sexta-feira, 28 de março de 2025

Numb - Portishead

Alice Rahon, as Photographed by Man Ray, 1933.

 




“You don't necessarily have to write to be a poet. Some people work in gas stations and they're poets. I don't call myself a poet, because I don't like the word. I'm a trapeze artist.”

Bob Dylan

 “Quero propor-lhe um abraço tão forte e duradouro que nos doa o corpo—porque é melhor que a carne sofra por amar do que a alma por sentir falta.”

Júlio Cortázar


"I have not taught painting because it cannot be taught. I have taught seeing. What I've taught was the philosophy of form, the philosophy of lines, the philosophy of colors."

Josef Albers

 Agora escrevo...

[...] Parecido com a vida, resumindo
Brutalmente a vida!
A chave dos sonhos, o segredo
Da felicidade, as mil e uma
Noites de solidão e medo,
A batata cozida do dia-a-dia,
O muscular fim de semana,
As sardinhas dormindo,
Decapitadas, no azeite,
O amor feito e desfeito
Como uma cama
E ao fundo – o mar…
Mas defendi-me e agora escrevo
Furiosamente, agora escrevo
Para alguém: [...]
Alexandre O'Neill, in Agora escrevo / No Reino da Dinamarca


'When you know something, you know it, and when you don’t, you’d better learn. And in the meantime, you should keep quiet, or at least speak only when what you say will advance the learning process.''

Roberto Bolaño

Saul Leiter Sunday Morning, 1947


 

“I happen to believe in the beauty of simple things. I believe that the most uninteresting thing can be very interesting.”

American artist Saul Leiter

Rodasse ou não a roda

 
Rodasse ou não a roda encabrestada 
Do que chamamos desvario atento 
Ao apenas lado lacrimal 
Da nossa história clínica passada 
Um par de hormonas celestiais cruzadas 
No interior do calafrio esse 
A palavra cortisona calculada 
Como te ouvira suspenso por um fio
 Último pássaro canto ou desafio? 


José Afonso (2022). Obra poética.  Lisboa: Relógio D’Água, p. 278

Canção de Outono


Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando àqueles
que não se levantarão…
Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
– a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão…

Cecília Meireles

Saul Leiter Barbara, 1951

 


Daughter - The Wild Youth 2011

''o mármore e a murta''

“A estátua de mármore custa muito a fazer, pela dureza e resistência da matéria; mas, depois de feita uma vez, não é necessário que lhe ponham mais a mão: sempre conserva e sustenta a mesma figura; a estátua de murta é mais fácil de formar, pela facilidade com que se dobram os ramos, mas é necessário andar sempre reformando e trabalhando nela, para que se conserve.”

 Padre António Vieira, Sermão do Espírito Santo.

 "Sou composta por urgências, minhas alegrias são intensas, minhas tristezas...'absolutas', me entupo de ausências, me esvazio de excessos, não caibo no estreito, só vivo nos extremos..."

Clarice Lispector
 No dia em que 
 vendeu a burra,  
regressou a pé 
 para o monte e  
acreditou que nunca 
mais voltaria à vila. 
Tinha oitenta anos
  e é essa a idade  
das decisões para  
toda a vida.


 José Luís Peixoto in “Cal”

quarta-feira, 26 de março de 2025

To Kill a Dead Man - Portishead

 



                                                  Marlon Brando Marilyn Monroe

terça-feira, 25 de março de 2025

domingo, 23 de março de 2025

volição

 Há em ti a fadiga de uma asa  muito tempo tensa.


Dulce Maria Loynaz. Jardim de Outono. Tradução de Manuel Alberto Vieira. Edição Flâneur

 ''O amor dá coragem e dá 
                              fraqueza.
É, e será sempre, um mistério.''

Camilo Castelo Branco

AIR - Suicide Underground

 


Marilyn Monroe and JFK

''O que eu habito é a minha vulnerabilidade''

 que idade tinhas
quando a primeira árvore 
te disse para subires?

Emanuel Jorge Botelho. Dizeres de Atalaia. Edição Averno

CANÇÃO

 Duas pombas pousadas num só galho,
Dois lírios gémeos a despontar,
Duas borboletas sobre uma flor:
Felizes os que podem contemplar.

