terça-feira, 21 de janeiro de 2025

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

''aguaceiro escuro''

 Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 165

«Ele herdara um mau coração. Em algum momento, esse coração iria matá-lo.»


Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 158

''Lividez post-mortem''

 Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 155

domingo, 19 de janeiro de 2025

David Lynch & Lykke Li - I'm Waiting Here

 « MARIA (rindo): Ora, Capitu, os homens são todos cágados lascivos, e espumante foi feito para desatar línguas.

CAPITU (rindo): Não que a minha precise.»

Maria Velho da Costa. Madame. Sociedade Portuguesa de Autores. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1999., p. 31

'' a usura da domesticidade''

Maria Velho da Costa. Madame. Sociedade Portuguesa de Autores. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1999., p. 29

«E agora esta presumida, tão reparadona que é (...) »

Maria Velho da Costa. Madame. Sociedade Portuguesa de Autores. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1999., p. 22


Photographer Brandán Gómez

 

 ''E adiar traz a desordem, o caos, o afogamento na ressaca imunda.''

Maria Velho da Costa. Madame. Sociedade Portuguesa de Autores. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1999., p. 22

''Meninice mais mofenta!''

 Maria Velho da Costa. Madame. Sociedade Portuguesa de Autores. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1999., p. 22

 « Isaura, a escrava Isaura, tão de levar e trazer, mais beata, carola e papa-missas que a dona que ma pôs lá a espiar.»

Maria Velho da Costa. Madame. Sociedade Portuguesa de Autores. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1999., p. 21

'' Sempre que procrastinei, me arrependi.''

 Maria Velho da Costa. Madame. Sociedade Portuguesa de Autores. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1999., p. 21

 «Catei os próprios vermes dos livros, para que me dissessem o que havia nos textos roídos por eles.»

Maria Velho da Costa. Madame. Sociedade Portuguesa de Autores. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1999., p. 17

''livros velhos, livros mortos, livros enterrados''

 Maria Velho da Costa. Madame. Sociedade Portuguesa de Autores. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1999., p. 17

Isabella Rossellini - Blue Velvet


Photographer Brandán Gómez

 

 «                                          passava os dias a escrever
cartas     numa esplanada de velhos na baixa     que o pai atirava
para o carvão em brasa     das sardinhas por assar    andava de bicicleta
descalço à chuva      e não consta que tivesse namorada      fugiu
um dia para o estrangeiro     que aquela terra  não dava nada      eu
queria ter ido com ele mas nunca tive coragem       guardei-lhe uma caixa
com as cinzas da infância       um momento dramático para iniciados
berlindes e fruta              numa situação descontrolada                       »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 62

tarola

''amordaçada pela neurose materna''

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 61

«                                                              tu pensas que vais foder
a coninha              mas quem te fode é ela            »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 60

ninfódromo

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 60

'' e envelhecer pardo à lareira''

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 58

David Lynch 'Are You Sure'

Une Femme est une Femme




 

''galinhas azuis a subir e a descer escadas''

 Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 57

lapalissada

«                                      um coração mais frágil
entre guerras »

 Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 54

sidoso

'' o passado dos nossos pais descalços''

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 53

''fascinados com o interior misterioso dos soutiens''

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 52

David Lynch - The Air Is On Fire

 


                         Daido Moriyama

marmoreado

«                                                    não faltavam especialistas       de
grande reputação na praça            a ensinar em horário nobre »

 Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 50

''ressaca de cravos''

 Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 50

sábado, 18 de janeiro de 2025

'' a fome é um líquido amargo na boca''

 Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 49

Book trailer - Clarice Lispector Todas as Crónicas

'' o próprio dia era uma tempestade de facas''

 Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 46

'' os ossos numa osteoporose de formigas ácidas''

 Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 46

«                                                      uma borboleta de asas
tristes    usada invisível à lapela         »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 44

'' a privacidade era num anúncio do jornal''

 Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 44

«                                                   pois do campo eu trazia apenas
umas febres medonhas    que me atiravam para a cama e para o 
delírio dias a fio    suando o ranço daquelas estevas   »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 44

