adjectivo
1. contrário à equidade; injusto
2. perverso; mau
(Do latim iniqŭu-, «idem»)
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Porque as mulheres na solidão emurchecem
«Porque as mulheres na solidão emurchecem; os seios começam a pender-lhes, sobre o lábio cresce-lhes o buço e, de noite, ao adormecerem, sentem frio.»
Nikos Kazantzaki. Os irmãos inimigos. Tradução de Celeste Costa. Editorial Estúdios Cor, Lisboa., p. 10
Nikos Kazantzaki. Os irmãos inimigos. Tradução de Celeste Costa. Editorial Estúdios Cor, Lisboa., p. 10
Os seus corpos
«Os seus corpos, as suas almas tinham tomado a cor e a dureza das pedras, que parecia terem-se tornado uma parte deles mesmos; juntos suportavam a chuva, a canícula, a neve, como se tudo fossem homens, como se tudo fossem pedras. Quando um homem e uma mulher se isolavam dos outros, o padre vinha e os casava, não tinham palavras ternas para dizer, nem as conheciam; mudos, uniam os seus corpos sob a manta de rude lã e só pensavam numa coisa: gerar filhos, para lhes transmitirem essas pedras, essas montanhas, e a fome.»
Nikos Kazantzaki. Os irmãos inimigos. Tradução de Celeste Costa. Editorial Estúdios Cor, Lisboa., p. 10
TORRES
(Tranquilamente, para Cláudia)
Se há coisas que eu aprecie, é o espírito, a ironia subtil, o humor intelectual.
CLÁUDIA
(Compreendendo)
Eu também, mas não tenho muitas oportunidades. Talvez o defeito seja meu, não alcanço...
José Saramago. A Noite. Editorial Caminho. Colecção ''O Campo da Palavra''. Lisboa, 1979., p.28/9
TORRES
«É, o homem escreve mal, mas, também, em troca do nada que lhe pagam, não tem obrigação de escrever melhor. A mim, o que me espanta não é o que os correspondentes da província escrevam quase todos mal, é a santíssima e inesgotável paciência que têm. Mandam vinte notícias, publica-se uma. Escrevem cem linhas, reduzimos a dez. Ou são masoquistas, ou têm vocação de mártires. Mas olhe que, quanto a escrever mal, não falta por aí quem escreva tão mal ou pior do que eles, e com muito maiores responsabilidades.»
José Saramago. A Noite. Editorial Caminho. Colecção ''O Campo da Palavra''. Lisboa, 1979., p.19
terça-feira, 25 de outubro de 2011
« 36 - Ao fim e ao cabo, a podridão é que se encontra em último termo de tudo o que é material: da água, do pó, das ossadas, no remate duma infecção; ou por outra: o mármore que é? - uma crosta mais dura da terra; e o oiro?, e o dinheiro? - sedimentos vis; os vestidos - pelame de cabras; a púrpura - um pouco de sangue, e o resto pelo teor. O ar que respiras é coisa pelo estilo e cabe bem nessas categorias.»
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 118
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
domingo, 23 de outubro de 2011
«(...) Não te queixes de pessoa alguma. Se és capaz, corrige-a; se és incapaz de o fazer, corrige ao menos o que ela fez; se até disto fores incapaz, de que serve lamentares-te? Não faças nada ao acaso.»
Livro VIII
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 97/98
Livro VIII
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 97/98
« 16 - Lembra-te que mudar de opinião, seguir quem te ponha no bom caminho, é por igual fazer acto de liberdade, que é actividade própria tua, pois se desenvolve até ao fim a partir de um primeiro movimento e de um juízo que são teus, por aí em conformidade com a inteligência que tens.»
Livro VIII
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 97
DOR
« 64 - Toda a vez que a dor te bater à porta, lembra-te disto: não é vergonha nenhuma, a dor não lesa a inteligência que me governa; a dor não a corrompe na sua dimensão racional, nem na sua dimensão social.
Além disso, nas maiores dores, auxilie-te esta máxima de Epicuro: «A dor não é intolerável nem eterna se te lembrares dos seus limites e vires que para lá dos limites nada existe.» Lembra-te ainda que muitas coisas que nos enojam são, sem o parecer, verdadeiras dores, por exemplo a sonolência, o excesso de calor, a falta de apetite. Portanto, se algum destes achaques te apoquenta, diz para contigo: é a dor que me vence.»
