«no séc. XIX aparece toda uma educação do perigo, toda uma cultura
do perigo que é muito diferente dos grandes sonhos ou das grandes ameaças do
Apocalipse, como a peste, a morte ou a guerra de que se alimentava a imaginação
política e cosmológica da Idade Média e ainda do séc. XVII. Desaparecimento dos
cavaleiros do Apocalipse e, pelo contrário, aparecimento, emergência, invasão dos
perigos quotidianos, perigos quotidianos perpetuamente animados, reactualizados,
postos em circulação por aquilo a que se poderia chamar a cultura política do perigo
no século XIX, que apresenta uma série de aspectos. Temos, por exemplo, a campanha
de inícios do séc. XIX sobre as caixas económicas; a partir de meados do séc. XIX,
assiste-se ao aparecimento da literatura policial e do interesse jornalístico pelo crime;
surgem campanhas a propósito da doença e da higiene; vejam tudo o que se passa
também acerca da sexualidade e do receio da degenerescência; degenerescência do
indivíduo, da família, da raça, da espécie humana. Enfim, assiste-se em toda a parte a
este estímulo do medo do perigo, que, de certo modo, é a condição, o correlativo
psicológico e cultural interno do liberalismo. Não há liberalismo sem medo».
Foucault
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