«                                                                                                           havia
sempre um morto        um acamado     alguém que ia dar feno
ao gado e não voltava    havia sempre uma doença da vinha    uns
carapaus quase podres      que chegavam baços numa carrinha de
caixa aberta     »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 42

"EU NUNCA FUI LIVRE" | Clarice Lispector e Fernanda Montenegro

 Vale de Algoso,1980

In "Portugal era assim", Nuno Félix da Costa



« o heroísmo apenas mais uma forma de dizer     hoje levei na tromba
azar      e éramos imigrantes em todo o lado    sobretudo em casa
um país de empréstimo     a que regressava para comer e dormir
e assistir à barbárie conjugal        naquele cretáceo de costumes
impermeável à ideia de divórcio                ou de ser feliz         porra    »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 41

 «mas os meus amigos eram como eu     apenas decentemente normais
incapazes da ferocidade aleatória            que pautava as relações dos
machos    falávamos das miúdas   como falávamos da califórnia
sabíamos o que era    não como lá chegar    cada um de nós
secretamente convencido      de que morreria virgem     para 
uma autópsia revelar um dique de lágrimas                   »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 39

'' macheza indomada''

 Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 39

 «                                                                                  e de o
sexo se ter tornado uma coisa   permeável à palavra    ainda
sabíamos a hora pelo pulso    e o tempo pelo céu       e havia
grandes maquinações futuristas   para tirar todo o sal do mar
todo o minério da terra    toda a miséria da pobreza   e não
paravam de eclodir    que não mudavam quase nada
o mundo era um rizoma de varizes        já muito rebentadas   que
exportava postais de desgraça      »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 37-38

«         condenado a marrar com os cornos   na parede de
vidro do aquário   »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 37

O Patrão Dê-Me Um Cigarro

''um desastre nuclear por detrás da cortina de ferro''

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 37

bordoadas

''estava em estágio para o cemitério''

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 36

'' o cheiro a santinhos pré-fabricados''

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 36

e as bruxas eram sempre mulheres

 «                   a verdadeira causa das coisas    era muitas vezes
bruxedo        e as bruxas eram sempre mulheres                       que os homens
desse mundo      não pescavam nada    »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 33
 «           o meu primo morrendo insosso    numa cama velha
de hospital    ligado a uma máquina que lhe interpretava o coração a
soluçar            »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 32


Libuše Jarcovjáková

 

 «                                      não vá o outro 
ver quem realmente somos     no recanto pobríssimo das nossas
mais pequenas e pessoais tragédias            »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 27
 «                                  imaginei um inverno nuclear e 
a desgraça dos seus filhos monstruosos   »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 23
 «                          porque o medo foi a única coisa que me
deram a comer     à colherada em criança              »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 23

chavascal

 «                              agora não se 
pode nem ofender os ofensáveis  »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 18

 «                                         uma nódoa que
já não sai por muito que se pague e esfregue     »

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 14

 «                              tenho uma arca frigorífica

cheia de coelhos congelados   »


Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 14

 ''não há mar que chegue para afogar tanta gente esfomeada''

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 11


Fotografia Nuno Félix da Costa

 

 «  e os sonhos dos criptojovens    que na febre do desejo se limitam a 
ejacular um pó branco e triste   »


Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 10

 ''cheio de ossos na boca e flores nos olhos''

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 8

''céu de espuma''

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p.8

''o aguaceiro do luto''

Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p. 7

«                                                      não sei precisar quando
começou a acontecer     quando me tornei um homem avistável
mas sei que terá sido     entre os trinta e os quarenta anos  »


Valério Romão. Mais Uma Desilusão. Abysmo, Lisboa, 2024., p.5-6

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

 ''Falta-me o tempo para procurar o tempo perdido.''

Al Berto

"Já acreditei em amores perfeitos, já descobri que eles não existem. Já amei pessoas que me decepcionaram, já decepcionei pessoas que me amaram. Já passei horas em frente ao espelho tentando descobrir quem eu sou. Eu já menti e me arrependi. Já disse a verdade e também me arrependi."

