terça-feira, 19 de novembro de 2024
''nenhuma morte é tão longa quanto a vida''
José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 194
« O amor, ditam os frios de coração, é ruinoso
qualquer momento em chamas
denunciará a imprecisa inquietação que nos toma
Os inocentes que se amam dizem
teu corpo está a nevar
tua alma é uma flor
um prado tranquilo sua noite »
''um branco lunar''
José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 190
'' o amor é uma noite a que se chega só ''
José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 179
''como os dias nos pedem a dureza''
José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 162
segunda-feira, 18 de novembro de 2024
domingo, 17 de novembro de 2024
sexta-feira, 15 de novembro de 2024
ONO NO KOMACHI (834? – ?)
O meu desejo de ti
é forte para contê-lo –
assim ninguém vai culpar-me
se à noite for ter contigo
pela estrada de meus sonhos.
Não há como vê-lo
nesta noite sem luar –
estou deitada e desperta,
os seios ardendo em desejo
e o coração em chamas.
Pensei ter colhido
a flor do esquecimento [*]
só para mim mesma;
mas encontrei-a a crescer
também no coração dele.
[*] wasuregusa, a palavra japonesa do poema que significa “flor do esquecimento” é o equivalente inglês de “forget-me-not” ou do português “amor-perfeito” – a subtileza decorrente da duplicidade do sentido do poema consoante seja lido na sua literalidade de metáfora ou na significação do real, é um exemplo esplendoroso da beleza inspirada desta poesia onde a concisão se desdobra numa multiplicidade de emoções e sentimentos.
Escolho agora de ISUMI SHIKIBU (974? – 1034?) apenas alguns poemas de solidão e desejo, com uma que outra amarga reflexão, deixando de fora poemas onde a presença do efémero na natureza transmite, de forma singular, a vulnerabilidade do viver:
Se o cavalo dele
tivesse sido domado
pela minha mão –
eu tê-lo-ia ensinado
a não seguir mais ninguém.
Mesmo quando um rio
de lágrimas atravessa
e molha este corpo,
não chega para apagar
todo o fogo do amor.
Porque não terei
pensado nisto já antes?
Este corpo meu
ao recordar tanto o teu
tem a marca que deixaste.
Penso: “nos meus sonhos
poderemos encontra-nos” …
Virando a almofada,
eu ando às voltas na cama
incapaz de adormecer.
Consumi o corpo
a desejar o regresso
do que não voltou.
É agora um vale profundo
o que foi meu coração
Deixada aqui
a envelhecer no mundo
sem ti ao meu lado,
as flores perdem a beleza
tingidas de negra cor.
Os poemas encontram-se no livro O Japão no Feminino – I – Tanka poesia dos séculos IX a XI, publicado por Assírio & Alvim em 2007 com organização e versão portuguesa de Luísa Freire.
quarta-feira, 13 de novembro de 2024
O poder foi-se-te.
José Almada Negreiros. Teatro Escolhido. Deseja-se Mulher. Edição de Fernando Cabral Martins e Luís Manuel Gaspar. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2017., p. 147
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Sei que vai morrer de tristeza.
«Sei que vai morrer de tristeza. Hoje em dia chamam-lhe depressão, mas aqui sempre foi morrer de tristeza.»
Layla Martínez. Caruncho. Tradução Guilherme Pires. Antígona, 2024., p.109
''Que sofra em morto o que devia ter sofrido em vida.''
Layla Martínez. Caruncho. Tradução Guilherme Pires. Antígona, 2024., p 70
« Nós, as mulheres desta família, enviuvamos depressa. Os nossos homens consomem-se como os círios das igrejas, pouco tempo depois de nos termos casado tudo o que resta deles é uma nódoa nos lençóis que não sai mesmo que desfaçamos as mãos a esfregá-la.»
Layla Martínez. Caruncho. Tradução Guilherme Pires. Antígona, 2024., p.69''ouvia-se o murmurinho da sexta-feira das dores''
Layla Martínez. Caruncho. Tradução Guilherme Pires. Antígona, 2024., p 64
O Pedro não queria casar comigo, mas nunca mo disse.
«Casámo-nos de noite e sem convidados. Não houve convites, naquela desonra não havia nada para celebrar. A minha mãe costurou-me o vestido, negro por causa do luto e largo por conta da vergonha.»
Layla Martínez. Caruncho. Tradução Guilherme Pires. Antígona, 2024., p 57
domingo, 10 de novembro de 2024
Liberdade, a insuportável.