Livro VII
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 91
HERMODORO
«Para quê esse optimismo? O império agonizante oferece aos bárbaros uma presa fácil. As cidades que o génio helénico e a paciência latina edificaram serão em breve tumultuadas por selvagens bêbedos. Na terra não haverá mais filosofia nem arte. As imagens dos deuses serão destruídas nos templos e nas almas. Será a noite do espírito e a morte do mundo.»
Anatole France. Thaïs.
Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p.
113
hipogeu
adjetivo
[feminino:
hipogeia]
situado abaixo da superfície da terra |
nome masculino
1. | HISTÓRIA escavação subterrânea onde os Egípcios depositavam os seus mortos, cripta |
2. |
(Do grego hypógeion, «subterrâneo», pelo latim
hypogaeu-, «hipogeu; sepultura»)
''Quero ignorar e sofrer contigo''
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos
Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 108
por mim mesmo não sou senão fraqueza e perturbação
« - Escuta - pediu-lhe - não entrei só na tua casa. Um outro me acompanhava, um Outro que aqui está de pé ao meu lado. A este não o podes ver, porque a tua vista é ainda indigna de o contemplar. Mas bem cedo o verás no seu maravilhoso esplendor e dirás: ''Só ele merece o amor!'' Ainda agora, se não houvesse pousado a sua doce mão sobre os meus olhos, ó Thaïs, eu teria talvez caído contigo no pecado, porque por mim mesmo não sou senão fraqueza e perturbação.»
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 92
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
opróbrio
nome masculino
1. | afronta vergonhosa, injúria |
2. | vexame, vergonha |
3. | desonra |
4. | abjeção, ignomínia |
5. | desprezo |
(Do latim opprobrĭu-, «idem»)
Prometo-te mais do que uma embriaguez florida
«Palavras fingidas. Mas o monge, animado de piedoso zelo, as proferia com um ardor sincero. Entretanto, Thaïs já olhava sem constrangimento aquele estranho ser que lhe causara medo. Paphnucio maravilhava-a, pelo aspecto rude e selvagem, pelo fulgor melancólico que inundava os seus olhos. Sentia-se curiosa da condição e da existência de um homem tão diferente de todos os que conhecia. Respondeu zombando docemente:
-Pareces muito precipitado na admiração, estrangeiro. Acautela-te, para que os meus olhares não te devorem até aos ossos. Livra-te de me amar!
Ele disse:
- Amo-te, ó Thaïs! Amo-te mais do que à minha vida e mais do que a mim mesmo. Deixei por ti o meu pobre deserto. Por ti, os meus lábios, votados ao silêncio, proferiram palavras profanas. Por ti, vi o que não devia ver e ouvi o que me era proibido ouvir. Por ti, a minha alma se perturbou, o meu coração se abriu, e dele jorraram ideias como as cascatas onde bebem as pombas. Por ti, caminhei dia e noite através de areias fervilhantes de insectos e de vampiros. Por ti, com os pés nus, pisei as víboras e os escorpiões. Sim, eu te amo! Mas não com o amor desses homens incendidos do desejo da carne, que te procuram como lobos esfomeados ou touros em fúria. Eles te querem como o leão quer a gazela. Carniceiros do amor, devoram-te até à alma, ó mulher! Eu porém te amo em espírito e em verdade: amo-te em Deus e pelos séculos dos séculos. O que tenho por ti no peito chama-se desvelo justo e caridade divina. Prometo-te mais do que uma embriaguez florida e mais do que ilusões de uma noite fugaz: prometo-te os santos banquetes e as núpcias do céu. A felicidade que te ofereço não acabará jamais: é inaudita. Inefável. E tal que, se os venturosos deste mundo pudessem entrever apenas uma sombra sua, logo morreriam deslumbrados. »
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 84
«Thaïs amava Lollius, com todos os furores da imaginação e todas as surpresas da inocência. Dizia-lhe, em plena verdade do seu coração:
- Nunca fui senão tua.