Clarice Lispector

domingo, 12 de janeiro de 2025

que eu lustre

 « - Que queres tu dizer? Que estas lágrimas têm outro motivo, estas súplicas são fingidas? Que finjo tudo para te reter, para não te perder, ter outro homem, agora que estou abandonado?...»

Maria Velho da Costa. Madame. Sociedade Portuguesa de Autores. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1999., p. 16

 ''Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por que dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma.”

Clarice Lispector


É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo

''Meu Deus, como o mundo sempre foi vasto e como eu vou morrer um dia. E até morrer vou viver apenas momentos? Não, dai-me mais do que momentos. Não porque momentos sejam poucos, mas porque momentos raros matam de amor pela raridade. Será que eu vos amo, momentos? Responde, a vida que me mata aos poucos: eu vos amo, momentos? Sim? Ou não? Quero que os outros compreendam o que jamais entenderei. Quero que me deem isto: não a explicação, mas a compreensão. Será que vou ter que viver a vida inteira à espera de que o domingo passe? E ela, a faxineira, que mora na Raiz da Serra e acorda às quatro da madrugada para começar o trabalho da manhã na Zona Sul, de onde volta tarde para a Raiz da Serra, a tempo de dormir para acordar às quatro da manhã e começar o trabalho na Zona Sul, de onde. – Eu vou te dar o meu segredo mortal: viver não é uma arte. Mentiram os que disseram isso. Ah! existem feriados em que tudo se torna tão perigoso. Mas a máquina corre antes que meus dedos corram. A máquina escreve em mim. E eu não tenho segredos, senão exatamente os mortais. Apenas aqueles que me bastam para me fazer ser uma criatura com os meus olhos e um dia morrer. Que direi disso que agora me ocorreu? Pois ocorreu-me que tudo se paga – e que se paga tão caro a vida que até se morre. Passear pelos campos com uma criancinha-fantasma é estar de mãos dadas com o que se perdeu, e os campos ilimitados com sua beleza não ajudam: as mãos se prendem como garras que não querem se perder. Adiantaria matar a criancinha-fantasma e ficar livre? Mas o que fariam os grandes campos onde não se teve a previdência de plantar nenhuma flor senão a de um fantasminha cruel? Cruel por ser criancinha e exigente. Ah! sou realista demais: só ando com os meus fantasmas.''

— Clarice Lispector, no livro “A descoberta do mundo”. Rio de Janeiro: Rocco, 1999

terça-feira, 7 de janeiro de 2025


 

“A minha mãe escondia os sentimentos; talvez soubesse amar, não sei, mas não sabia nem dizê-lo nem mostrá-lo. Uma noite, eu fingia dormir, entrou sem fazer ruído. Acendeu a luz da mesinha de cabeceira e contemplou-me uns momentos. Teria gostado de abrir os olhos, deitar-lhe os braços ao pescoço, mas o amor é dar e receber, isso adivinhava sem que ninguém mo tivesse ensinado.”


Escritora Ilse Losa
― O Mundo Em Que Vivi

em ser casta egéria e também impura

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 259

em ser rosa-dos-ventos da ternura

 

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 259

Daido Moriyama

 

Wild Is The Wind

O tigre na estepe árida

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 248

 Sou dependente dos livros

sem eles posso morrer

perco-me de tão perdida se proibida de ler


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 244
 Eu insistindo 
em partir
e tu teimando em gostar


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 234

ardilosa

 Mas se o desejo crescesse
pela bainha do vidro?

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 233

com cheiro a tília e a lua

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 232

 Entre Alice e ser-se Alice
entre querer e recusar

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 232

If He Changed My Name



                                                              Libuše Jarcovjáková

dúctil

A MINHA SECRETÁRIA

 Tenho um ramo 
de nuvens
na minha secretária

(...)

