada. Não apenas de devassidão humana, mas devassidão geográfica. Nunca encontrei até à data uma lógica que explique tudo isto. Não se pode atribuir à Revolução. Foi mais uma coisa atávica, uma coisa de destino, uma coisa ilógica. Até hoje ainda não encontrei um ponto de apoio que me mostre porque nesta minha família sucederam nessa forma, e tão sistematicamente, essa série de assassinatos e de crueldades.»

in Los muertos no tienen ni tiempo ni espacio, diálogo com Juan Rulfo
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