Lollius respondia:
- Tu não pareces nenhuma outra mulher.
O idílio durou seis meses, e se desfez um dia.
De repente, Thaïs sentiu-se vazia e só. Não reconhecia mais Lollius. Pensava:
''Que me teria transformado assim, num instante? Porque será que ele agora se parece com todos os outros homens, e não se parece consigo mesmo?''
Abandonou-o, não sem um secreto desejo de procurá-lo em algum outro, desde que não o encontrava mais nele próprio. Pensou também que viver com um homem a quem jamais houvesse amado seria bem menos triste do que viver com um homem a quem já não amava.»
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 73
Thaïs fugia de Lollius
«Entretanto, presa de inquietação e de medo, Thaïs fugia de Lollius, mas sem cessar o via dentro de si mesma. Sofria e não sabia de quê. Perguntava-se porque havia mudado tanto, e de onde vinha a sua melancolia. Repeliu todos os amantes; causavam-lhe terror. Não queria mais ver a luz e deixava-se ficar o dia inteiro no leito, soluçando, cabeça escondida nos coxins. Lollius, tendo aprendido a penetrar no quarto, ia suplicar e maldizer aquela menina cruel. Thaïs resistia como se fosse uma virgem, e repetia:
- Não quero! Não quero!
Depois, quinze dias passados, entregou-se a ele e conheceu que o amava. Acompanhou-o à sua casa e não o deixou mais. Foi uma vida deliciosa. Levavam o dia inteiro isolados, olhos nos olhos, dizendo-se mutuamente cousas que só se dizem às crianças. À tarde, passeavam nas margens desertas do Oronte e perdiam-se nos braços de loureiros. Às vezes erguiam-se pela madrugada para colher jacintos nas encostas do Silpicus. Bebiam na mesma taça e, quando ela levava à boca um bago de uva, ele, com os dentes, tirava-o de entre os seus lábios.»
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 72/3
« - Que eu não seja, Thaïs, a coroa que engrinalda a tua cabeleira, o manto que cinge o teu corpo encantador, a sandália do teu pé gentil! Mas desejo que me pises aos pés como uma sandália, e que as minhas carícias sejam o teu manto e a tua coroa. Vem, linda menina, vem à minha casa, e esqueçamos o universo.»
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 71
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Thaïs perguntava:
« - Pai, porque cantas os anjos pousados no túmulo?»
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 57
« - Mãe, não te exponhas às humilhações do vencedor. Não consintas que, arrancando-te de mim, ele te arraste indignamente. Antes, mãe querida, estende-me essa mão enrugada e chega aos meus lábios as tuas faces exaustas.»
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 52
mirto
«Depois de desgraçar o inocente que perseguia com um amor incestuoso, Phedra, tu o sabes, morreu miseravelmente: recolheu-se ao quarto nupcial e, com o seu cinto de oiro, enforcou-se numa cavilha de marfim. Os deuses quiseram que o mirto, testemunha de tão cruel miséria, continuasse a trazer, nas suas folhas renovadas, picadas de agulhas.»
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 47
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
domingo, 16 de outubro de 2011
''Que homem é este, que não teme o sofrimento?'
« - Fora daqui, mendigo vil! - bramou o porteiro furioso.
E ergueu o bastão sobre o santo homem que, cruzando os braços, recebeu impassível o golpe em pleno rosto, e repetiu docemente:
- Faz o que te pedi, meu filho, eu te suplico.
Então o criado, todo trémulo, murmurou:
''Que homem é este, que não teme o sofrimento?''»
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 33
Desviei do teu amor o meu coração, Alexandria.