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 227

INCANDESCÊNCIA

 Se respirar um pouco
mais 
                                     estilhaço-me


Se sentir um pouco
mais
                                     resplandeço


Se saio do aprisco
perco abrigo

Se ficar abrigada
perco apreço

Porque escrevo
no prazer
                                   eu incendeio-me

Quando exijo
paixão
                                  eu incandesço


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 226

GARDÉNIA

domingo, 5 de janeiro de 2025

 Exausto de si mesmo
e do excesso de sentir

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 212
 - Nós somos a queda
   entre o excesso
                           e o nada


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 206

baixando os olhos...

                                 a custo

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 203

I'm Not Everything I Want To Be | Libuše Jarcovjáková


 

Sabe curar poetas
esvaídos

Escuta as paixões
as dores seculares

Os ódios mortais
e os amores malditos


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 200
 Tinha paixões
que sempre rasurava

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 194

O lince da tua boca

 O lince da tua boca
deitado no meu poema
bebe o corpo dos meus versos
devora-lhe a alma acesa

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 190


Libuše Jarcovjáková


 

The Brian Jonestown Massacre - Never, Ever!

Perco-me no fim do mundo

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 184

 Desafio os teus poderes
alcandorados
no medo

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 182
 Te exorcizo lobo
negro
em noites de lua alta

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 182

dá-me tudo o que não arde

Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 178

 

senhor de baraço e cutelo
indivíduo que exerce a sua vontade sem restrição

 Depois há as jarras 

com rosas de silêncio


Os gemidos

nas camas


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 174
 « Descer é preciso até ao fundo
na busca das raízes da saliva
que na boca vão misturar tudo»


Maria Teresa HortaEu Sou a Minha Poesia. Antologia Pessoal. Publicações Dom Quixote, 2019., p. 171

Libuše Jarcovjáková


Photographer Brandán Gómez

Assistolia

''Assistolia é a ausência ou baixa frequência de atividade elétrica do coração, que pode levar à morte clínica.''

 atropina

adrenalina

epinefrina

amiodarona 

 «(...), quando sofremos a perda de alguém, também sofremos, para o melhor e o pior, a perda de nós mesmos. A perda daquilo que éramos. E que não somos mais. E que um dia não seremos de todo.»

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 152

 Time is the school in which we learn, / Time is the fire in which we burn.

«O tempo é a escola onde aprendemos, / O tempo é o fogo onde ardemos.»


Delmore Schwartz


                                     Delmore Schwartz, American poet and short story writer. 

The World Is a Wedding

Delmore Schwartz

Luto e Melancolia

 como « um apego ao objecto através de uma psicose alucinatória do desejo»

Freud

 «Um pequeno pássaro cairá do ramo, gelado e morto, sem nunca ter sentido pena de si mesmo.»

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 148

 Nunca vi um animal selvagem com pena de si mesmo, escreveu D.H.Lawrence

 17.

A dor da perda acaba por ser um lugar que nenhum de nós conhece até o alcançarmos. Antecipamos (sabemos) que alguém que nos é próximo pode morrer, mas não olhamos além dos poucos dias ou semanas que se seguem imediatamente à morte. Interpretamos erradamente a natureza desses poucos dias ou semanas. Podemos esperar , caso a morte seja súbita, um sentimento de choque. Mas não esperamos que esse choque seja eliminador, que desloque o corpo e a mente. Podemos esperar a prostração, ficar inconsoláveis, enlouquecidos pela perda. Não esperamos ficar literalmente loucos ou ser a «mulher calma» que acredita que o marido está prestes a regressar  dos mortos e que precisa dos seus sapatos.»


Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 145

 « Será que as mães tentam sempre impingir às filhas itinerárias que sonham para si mesmas?»

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 138

 «Lembro-me de dormir até depois do meio-dia, infeliz, (...)»