Os que contemplam de mãos enlaçadas,
Afogueados p'lo rubor do Verão,
Os que os contemplam de mãos enlaçadas
E nunca a noite lhes traz aflição.

Christina Rossetti. O Mercado dos Duendes e Outros Poemas. Tradução Margarida Vale de Gato. Edições Relógio D'Água.
Centro Comercial I

"Agora a morte é diferente,
facilitaram-nos o desespero, a angústia
tem já ar condicionado. Em vez
dos bancos de jardim, por certo demasiado
rudes, temos enfim lugares amplos
onde apodrecer a miséria simples do corpo.
Que incalculável felicidade a de percorrer
galerias de nada tresandando a limpeza
e segurança. Aí se abandonam jovens
rebanhos sentados sorrindo ao
vazio palpável, ou ferozmente no meio
dele. Revezam-se - mas quase diríamos
que são os mesmos ainda, exaustos
de contentamento. Dêmos pois as boas-vindas a esses
heróis do betão consagrado. Só eles nos fazem
acreditar no advento do romantismo cibernético.
É doce a merda que nos sepulta
e o cancro que um dia destes nos matará
há-de ser muito limpo, quase ecológico".

Manuel de Freitas

domingo, 16 de março de 2025

Franz Ferdinand - Toxic (version)

Dá-me a tua mão



Dá-me a tua mão,
Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
- para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.

Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura 
Derradeira.

José Gomes Ferreira

“Nunca o amor foi breve quando deu fruto”

Sebastião da Gama

sexta-feira, 14 de março de 2025

A hora dos zorzais

“A hora dos zorzais*” é uma expressão que homenageia o movimento destas aves em direção ao reencontro, uns dos outros, quando o dia chega ao fim.

* O zorzal (Turdus pilaris) é uma ave da família dos Turdídeos
"Dá à tua tristeza todo o espaço e abrigo que é devido, pois se todos suportarem a sua tristeza com honestidade e coragem, a tristeza que agora enche o mundo diminuirá.” 

 Etty Hillesum

quinta-feira, 13 de março de 2025

 "Beneath the jasmine a stone
marks a buried treasure.
On the path, my father stands.
A beautiful, beautiful day.

The gray poplar blooms,
centifola blooms,
and milky grass,
and behind it, roses climb.

I have never been
more happy than then.
I have never been more
happy than then.

To return is impossible
and to talk about it, forbidden—
how it was filled with bliss,
that heavenly garden."

Arseni Tarkovski

In: "The Mirror" (Andrei Tarkovski)

Mulheres e Revolução


REVOLUÇÃO

"Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Eles foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram faltar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro urna cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas."

Maria Velho da Costa

parlapatório

quarta-feira, 12 de março de 2025

  «Escrever não é contar as lembranças, as viagens, os amores, os lutos, sonhos e fantasmas. Ninguém escreve com as suas neuroses. (…) A literatura só se afirma se descobre sob as aparentes pessoas a potência de um impessoal.» 

Deleuze

terça-feira, 11 de março de 2025

 


Martin Luther King flipping the middle finger

Here's Where the Story Ends

 EURÍDICE E ORFEU


1. A luz dos teus olhos devora tudo.

Ser visto é quase morrer.


Teixeira de Pascoaes, Verbo Escuro. Edição Assírio & Alvim

''Eu precisava urgentemente, todo dia, da beleza das frases, mas escrevia para encontrar um apoio para a miséria da vida e não porque queria fazer literatura.''

Herta Müller

segunda-feira, 10 de março de 2025

domingo, 9 de março de 2025

 « Sempre que estou profundamente triste e penso que vou morrer, ou tão nervosa que não consigo adormecer, ou apaixonada por alguém que não irei ver durante uma semana, colapso e digo a mim própria: «Vou tomar um banho quente.»

Sylvia PlathA Campânula de Vidro. Relógio D'Água. Tradução e Posfácio de Mário Avelar, 2016., p. 26

quinta-feira, 6 de março de 2025

Camille Claudel - Arte, paixão e loucura


 

O Homem dos Olhos Tortos (1918)

 A noite/2

Arranque-me, senhora, as roupas e as dúvidas. Dis-

pa-me, dispa-me.


Eduardo Galeano, in O livro dos abraços. Trad. Eric Nepomuceno. - 2ª edição. Porto Alegre L&PM, 2009

 «Os bens supérfluos tornam a vida supérflua.»