José Almada Negreiros. Teatro Escolhido. Deseja-se Mulher. Edição de Fernando Cabral Martins e Luís Manuel Gaspar. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2017., p. 144
qualquer palavra que me digas há-de doer
pelo menos mil anos
UMA VELA ACESA
sobrevém inesperado o temor:
um coração desce
à morada de outro coração
CALLE PRINCIPE, 25
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos
conservar
mas levamos anos
a esquecer alguém
que apenas nos olhou
FOGUEIRAS E GELOS
abraçava ramos de flores magras e azuis
sentimentos muito triviais
e por vezes a maior escuridão
Perseguia sem cessar certos gestos
que na paz
seriam seus
por amores que se perdem
A CASA ONDE ÀS VEZES REGRESSO
o coração
sábado, 9 de novembro de 2024
« Quando acabámos de comer lavei os pratos, apaguei as velas às santas porque nunca se deve deixar nada perigoso ao alcance de um santo e subi para o quarto. A velha já dormia com aqueles seus roncos semelhantes aos de um cão cansado. A minha roupa estava espalhada pelo chão do quarto, apanhei-a toda excepto a que via sair debaixo da cama porque quando caímos uma vez numa armadilha não é culpa nossa mas se caímos quatro ou cinco vezes sim, precisei de algum tempo para aprender isto mas agora já cumpro esta máxima.»
Layla Martínez. Caruncho. Tradução Guilherme Pires. Antígona, 2024., p.19«Na cozinha a velha tinha preparado a mesa. Sobre a toalha de plástico havia três pratos, três copos e três nacos de pão. Pus um prato para a tua mãe porque a sinto inquieta, disse a velha. Não me lembro da minha mãe. A minha avó mostrou-me as fotografias centenas de vezes, tira-as da caixa de bolachas onde as guarda sempre que a pena ou o rancor, que nesta casa são uma e a mesma coisa, lhe formam um nó na garganta.»
Layla Martínez. Caruncho. Tradução Guilherme Pires. Antígona, 2024., p.18''petiza em camisa de dormir cor-de-rosa''
Perdão é um sentimento. E tu mataste em mim todos os sentimentos para contigo, os bons e os maus.
O HOMEM - Perdão só vale nas contas pequenas, de pessoa a pessoa. Na grande conta, além das pessoas há também o destino, e o destino tem prazos improrrogáveis, irrecomeçáveis, onde os sentimentos não se gastam mas podem morrer em vida das pessoas. Perdão é um sentimento. E tu mataste em mim todos os sentimentos para contigo, os bons e os maus.»
« O que eu buscava e tu mo inspiraste não foram contas hereditárias que não se saldam, animais conflitos milenários que impedem fêmea e macho de serem mulher e homem. Fiquei logo isento de lutas de sexo. Tu, mulher, não reconheces o sentimento que tu mesma me inspiraste. Assombra-te o sentimento que em mim inspiraste. Tu que tinhas para o mundo uma altura que não sabes ter para a vida! Eu deixo-te passar e eu estou-te reconhecido, mulher. Tu deste-te e não te tive, mas deixaste-me inteiro o que eu buscava.»
José Almada Negreiros. Teatro Escolhido. Deseja-se Mulher. Edição de Fernando Cabral Martins e Luís Manuel Gaspar. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2017., p. 89« Só estás presente quando não te chamam. Estavas ausente quando eu me dava a ti. Escrevias números na Lua. Sim. Ausente. Estavas ausente quando me despedia de ti. Como um desconhecido, como um estranho, deixaste-me ir embora. Deixaste que eu te fugisse. Consentiste que eu te deixasse. Estavas ausente nos dois momentos mais decisivos da vida: quando eu me dava e quando eu te fugia. Deixa-me passar!»
José Almada Negreiros. Teatro Escolhido. Deseja-se Mulher. Edição de Fernando Cabral Martins e Luís Manuel Gaspar. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2017., p. 87/8Deixei-te livre. Sem sentimentos póstumos.
« Nunca te mandei fantasmas com recados que assustam. Deixei-te livre. Sem sentimentos póstumos.»
José Almada Negreiros. Teatro Escolhido. Deseja-se Mulher. Edição de Fernando Cabral Martins e Luís Manuel Gaspar. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2017., p. 87« ELE - Tu matas e não deixas morrer. Matar é ficar satisfeito. Tu queres que viva a tua ideia porque me matas. Tu queres morto o que não serviu a tua ideia. Ideia e o que não serviu ficaram emaranhados no teu caminho. Deixa morrer o que não serviu. Se fores capaz.»
ELA - (Mostrando-lhe as costas da mão esquerda.) Já não espero ninguém.»
José Almada Negreiros. Teatro Escolhido. Deseja-se Mulher. Edição de Fernando Cabral Martins e Luís Manuel Gaspar. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2017., p. 85«Em amor não há senão vassalos.»