Joan Didion. O Ano do Pensamento Mágico. 5ª Edição. Tradução de Hugo Gonçalves. Editora Cultura, 2021. p. 138

Ma Rainey - "Jealous Hearted Blues" 1924



                    Tóquio, c. 1971 (Foto: Daido Moriyama/Daido Moriyama Photo Foundation)

 Homilia do cardeal Tolentino de Mendonça, na missa de corpo presente de Adília Lopes, na capela do Rato, 2 janeiro

Queridos irmãs e irmãos,
Talvez os nossos ouvidos já se tenham habituado, com estes dois mil anos de leitura, pois ouvimos esta página do Evangelho de São Lucas [capítulo 2] e consideramos que ela é normal, quer do ponto de vista narrativo, quer da escolha e construção das personagens ou do modo de apresentar a história. Talvez nos pareça que tudo está correto. E, contudo, este texto como que opera uma viragem brusca, uma rutura na forma de contar, isto é, na maneira de ver, de experimentar e de organizar o mundo.
O filólogo Erich Auerbach, comparando a tradição literária clássica com a tradição bíblica, sublinha que há uma diferença fundamental entre ambas, no sentido de que os textos bíblicos rompem com os cânones clássicos, escolhendo uma linha que hoje diríamos de secularização e de democratização da narrativa. O cânone clássico desenvolve-se fundamentalmente em torno a determinadas elites sociais. A existência dos homens e das mulheres representada na literatura clássica é aquela socialmente ou politicamente qualificada. Os desqualificados da história, aqueles que não têm vez nem voz no percurso do tempo, raramente aparecem como protagonistas. A tradição hebraica faz o contrário: encontramos como protagonistas, cantores e cantoras da história, personagens absolutamente improváveis. E que esta página do Evangelho adote para a narração o ponto de vista dos pastores – que eram anónimos e tidos como massa impura, gente que não contava para nada – constitui uma reviravolta. Narrar a história desse ponto de vista é uma revolução. Representa a emergência de um quadro de civilização novo. A audácia de ver as coisas ao contrário e antecipar um mundo completamente diferente.
A tradição bíblica fez isso. E os grandes criadores, ao longo da inteira história, fazem isso… Hoje já muitos ouvidos se habituaram ao modo de escrever de Adília Lopes. Mas a estranheza que se mantém é porque ela realiza uma deslocação, um gesto disruptivo: constrói o poema a partir de pontos de vista que, política ou culturalmente, temos como secundários, sem interesse, banais, impuros, absolutamente de descartar… Conta, por exemplo, uma casa a partir da osga que está na parede! Conta a história a partir da mulher a dias! Ou narra história a partir da mulher, do que as mulheres vivem, do que experimentam! Trata-se de uma grande transformação!
Aos poetas, o que é que nós devemos? Claro, a Língua deve-lhes tanto: tantos achados de linguagem, uma música que antes não se ouvia (e que Adília colheu e mostrou), uma dimensão de brincadeira e de emaravilhamento. Porém, dizermos que um poeta interessa à Literatura é uma coisa de fazer chorar as pedras… pois um poeta interessa à cidade. Como Adília afirmou, a minha poesia é política – toda a grande poesia é política. Adília Lopes interessa à cidade, é um manifesto exposto à cidade. Ela ajuda-nos a pensar, a ver. Se a poesia dela é tão desintegrada em relação ao sistema cultural vigente, é porque precisamente ela trabalhou outro modo de ver…
E fez isso à sua maneira, escolhendo como divisa o pouco de São Francisco de Assis – e, como ela explica no prefácio ao livro A Mulher-a-dias, do pouco, quis o pouco… Essa espécie de elogio da frugalidade, da sobriedade com que ela viveu sempre – sempre – é um manifesto, uma maneira de dizer o mundo com outra gramática, indicando paradigmas sociais muito diferentes…
Caminhamos para um futuro onde perceberemos, porventura melhor, a escassez dos modelos de expansão, de crescimento contínuo. O futuro dará mais valor à sobriedade. E considerará como profetas aqueles e aquelas que viveram assim, com essa austeridade, fazendo brilhar o pouco – e tornando-o um motivo de emaravilhamento e de condivisão.