«Eis aí, pois, - monologou - a estância deliciosa em que nasci no pecado, o ar brilhante em que respirei venenosos perfumes, o voluptuoso mar onde escutei o canto das Sereias! Eis o meu berço carnal, minha pátria mundana! Berço florido, pátria ilustre, segundo o julgamento dos homens! É natural que os que nascem de ti Alexandria, te amem filialmente, eu fui gerado no teu seio magnificamente ornamentado. Mas o asceta despreza a natureza, o místico desdenha das exterioridades, o cristão olha a pátria humana como um lugar de exílio, o monge transcende da terra. Desviei do teu amor o meu coração, Alexandria. Odeio-te! Odeio-te pela tua riqueza, pela tua ciência, pela tua doçura e pela tua beleza. Sê maldito, templo de demónios! Leito impudico de gentios, púlpito empestado de arianos, sê maldito! E tu, alado filho do céu, guia do santo eremita António, nosso pai, quando, vindo do deserto, penetrou nesta cidadela de idolatria dos mártires, belo anjo do Senhor, criança invisível, sopro inicial de Deus, voa diante de mim, e embalsama com a palpitação das tuas asas o corrompido ar que vou respirar entre os tenebrosos príncipes do século!»
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 30
«O homem é um destroço, um ser para sempre perdido nos abismos e nas ressonâncias de várias tempestades, interiores ou não, habitando numa invisível calma que nos embala, suspeita: o hábito, esse acampamento de ilusões. »
no Prefácio
Eugenio Montale. Poesia. Selecção, tradução, prefácio e notas de José Manuel de Vasconcelos. Assírio&Alvim, Lisboa, 2004., p.13
no Prefácio
Eugenio Montale. Poesia. Selecção, tradução, prefácio e notas de José Manuel de Vasconcelos. Assírio&Alvim, Lisboa, 2004., p.13
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
«(...) Agasalhas-te na tua ignorância como um cão fatigado que dorme na lama.
-Estrangeiro, é igualmente vão injuriar os cães e os filósofos. Desconhecemos o que são os cães e o que somos nós. Nada sabemos.»
- Ó velho! pertences então à seita ridícula dos céticos? És, pois um desses miseráveis loucos que negam o movimento e os repouso, e de nenhum modo sabem distinguir entre a luz do sol e as sombras da noite?»
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 23/4
Thaïs
«Não é ela, Senhor, o sopro da tua boca?»
(...)
«Todavia. quanto mais culpada, mais devo lamentá-la. Choro ao pensar que os demónios a atormentarão na eternidade.»
Anatole France. Thaïs. Tradução de Sodre Viana. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 2ª ed., p. 13
anacoreta
nome masculino
homem que vivia retirado nos desertos ou montes por desejo de perfeição |
(Do grego anakhoretés, «que vive retirado»,
pelo latim tardio anachorēta-, «anacoreta; solitário»)
terça-feira, 11 de outubro de 2011
XXXIII EMBRIAGA-TE
«Devemos andar sempre bêbedos. Tudo se resume nisto: é a única solução. Para não sentires o tremendo fardo do Tempo que te despedaça os ombros e te verga para a terra, deves embriagar-te sem cessar.
Mas com quê? Com vinho, com poesia ou com a virtude, a teu gosto. Mas embriaga-te.
E se alguma vez, nos degraus dum palácio, sobre as verdes ervas duma vala, na solidão morna do teu quarto, tu acordares com a embriaguez já atenuada ou desaparecida. pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo, o que se passou, a tudo o que gemeu, a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunta-lhe que horas são: « São horas de te embriagares! Para não seres como os escravos martirizados do Tempo, embriaga-te, embriaga-te sem cessar! Com vinho, com poesia, ou com a virtude, a teu gosto.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 105
As ilusões
«As ilusões - dizia o meu amigo - são talvez tão inumeráveis como as relações dos homens entre si, ou dos homens com as coisas. E quando a ilusão desparece, quer dizer, quando nós vemos o ser ou o facto tal como ele existe fora de nós, experimentamos um sentimento bizarro, complicado em metade pelas saudades do fantasma desaparecido, em metade pela surpresa agradável ante o novo, ante o facto real.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 92
domingo, 9 de outubro de 2011
«Voltei os olhos para os teus, minha bem-amada, para neles ler o meu pensamento; e mergulhei nos teus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos teus olhos verdes, habitados pelo capricho e inspirados pela Lua, quando tu disseste: «Essa gente é-me insuportável com os seus olhos abertos como portas de cocheiras! Não podias pedir ao chefe dos criados para os afastar daqui?»