Pier Paolo Pasolini

quarta-feira, 5 de março de 2025

terça-feira, 4 de março de 2025

O VERBO E A MORTE




                          Edward Weston and Margrethe Mather 1922, by Imogen Cunningham

Both Sides Now

“Isto não é um país, é um sítio mal frequentado”

José Cardoso Pires

Os meus poemas são peregrinos
que se descalçam 
diante das palavras 


Anise Koltz
, Uma Morte Passageira, tradução de Regina Guimarães, edição Exclamação

Poema de Carnaval


Eu estava só naquela tarde e tu vieste
de dentro povoar-me de cidade o coração
prometido para o lugar
onde costumamos deixar as palavras
Tinham posto de novo fitas nas árvores
reuniram-se os corpos e as vozes
para todos juntos sentirem
pontualmente a alegria
E tu pousaste então ó meu pássaro naquele coração
cingido no meio da cidade


Ruy Belo, in "Obra Poética de Ruy Belo"
- Vol. 1, pág. 50 | Editorial Presença Lda., 1984



 Imogen Cunningham - Dream Walking

Retrato

 Cruel como os Assírios,
Lânguido como os Persas,
Entre estrelas e círios
Cristão só nas conversas.

Árabe no sossego,
Africano no ardor;
No corpo, Grego, Grego!
Homem seja onde for.

Romano na ambição,
Oriental no ardil,
Latino na paixão,
Europeu por subtil:

Homem sou, homem só
(Pascal: «nem anjo nem bruto»):
Cristãmente, do pó
Me levanto impoluto.


Vitorino Nemésio, Nem Toda a Noite a Vida, Edições Ática, 1952

E a loucura com asas do seu povo.



Terra


Quanto a palavra der, e nada mais.

(…)

Se o mar é fundo e ao fim deixa passar…

Uma antena da Europa a receber

A voz do longe que lhe quer falar…

(…)

Terra nua e tamanha

Que nela coube o Velho-Mundo e o Novo…

Que nela cabem Portugal e a Espanha

E a loucura com asas do seu povo.



Miguel Torga

Goldfrapp - Clowns


Sylvia Plath
with typewriter in Yorkshire, September 1956Photograph: Elinor Friedman Klein/Mortimer Rare Book Room, Smith College, Northampton, Massachusetts

 Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: certos.
Ter pressa é crer que a gente adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não: não tenho pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente onde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não onde penso.
Só me posso sentar onde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras.
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra
                                                                                       cousa,
E somos vadios do nosso corpo.


Alberto Caeiro/Fernando Pessoa

 ESTADOS FASCISTAS DA MENTE E A SUA CONDIÇÃO ADESIVA

''Por vezes é necessário tirar umas horas ao dia para meditar, olhar, contemplar. E é no cruzamento das circunstâncias com a vontade que o faço, lendo as pequenas e grandes tempestades da História da Literatura na forma como o vento incide e mexe nas ideias, incomodando uns, despenteando outros, empurrando alguns para o conforto doméstico. Com os séculos tudo se torna indiferente, a história repete-se, e a consciência acaba por fornecer, por si própria, a sua medida e objecto.
De há uns anos para cá desisti do Diogo Vaz Pinto, de ler os seus textos, pelo racional prático de ser difícil captar a qualidade do seu pensamento crítico que foi desmaiando para uma desproporção emocionalizada dos conflitos de consciência que o perturbam e desfiguram; também por ser misterioso aquilo que o move. A sua prosa passou de curiosa e estimulante, a confusa e ociosa, num obsessivo fervor persecutório às liberdades fundamentais de um colectivo, com recorrentes ataques identitários à alteridade, pluralidade e liberdade de expressão e pensamento. O autor desapareceu sob o manto do seu próprio arsenal, escancarando a traição a si mesmo, naquilo que o guiava e que, agora de luzes apagadas, o mantém ocupado no esforço de nos persuadir com o seu choro de agonia. O autor que dá pontapés na sua própria ferida, desorientou-se na sua dor, saboreando os extremos de uma fantasia higienizadora da literatura, onde há muito decaído, e na sua existência ventríloqua do ódio, se recusa a brincar sozinho, demandando que brinquemos à força, para que ele sinta existir. Mas o autor existe sozinho e, na esperança de se ver nascer, a sua existência vai diminuindo. Não é, pois, de admirar que as preocupações ofegantes o reservem de prosseguir a paranoica indagação de encontrar o primeiro e último poeta, que com a sua verdade lhe mostre o caminho para o rosto de Deus, a coisa-em-si, a arché, o uno, a mónada, o fenómeno, o númeno, o sagrado vento de Paracleto. Também não é surpreendente ao espírito de quem, conhecendo-lhe os temas, se questione que experiências e vivências terão a capacidade de arrancar ao seu real a categoria insofismável do sentido da vida, para que um dia o autor didacta, apagado nas suas próprias teorias e apertado na sua batina inteiramente branca com filetes violáceos, se canse de cavalgar bêbedo e zonzo, encimado na sua férula, num tempo onde vemos a retirada da humanidade às mãos da própria humanidade.
É que se nem a vida está no seu próprio lugar, a perturbação da sua vitalidade vem enunciada nos estados fascistas da mente.''

