«Posso confessar os meus erros; mas não os tornarei mais graves com a minha cobardia. Os meus raciocínios chocarão por vezes contra os guizos da loucura e contra a aparência séria do que não passa de grotesco (embora, segundo alguns filósofos, seja bastante difícil distinguir o bobo do melancólico, visto que a própria vida é um drama cómico ou uma comédia dramática); no entanto, cada um que apanhe moscas, ou mesmo rinocerontes, para descansar de tempos a tempos de um trabalho demasiadamente duro. Para matar moscas, aqui têm a maneira mais expedita, embora não seja a melhor: é esmagá-la entre os dois primeiros dedos da mão. A maior parte dos escritores que trataram a fundo deste assunto calcularam, com muita verosimilhança, que é preferível, em alguns casos, cortar-lhes a cabeça. Se alguém me censurar por eu falar de alfinetes, como de um assunto radicalmente frívolo, que note sem preconceitos que os grandes efeitos têm sido muitas vezes produzidos pelas mais pequenas causas. E, para não me afastar mais do quadro desta folha de papel, não se está mesmo a ver que o laborioso pedaço de literatura que estou compondo, desde o início desta estrofe, seria talvez menos apreciado se se apoiasse num espinhoso problema da química ou da patologia interna? De resto, há gostos para tudo; e quando comecei por comparar os pilares aos alfinetes com tanta propriedade (claro que não acreditava que viessem um dia censurar-me o facto), baseei-me nas leis da óptica, que estabeleceram que, quanto mais o raio visual está afastado de um objecto, mais diminuta a imagem se reflecte na retina.»
Conde de Lautréamont. Cantos de Maldoror. Trad. Pedro Tamem. Prefácio Jorge de Sena, 2ª edição, Moraes Editores,Lisboa, 1979, p. 153