Como é difícil o entendimento mútuo, meu querido anjo, e como o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas que se amam!»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 78
XXI AS TENTAÇÕES OU EROS, PLUTO E A GLÓRIA
«Dois soberbos Satãs e uma Diabinha, não menos extraordinária, subiram a noite passada a escada misteriosa por onde o Inferno dá assalto à fraqueza do homem que dorme, e comunica em segredo com ele. E vieram-se colocar gloriosamente diante de mim, de pé como sobre um estrado. Um esplendor sulfuroso emanava dessas três personagens, que assim tomavam relevo no fundo opaco da noite. Tinham um ar tão arrogante e tão cheio de importância, que eu a princípio tomei-os a todos por verdadeiros Deuses.
O rosto do primeiro Satã era dum sexo ambíguo, e tinha também, nas linhas do seu corpo, a moleza dos antigos Bacos. Os olhos lânguidos, duma cor tenebrosa e indecisa, faziam lembrar violetas ainda cobertas de pesadas lágrimas da tempestade, e os lábios entreabertos, turíbulos acesos donde se exalava o bom odor duma perfumaria; e cada vez que ele suspirava, insectos almiscarados iluminavam-se, volitando, no ardor do seu bafo.
Em volta da sua túnica de púrpura estava enrolada, à maneira de cinto, uma serpente cintilante que de cabeça erguida, languidamente voltava para ele os olhos em brasa. Duma tal cintura viva pendiam, alternando com garrafinhas cheias de sinistros licores, facas reluzentes e instrumentos de cirurgia. Na mão direita segurava outra garrafinnha cujo conteúdo era dum vermelho luminoso, e que tinha como etiqueta estas palavras bizarras: «Bebei, isto é o meu sangue, um perfeito cordial»; na esquerda, um violino que lhe servia sem dúvida para cantar os seus prazeres e as suas amarguras, e para espalhar o contágio da sua loucura nas noites de sabbat.
Nos chifres delicados estavam alguns anéis de uma cadeia de ouro partida, e quando o incómodo que daí lhe vinha o obrigava a baixar os olhos para o chão, contemplava com vaidade as unhas dos pés brilhantes e polidas como pedras bem trabalhadas.
Ele olhou-me com os seus olhos inconsolavelmente magoados, donde escorria uma insidiosa embriaguez, e disse-me com voz cantante: «Se tu quiseres, se tu quiseres, tonar-te-ei o senhor das almas, e serás dominador da matéria viva, mais ainda que o escultor o pode ser de argila; e conhecerás o prazer, sem cessar renovado de sair de ti próprio para esqueceres em outrem, e de atrair as outras almas até as confundires com a tua.»
E eu respondi-lhe: «Muito Obrigado! eu nada tenho que fazer dessa pacotilha de seres que, sem dúvida, não valem mais que o meu pobre eu. Ainda que eu tenha alguma vergonha de me lembrar, nada quero esquecer; e mesmo que eu não te conhecesse, meu velho monstro, a tua misteriosa cutelaria, as tuas garrafinhas equívocas, as cadeias em que os teus pés estão enredados, são símbolos que explicam assaz claramente os inconvenientes da tua amizade. Guarda os teus presentes.»
O segundo Satã não tinha nem aquele ar ao mesmo tempo trágico e sorridente, nem aquelas lindas maneiras insinuantes, nem aquela beleza delicada e perfumada. Era um homem vasto, com uma grande cara sem olhos, cujo pesado bandulho sobrepujava as coxas e cuja pele inteira estava dourada e ilustrada, como uma tatuagem, como uma multidão de figurinhas móveis representando as numerosas formas da miséria universal. Havia homenzinhos esguios que voluntariamente se suspendiam a um prego; havia gnomozinhos disformes, magros, cujos olhos suplicantes mais ainda pediam esmola do que as suas trémulas mãos; e depois, velhas mães trazendo abortos presos aos seios esgotados. E ainda muitas outras.
O enorme Satã golpeava com o punho o seu imenso ventre, donde saía um ruído prolongado e metálico, terminando num vago gemido feito de numerosas vozes humanas. E ele ria, mostrando sem pudor os dentes estragados, com um enorme riso imbecil, como certos homens de todas as nações quando jantaram bem de mais.