Raquel Nobre Guerra
 Os amantes 
fazem-se reféns
um do outro

andam às voltas 
como animais cativos
arrastando consigo
a sua armadilha

Anise Koltz. Uma Morte Passageira. Tradução Regina Guimarães. Edição Exclamação.

“Life’s a bitch, then you die”



“The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living” (1991)

“Black Sheep with Golden Horns” (2009)


Damien Hirst

“A Idade da Maturidade” (1898)

obra de Camille Claudel

''arquitetura intelectual''

PODERIA FALAR-TE DO AMOR, ESSA COISA

«Poderia falar-te do amor, essa coisa
cinzenta e tenebrosa que faz sorrir
as criancinhas - mas não,
prefiro falar-te dum campo com erva
verde, muita erva muito
verde e com árvores
azuis onde à noite vai morrer

o vento. (...)»

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 53

''As flores por vós assim trazidas irão ser sacrificadas.''

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 42

 Assim as lágrimas que aos nossos olhos aflorarem

                                                                                 feridas; 

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 42

 DOS GATOS BRANCOS QUE

   JAZEM MORTOS NA BERMA

               DO CAMINHO-DE-FERRO


1983

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019

É TÃO CURTA A VIDA, MEU AMOR

 é tão curta a vida, meu amor
e tão infinita a morte,

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 33

Under Stars

              e seios e braços e mãos e ventre e ancas

              e vulva e rabo e coxas e pés e sexo e tudo

                                                                             mas  tudo

                                                                                             BELO

No fim, virão os bichos

                                     lagartos

                                                     comer-nos!...

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 31
 Ama-me
Inflama-me este sofrer
Que provoca tão estranho prazer 

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 28

 Eu sou irmão da solidão

                  e com ela mantenho incestuosa relação.


Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 18
Em cada pedra
uma casa 
sonha existir

 Anise Koltz, UMA MORTE PASSAGEIRA, tradução de Regina Guimarães, edição Exclamação.

SANGUE NO ASFALTO

           Sangue no asfalto

Atravesso a azul noite da solidão
Envolto em ténues irradiações de pura emoção
Corpos desprendem gemidos mutilados
Em excêntricas posições espalhados
Pedaços de chapa vidros escacados
E um mundo de sensações medo horror
Fundem-se num sensual cheiro a morte e a dor

 
           Sangue no asfalto

Percorro ansioso os destroços no alcatrão
Abrasado em palpitações de pura paixão
Segurando um crânio já estilhaçado
No escuro de dois chorões agachado
Nutre-se de miolos o deus desnudado
Solto algumas imprecações contra o ladrão
E procuro outra azul noite - solidão

          Sangue no asfalto

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 17

Venus In Furs

EU AMEI-TE...

 Eu amei-te; mesmo agora devo confessar.
Algumas horas desse amor estão ainda a arder;
Mas não deixes que isso te faça sofrer,
Não quero que nada te possa inquietar.
O meu amor por ti era um amor desesperado,
Tímido, por vezes, e ciumento por fim.
Tão terna, tão sinceramente te amei,
Que peço a Deus que outro te ame assim.


Aleksandr Púshkin. QUAL É A MINHA OU A TUA LÍNGUA? Cem poemas de amor de outras línguas. Organização de Jorge Sousa Braga. Edição Assírio& Alvim


 
vem pousar-me 
nos olhos.