Do convívio com Adília Lopes, há três coisas que guardo no coração – e penso que partilhadas por alguns dos que estão aqui presentes (os amigos, que eram a família que ela elegeu; e os leitores, que são e serão a sua família natural, por gerações):
Primeiro, a sua capacidade de contemplação. Adília Lopes era uma contemplativa – e com uma capacidade de deter-se sobre a realidade com uma inteligência, que era não só uma inteligência agudíssima, mas também uma inteligência de coração. Adília fazia-nos sentir que há um êxtase que nos é devido. Ela viveu de forma extática – e, quando se está no emaravilhamento, tudo é maravilha! Coisas que eram lixo para as outras pessoas, ela dizia: Não, isto é maravilha! Isto é louvor! É louvor! E, nesse sentido, Adília representa a poesia, porque canta! Ela é a mulher que canta!
Depois, um aspeto que a mim me tocava muito era a forma como ela procurava transformar a sua solidão. A solidão nunca foi para Adília uma forma de rutura com os outros. Ela sentia-se sempre em comunhão com os outros. Era essencialmente comunitária.
Ela normalmente comia sozinha, mas dizia que nunca comia sozinha, porque o ato de comer é sempre social – e Adília tinha uma intensa consciência disso. O ato de viver é sempre social; o ato de respirar é sempre social. Ela viveu essa ligação aos outros de uma forma absolutamente precisa, autêntica, consciente, voluntária – a ponto de dizer: eu sou uma obra dos outros e acreditar nisso…
E gostava de ser estimulada pelos outros, de amparar os outros, de receber e fazer circular o dom na forma extraordinária que era a sua. Insistia em transformar a solidão em comunhão, em fraternidade, em comunidade… mesmo quando não era fácil. Via-se como um ser comunitário e defendia sempre a comunidade. A sua preocupação com a democracia era concreta, interessava-se por coisas que para outros são descartáveis detalhes.
E a terceira coisa que recordo é a sua fé – que talvez seja uma dimensão misteriosa, mas muito presente na sua poesia, na mística do quotidiano que ela vivia… Quando ela dizia que era uma poetisa freira barroca, não é só porque era a San Juana de la Cruz portuguesa (ou não é só porque era uma beguina, e a sua casa era um béguinage do século XXI). Era porque assumia aquilo que o seu verso diz: Há milagres, não há só truques!
E ela sabia que não há só truques, há milagres! E essa fé era ajudava-a a subir a estrada… Aquilo que a fazia caminhar não era só o ar, era a certeza de que há milagres!
Dessa certeza hoje todos somos herdeiros. E por muitos anos (por muitos séculos, esperamos!), mulheres e homens como nós talvez se sintam, não apenas órfãos da Adília Lopes… mas também herdeiros da sua obra e do que ela viu. Do que ela viveu.
Quatro poemas
No final da celebração, o dramaturgo Miguel Castro Caldas leu quatro poemas de Adília Lopes, que se reproduzem a seguir. Todos estão incluídos em Dobra – Poesia Reunida (edição Assírio & Alvim).

Adília Lopes, poesia, Dobra
Deus é a nossa mulher-a-dias
Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a vida
porque achamos
que não presta
Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a fé
porque achamos
que é pirosa
O tempo é sagrado
O tempo
é sagrado
O tempo
é templo
Textos ensanguentados
Textos
ensanguentados
como feridas
Gralhas
ensanguentadas
Textos
gelados
como árvores
no Inverno
Textos
como árvores
cortadas
aos bocados
Textos
como lenha
Textos
como linho
Textos
brancos
como a noite
Textos
brancos
como a neve
Textos
sagrados
Textos
bifurcados
como ramos
Textos
unos
como troncos
Nota 4
Se tu amas por causa da beleza, então não me ames!
Ama o Sol que tem cabelos doirados!
Se tu amas por causa da juventude, então não me ames!
Ama a Primavera que fica nova todos os anos!
Se tu amas por causa dos tesouros, então não me ames!
Ama a Mulher do Mar: ela tem muitas pérolas claras!
Se tu amas por causa da inteligência, então não me ames!
Ama Isaac Newton: ele escreveu os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural!
Mas se tu amas por causa do amor, então sim, ama-me!
Ama-me sempre: amo-te para sempre!
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