E este disse-me: « Eu posso dar-lhe aquilo que tudo obtém, que tudo vale, que tudo substitui!» E ele bebeu no ventre monstruoso, cujo eco sonoro fez o comentário da sua grosseira palavra.
Voltei-me com asco, e respondi: «Eu não tenho necessidade, para o meu gozo, da miséria de ninguém; eu não quero uma riqueza contristada, como um papel de forrar, por todas as desditas representadas na tua pele.»
Quanto à Diabinha, mentiria se não dissesse que, à primeira vista, lhe encontrei um estranho encanto. Para definir este encanto, a coisa alguma poderia compará-lo melhor do que ao encanto das mulheres muito belas já maduras, que no entanto não envelhecem mais, e cuja beleza conserva a magia penetrante das ruínas. Tinha um ar ao mesmo tempo imperioso e desengraçado, e os seus olhos, embora cansados, eram de energia fascinante. O que me impressionou mais foi o mistério da sua voz, em que encontrei a lembrança dos contralti mais deliciosos, e, também, um pouco o enrouquecimento das gargantas incessantemente lavadas pela aguardente.
«Queres conhecer o meu poder?» - disse a falsa deusa com a sua voz encantadora e paradoxal. «Escuta.»
E ela então emboca uma gigantesca trombeta, enfeitada, coma uma flauta de cana, com os títulos de todos os jornais do universo, e através dessa trombeta gritou o meu nome, que rolou assim através do espaço com o estrondo de cem mil trovões, e que voltou até mim repercutido pelo eco do mais longínquo planeta.
«Diabo!», disse eu, quase subjugado, «eis o que é preciso!» Mas examinando com mais atenção a sedutora virago, pareceu-me que a reconhecia vagamente por a ter visto beber com alguns mariolas do meu conhecimento; e o som rouco de cobre trouxe aos meus ouvidos não sei que recordação duma trombeta prostituída.
E assim respondi, com todo o meu desdém: «Vai-te embora! Eu não fui feito para despojar a amante de certa gente que não quero nomear.»
Sem dúvida que, sendo portador de tão corajosa abnegação, eu tinha o direito de sentir-me orgulhoso. Mas desgraçadamente eu acordei, e toda a minha energia me abandonou. « Na verdade - disse comigo - foi preciso que eu estivesse a dormir bem pesadamente para mostrar tais escrúpulos. Ah! se eles pudesssem voltar enquanto estou acordado, não me faria tão esquisito!»
E invoquei-os em voz alta, suplicando-lhes que me perdoassem, e oferecendo-me para ser desonrado tantas vezes quantas fossem precisas para lhes merecer os seus favores; mas eu tinha-os certamente ofendido muito, pois nunca mais voltaram.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 60-64
XVII UM HEMISFÉRIO NUMA CABELEIRA
«Deixa-me respirar por muito, muito tempo, o odor dos teus cabelos, mergulhar neles todo o meu rosto, como um homem sequioso na água duma nascente, e agitá-los com a mão como um lenço perfumado, para sacudir as recordações no ar.
Se tu pudesses saber tudo o que eu vejo! tudo o que eu sinto! tudo o que eu ouço nos teus cabelos! Minha alma viaja sobre o perfume como a alma dos outros homens viaja sobre a música.
Os teus cabelos contêm um sonho inteiro, cheio de velas e de mastros; contêm grandes mares cujas monções me levam para climas adoráveis, onde o espaço é mais azul e mais profundo, onde a atmosfera tem o perfume dos frutos, das folhas e da pele humana.
No oceano da tua cabeleira, entrevejo um porto a formigar de canções dolentes, de homens vigorosos de todas as nações e navios de todas as formas recortando as arquitecturas finas e complicadas sob um céu imenso onde se pavoneia um calor eterno.
Nas carícias da tua cabeleira, encontro os langores das longas horas passadas sobre um divã no camarote dum belo navio, embaladas pelo arfar imperceptível do porto, por entre os vasos de flores e as bilhas que refrescam a água.
No lume ardente da tua cabeleira, respiro o odor do tabaco misturado com ópio e açúcar; na noite da tua cabeleira, vejo resplandecer o infinito do azul tropical; nas praias acetinadas da tua cabeleira, embebedo-me com os odores combinados de alcatrão, de musgo e de óleo de coco.
