domingo, 15 de dezembro de 2013

«Deve-se distinguir entre as imagens externas e internas, que nós tomamos por ilusões, podendo, no entanto, assumir por fim uma forma convincente. Nos desertos, a transição era conseguida através de flagelações. Em mim ela era involuntária, e tinha perdido desde há muito o apetite. Que vivemos num deserto para cuja extensão de monotonia a técnica contribui de forma crescente, é a minha convicção de há longa data. Convém referir que a imaginação é estimulada pela monotonia.
   À noite, depois de escrever no escritório da «Terrestra», ou melhor, ainda em casa, fechava os olhos e a imagem da folha com os seus carecteres aparecia ao meu olhar interior. Isso correspondia à experiência comum, a escrita não era mais legível, tinha antes um efeito ornamental.
     Contudo a mim surgiam-me frases legíveis e mesmo aquelas que não estavam de acordo com o meu texto - comunicações como se fossem ditadas pela escrita automática. Na sua maioria eram desagradáveis «Tens as mãos sujas» ou «Os cães chamam-te» e também «Pensa em Liegnitz» e «Não conheceste Bertha bem». Frequentemente não sabia se as ouvia ou se as lia.»


Ernst Jünger. O Problema de Aladino. Tradução de Ana Cristina Pontes. Edições Cotovia, Lisboa, 1989., p. 118
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