Aida.

Eugénio de Andrade, in matéria solar, edições Assírio & Alvim

 Teu rosto.

Uma tintura de fogo

Na planície dos dedos.


Hilda Hilst, excerto, in Cantares

 162.


       tenho trinta e nove anos
       a lua está quase cheia
       e sou ainda uma criança


Matsuo Bashô, in O Eremita Viajante. Joaquim M. Palma, Edições Assírio&Alvim

domingo, 2 de março de 2025

 REGRESSAREI

Eu regressarei ao poema como à pátria à casa
Como à antiga infância que perdi por descuido
Para buscar obstinada a substância de tudo
E gritar de paixão sob mil luzes acesas
Sophia de Mello Breyner Andresen
In “O Nome das Coisas”

 


Béla Tarr's The Turin Horse 20111



 "Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma."

Clarice Lispector . Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

 ''a forma como a gente fala da forma como a gente sofre, muda a forma como a gente sofre.''

Christian Dunker

Chinfrins

''Ninguém termina na ponta dos dedos.''

''altas flores venenosas''

Noite transfigurada

 «Bebo-te toda assim, bruta, como em sonhos
           e deixo-me levar/vagar por ti
           feito sonâmbulo»

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 16
(...)

«não sei o que seja esta coisa que me está a roer, a roer
se é saudade se é amor
        sei que rói e rói e me deixa a doer


Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 14

 «Longos anos de infelicidade levam o Homem à degradação, mais do que uma doença fatal.»

 Olga Tokarczuk. Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos. Tradução do polaco Teresa Fernandes Swiatkiewicz. Edição Cavalo de Ferro. 1ª Edição, 2019., p. 16

imprecações

 


Gina Pane

«(...), tive de me consolar a mim própria em pensamento.»

 Olga Tokarczuk. Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos. Tradução do polaco Teresa Fernandes Swiatkiewicz. Edição Cavalo de Ferro. 1ª Edição, 2019., p. 11

 «Todos seremos, um dia, nada mais do que apenas um corpo morto.»

Olga Tokarczuk. Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos. Tradução do polaco Teresa Fernandes Swiatkiewicz. Edição Cavalo de Ferro. 1ª Edição, 2019., p. 11

 « Se, naquela noite, tivesse consultado as Efemérides para saber o que se passava no céu, não teria mesmo ido para a cama. Mas, em vez disso, caí num sono profundo, com a ajuda de um chá de lúpulo, que acompanhei com dois comprimidos de valeriana. »

Olga Tokarczuk. Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos. Tradução do polaco Teresa Fernandes Swiatkiewicz. Edição Cavalo de Ferro. 1ª Edição, 2019., p. 5

 1.

E, AGORA, TENDE CUIDADO!


Certa vez, tendo escolhido um Caminho perigoso,
       um homem justo caminhou com Humildade
                                              pelo Vale da Morte.


Olga Tokarczuk. Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos. Tradução do polaco Teresa Fernandes Swiatkiewicz. Edição Cavalo de Ferro. 1ª Edição, 2019., p. 5

Todos são o outro e ninguém é o próprio.



Raquel Serejo Martins, VALSA A VAU, edição Poética Edições

''paixão enciclopédica''

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Cansaço

 


Last Tango in Paris | 1972
dir. Bernardo Bertolucci

''amarelo nicotina''

Sylvia PlathA Campânula de Vidro. Relógio D'Água. Tradução e Posfácio de Mário Avelar, 2016., p. 12

 « Ora, eu não conquistara absolutamente nada, nem tão-pouco me conquistara a mim própria.»

Sylvia Plath. A Campânula de Vidro. Relógio D'Água. Tradução e Posfácio de Mário Avelar, 2016., p. 10

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

“I could not live in any of the worlds offered to me — the world of my parents, the world of war, the world of politics. I had to create a world of my own, like a climate, a country, an atmosphere in which I could breathe, reign, and recreate myself when destroyed by living. That, I believe, is the reason for every work of art. The artist is the only one who knows the world is a subjective creation, that there is a choice to be made, a selection of elements. It is a materialization, an incarnation of his inner world. Then he hopes to attract others into it, he hopes to impose this particular vision and share it with others. When the second stage is not reached, the brave artist continues nevertheless. The few moments of communion with the world are worth the pain, for it is a world for others, an inheritance for others, a gift to others, in the end. When you make a world tolerable for yourself, you make a world tolerable for others.”