Deixa-me morder longamente as tuas tranças pesadas e negras.
Quando mordisco os teus cabelos elásticos e rebeldes, parece-me que devoro recordações.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.49/50
sábado, 8 de outubro de 2011
Não lhe parece, minha senhora?
«Não lhe parece, minha senhora, que lhe deixo aqui um madrigal inteiramente digno de apreço, e tão pomposo como vós mesmas? E, em boa verdade, tive tanto prazer em abordar esta pretenciosa galantaria, que nada vos peço em troca.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.48
«Estava a partir sossegadamente o meu pão, quando um ruído muito leve me fez levantar os olhos. Diante de mim estava um pequeno ente andrajoso, negro, esgadelhado, cujos olhos cavos, bravios e como suplicantes, devoravam o meu pedaço de pão. E ouvi-o suspirar, numa voz baixa e rouca, a palavra: bolo! Não pude deixar de rir ouvindo a designação com que ele queria honrar o meu pão quase branco, e parti para ele um bom pedaço que lhe estendi. Lentamente, foi-se aproximando, sem tirar os olhos do objecto da sua cobiça: depois, agarrando o pedaço de pão, recuou bruscamente, como se temesse que a minha oferta não fosse sincera ou que dela já me tivesse arrependido.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.45
«Põe os olhos na rapidez do esquecimento em que tudo cai e no abismo do tempo infinito, para diante e para trás; vê quanto é vão todo o ruído que se faz, a versatilidade e a irreflexão dos que têm ar de aplaudir, os limites estreitos em que tudo se circunscreve;»
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 36
«Em parte alguma se encontra lugar mais tranquilo, mais isento de arruídos, que na alma, sobretudo quando se tem dentro dela aqueles bens sobre que basta inclinar-se para que logo se recobre toda a liberdade de espírito, e, por liberdade de espírito, outra coisa não quero dizer que o estado de uma alma bem ordenada.»
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 35
« 8 - Na inteligência do homem que se mortificou e purificou a fundo não se encontrará nenhuma infecção ou mancha, nenhuma ferida mal curada sob a cicatriz. A vida deste homem quando o destino a ceifa não nos surge inacabada como o papel do actor teatral que se afastasse das tábuas a meio da peça sem chegar ao desfecho.»
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 31
«(...) as azeitonas maduras esquecidas na oliveira quando estão justamente a uma linha de podridão é que se aureolam de uma beleza particularíssima. O mesma se diga das espigas inclinadas para a terra, das rugas que sulcam a testaruda fronte do leão, da escuma que escorre das presas do javali e de coisas pelo teor; se as considerarmos em si estão longe de ser belas.»
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 27
DESEJO DE MORRER
«Hermes veio...
Eu disse-lhe: «Senhor...
não, pela Deusa Feliz,
nunca prezei grandezas:
o meu desejo
é morrer. Ver
no orvalho as flores
de luto no lodo longo do Aqueronte!»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 103
Eu disse-lhe: «Senhor...
não, pela Deusa Feliz,
nunca prezei grandezas:
o meu desejo
é morrer. Ver
no orvalho as flores
de luto no lodo longo do Aqueronte!»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 103
OLVIDO
«Morte, inércia de sono
para ti, silêncio
de qualquer memória
para sempre: não mais, não,
alcançarás as rosas de Piéria.
Escura e desatinada,
vaguearás pelo Hades
não mais vista de ninguém,
sempre às cegas, sempre
por entre sombras
de corpos, obscuras
aparências só.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 101
para ti, silêncio
de qualquer memória
para sempre: não mais, não,
alcançarás as rosas de Piéria.
Escura e desatinada,
vaguearás pelo Hades
não mais vista de ninguém,
sempre às cegas, sempre
por entre sombras
de corpos, obscuras
aparências só.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 101
MAÇÃ MENINA
«No alto do ramo,
alta no ramo mais alto,
uma tão rosa maçã:
esqueceram-na os apanhadores
de fruta. Esqueceram-na?
Não! Mãos não tiveram
para a colher.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 99
alta no ramo mais alto,
uma tão rosa maçã:
esqueceram-na os apanhadores
de fruta. Esqueceram-na?
