«Como eles
são principalmente geômetras, é a geometria que os divide em política. Uns entendem que a
aranha deve fazer as teias com fios rectos, é o partido rectilíneo; - outros pensam, ao
contrário, que as teias devem ser trabalhadas com fios curvos, - é o partido curvilíneo. Há
ainda um terceiro partido, misto e central, com este postulado: - as teias devem ser urdidas
de fios rectos e fios curvos; é o partido recto-curvilíneo; e finalmente, uma quarta divisão
política, o partido anti-recto-curvilíneo, que fez tábua rasa de todos os princípios litigantes, e
propõe o uso de umas teias urdidas de ar, obra transparente e leve, em que não há linhas de
espécie alguma. Como a geometria apenas poderia dividi-los, sem chegar a apaixoná-los,
adoptaram uma simbólica. Para uns, a linha recta exprime os bons sentimentos, a justiça, a
probidade, a inteireza, a constância, etc., ao passo que os sentimentos ruins ou inferiores,
como a bajulação, a fraude, a deslealdade, a perfídia, são perfeitamente curvos. Os
adversários respondem que não, que a linha curva é a da virtude e do saber, porque é a
expressão da modéstia e da humildade; ao contrário, a ignorância, a presunção, a toleima, a
parlapatice, são rectas, duramente rectas. O terceiro partido, menos anguloso, menos
exclusivista, desbastou a exageração de uns e outros, combinou os contrastes, e proclamou
a simultaneidade das linhas como a exacta cópia do mundo físico e moral. O quarto limita-se
a negar tudo.»
A Sereníssima República, de Machado de Assis
Fonte: ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro : Nova Aguilar 1994. v. II.
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