Anaïs Nin


"Three films a day, three books a week and records of great music would be enough to make me happy to the day I die".

François Truffaut, BOTD in (1932).


Katia Berestova



«(...) O indivíduo pode vislumbrar numerosos objetivos pessoais, finalidades, esperanças, perspectivas, que lhe deem impulso para grandes esforços e elevadas atividades; mas, quando o elemento impessoal que o rodeia, quando o próprio tempo, não obstante toda a agitação exterior, carece de esperanças e perspectivas fundamentais e se lhe revela como desesperador, desorientado e falto de saída, e quando responde com um silêncio vazio à pergunta que de qualquer modo se faz, consciente ou inconscientemente, acerca do sentido supremo, ultrapessoal e absoluto, acerca de toda atividade e de todo esforço — então se tornará inevitável, justamente entre as naturezas mais retas, o efeito paralisador desse estado de coisas, e esse efeito será capaz de ir além do domínio da alma e da moral, e de afetar a própria parte física e orgânica do indivíduo.

Thomas Mann, no livro “A Montanha Mágica”

 nobody can save you but

yourself.
you will be put again and again
into nearly impossible
situations.
they will attempt again and again
through subterfuge, guise and
force
to make you submit, quit and /or die quietly
inside.
nobody can save you but
yourself
and it will be easy enough to fail
so very easily
but don’t, don’t, don’t.
just watch them.
listen to them.
do you want to be like that?
a faceless, mindless, heartless
being?
do you want to experience
death before death?
nobody can save you but
yourself
and you’re worth saving.
it’s a war not easily won
but if anything is worth winning then
this is it.
think about it.
think about saving your self.
your spiritual self.
your gut self.
your singing magical self and
your beautiful self.
save it.
don’t join the dead-in-spirit.
maintain your self
with humor and grace
and finally
if necessary
wager your self as you struggle,
damn the odds, damn
the price.
only you can save your
self.
do it! do it!
then you’ll know exactly what
I am talking about.

Charles Bukowski

 “I think of you, but no longer speak of it.”

Hiroshima mon amour, Twenty-Four Hour Love Affair, written by Marguerite Duras and directed by Alain Resnais in 1959

Rostislav Kostal


 

O analfabeto político


O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa
dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
o preço do feijão, do peixe, da farinha
do aluguel, do sapato e do remédio
depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil que da sua ignorância
nasce a prostituta, o menor abandonado,
o assaltante e o pior de todos os bandidos
que é o político vigarista, pilantra, corrupto
e lacaio dos exploradores do povo.
–– extraído de “O analfabeto político”, poema de Bertolt Brecht (1898-1956)

 “Believe me, if you’ve been shut up for a year and a half, it can get to be too much for you sometimes. But feelings can’t be ignored, no matter how unjust or ungrateful they seem. I long to ride a bike, dance, whistle, look at the world, feel young and know that I’m free, and yet I can’t let it show.”

Anne Frank in her diary December 24, 1943

 Segredo
Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

Maria Teresa Horta

 



Rostislav Košťál , 1943
 Não posso dar-te mais nada
O resto é o mesmo silêncio.
Ainda que a melancolia seja a flor de neve
derretida nos dedos
Ainda que os dedos sejam coroa de vento
atirada do alto da montanha.
Beijo-lhe o rosto e os veios que são veias
Para atravessar a última Alegria.
A indiferença de tudo
É a flor mais voraz
É em nós que deus mora ou se ausenta
Para dizer ao coração que a pedra
É o lugar onde começa o mar.

Maria Sarmento

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

 "Há um tipo de tristeza que vem de saber demais, de ver o mundo como ele realmente é. É a tristeza de entender que a vida não é uma grande aventura, mas uma série de pequenos momentos insignificantes, que o amor não é um conto de fadas, mas uma emoção frágil e passageira, que a felicidade não é um estado permanente, mas um vislumbre raro e fugaz de algo que nunca poderemos segurar em cima. E nesse entendimento, há uma profunda solidão, um sentimento de ser separado do mundo, das outras pessoas, de si mesmo. "

Virgínia Woolf
Powered By Blogger