José Almada Negreiros. Teatro Escolhido. Deseja-se Mulher. Edição de Fernando Cabral Martins e Luís Manuel Gaspar. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2017., p. 73
« ELE - Verás: serei vingado. A vingança será para sempre o teu novo amor. Quando vier não o destrinçarás do amor que mataste. Queres singular e encontrarás plural. Sempre meio vivo e meio morto, nada que satisfaça. Tu mesma capaste em tia a tua perfectibilidade. Castrada de amor, não de sexo. A ânsia de amor não morrerá em ti, e em ti o amor ficará sempre adiado.»
José Almada Negreiros. Teatro Escolhido. Deseja-se Mulher. Edição de Fernando Cabral Martins e Luís Manuel Gaspar. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2017., p. 72/3Como eu me dava no primeiro dia nunca foi igual depois.
«Como eu me dava no primeiro dia nunca foi igual depois. Deixas-me igual em sítio nenhum. Os nossos destinos não eram com o outro.»
José Almada Negreiros. Teatro Escolhido. Deseja-se Mulher. Edição de Fernando Cabral Martins e Luís Manuel Gaspar. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2017., p. 72
Um de nós morreu. Um de nós morreu para o outro. Escolhe: eu ou tu.
ELA - (Voz sereníssima.) Sentinela à vista.
ELE - Já sei. Acabou-se tudo. Mas espera.
ELA - Que mais há depois do fim?
ELE - Não sei qual seja a minha cobardia: se deva deixar-te, se deva matar-te!
ELA - É o único que ainda poderás de mim: matares-me. Precisamente o contrário do que de mim queiras. Querias-me para a vida. Para sempre: na vida e na morte. Ter-me-ás para sempre apenas na morte. Não era deste modo que também me querias na morte. É tudo quanto ainda podes de mim. E este final será tudo e o único que houve entre nós.
(A criada desce a escada e sai por onde veio a primeira vez. A mulher senta-se outra vez. Ele também.)
ELE - Um de nós morreu. Um de nós morreu para o outro.
Escolhe: eu ou tu. Se me matas, já estava morto para mim. É um estranho quem me mata. Um desconhecido. Um intruso. Um morto que me tira a vida.
(Pausa.)
ELA - Dois desconhecidos podem frente afrente ficar encontrados um primeiro dia. Nós não: mesmo frente a frente não há encontro possível.
ELE - Não há já encontro possível, nem comigo nem com ninguém. É a ti que a minha intransigência não deixará viver. Ficarás eternamente sozinha com todos, pública e in-ti-ma-men-te!
(Ela levanta-se bruscamente. Ele também.)
ELA - O que seja. O que for será. Se acaso passa por ti o meu destino, ponto final. A tua parte cumpriu-se. Como gente que sou, tenho direito a recusar acasos que não desejo.
(Dando passos atrás para se lhe dirigir melhor.)
ELA - Sou eu mesmo a surpreendida: primeiro desmaiei. Ignorava tanto da minha fragilidade. Foi-se-me a luz quando nada tinha que iluminar. E, ao despertar, o sangue corria à vontade por minhas veias e artérias.»
Por onde é que se sai deste inferno?
« A MULHER VESTIDA DE NOIVA - (Às companheiras.) Por onde é que se sai deste inferno? (As companheiras rodeiam-na e vão levando-a pelo fundo.)
cubro-me de flores aziagas de remorsos brandos
cubro-me de flores aziagas de remorsos brandos »
quarta-feira, 6 de novembro de 2024
Ahoo Daryaei | Iranian woman
Ahoo Daryaei is a young Iranian woman who protested by walking in public in Iran wearing only her bra and panties.[1] She displayed her defiance of compulsory hijab in front of Tehran's Islamic Azad University.[2] The university has confirmed her detention. She is currently (as of November 2024) in jail in the Islamic Republic.
Meditação do Duque de Gândia
Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.
Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
Nunca mais te darei o tempo puro
Que em dias demorados eu teci
Pois o tempo já não regressa a ti
E assim eu não regresso e não procuro
O deus que sem esperança te pedi.
sexta-feira, 1 de novembro de 2024
sábado, 26 de outubro de 2024
''Quando não se sabe fazer uma coisa ao natural, aprende-se a fazer com técnica.»
José Almada Negreiros. Teatro Escolhido. Deseja-se Mulher. Edição de Fernando Cabral Martins e Luís Manuel Gaspar. Assírio&Alvim. 1ª Edição, 2017., p. 65
ELE - Quem chamou o outro? O homem ou a mulher?
ELA - O acaso não traz nada de seu: encontra a cada um como está.
ELE - O homem e a mulher andavam acaso à procura um do outro?
ELA - A resposta vem no fim.
ELE - E começa por a mulher ter sorrido para ela mesma.
ELA - Por acaso sorri-me. Mas a história já tinha começado.
ELE - Para o homem a história começou no sorriso.
ELA - Estava atrasado.»
''altas fogueiras diziam a desolação''
José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 53