Não! Mãos não tiveram
para a colher.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 99
PARA ALÉM DO MAR
«...em Sardis agora vive,
mas a alma encontra-se entre nós.
................................................
Eras para ela tal uma Deusa,
o teu canto acalmava os seus caprichos.
Agora, na Lídia, deslumbra entre
as mulheres. Assim a lua,
posto o sol, rósea
empalidece as estrelas, inunda, em subido fulgor,
as águas do mar salgado
e a planície toda em flor:
um manto luzente de orvalho, viçoso
de rosas, tenras madressilvas e trevos
perfumados.
Entre um passo e outro passo,
Áttis suaviza-lhe a memória:
liquefaz-lhe o anseio na leve
urdida do coração. - Embora
a angústia
com angústia lhe pese.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 91
mas a alma encontra-se entre nós.
................................................
Eras para ela tal uma Deusa,
o teu canto acalmava os seus caprichos.
Agora, na Lídia, deslumbra entre
as mulheres. Assim a lua,
posto o sol, rósea
empalidece as estrelas, inunda, em subido fulgor,
as águas do mar salgado
e a planície toda em flor:
um manto luzente de orvalho, viçoso
de rosas, tenras madressilvas e trevos
perfumados.
Entre um passo e outro passo,
Áttis suaviza-lhe a memória:
liquefaz-lhe o anseio na leve
urdida do coração. - Embora
a angústia
com angústia lhe pese.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 91
ALÍVIO
«Enfim, cara, vieste - e bem. Com
ânsia te esperava - e muito. Que
saibas: em minha alma ascendeste
um fogo que a devora.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 75
DICA
«Coroa-te, Dica, com tuas gráceis mãos!
Enfeita os aneis do teu cabelo
com funcho, anis, pétalas e corolas.
Vê que os olhos das Graças
sempre em grinaldas se entrançaram
de flores muitas
- e sempre, Dica, se desviam
de quem não se coroa
de flores!
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 73
Enfeita os aneis do teu cabelo
com funcho, anis, pétalas e corolas.
Vê que os olhos das Graças
sempre em grinaldas se entrançaram
de flores muitas
- e sempre, Dica, se desviam
de quem não se coroa
de flores!
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 73
AS POMBAS
«E o seu coração
ascende frio,
e as asas abrandam...»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 63
ADÓNIS
« - O doce Adónis morreu, Afrodite: que fazer?
-Flagelai, moças, os vossos seios,
rasgai, amigas, as vossas vestes.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 53
-Flagelai, moças, os vossos seios,
rasgai, amigas, as vossas vestes.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 53
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
ESQUECIMENTO
«De mim te sei esquecida, e não mais
tu me amas: a um outro sim - e mais.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 47
tu me amas: a um outro sim - e mais.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 47
VERGONHA
« - Uma coisa te quero dizer,
mas a vergonha mo impede...
-Se em ti habitasse o desejo
por coisas nobres e belas,
e a tua língua se não embrulhasse no mal,
já a vergonha não cobriria teus olhos
e límpido falarias sobre os teus sentimentos.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 41
mas a vergonha mo impede...
-Se em ti habitasse o desejo
por coisas nobres e belas,
e a tua língua se não embrulhasse no mal,
já a vergonha não cobriria teus olhos
e límpido falarias sobre os teus sentimentos.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 41
VIRGINDADE
« - Virgindade, virgindade! Fugiste de mim para onde?
- Não mais te verei a ti, a ti não mais voltarei.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 39
- Não mais te verei a ti, a ti não mais voltarei.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 39
O BELO E O BOM
«Quem é belo
é belo aos olhos
- e basta.
Mas quem é bom
é subitamente belo.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 27
é belo aos olhos
- e basta.
Mas quem é bom
é subitamente belo.»
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991., p. 27
MAIS VERDE QUE UMA ERVA
(...)
«O suor me toma, um tremor
me prende. Mais verde sou
do que uma erva - e de mim
não me parece a morte longe...
.................................................
Safo. Líricas em Fragmentos. Tradução e apresentação de Pedro Alvim. Edição Bilingue. Vega, 1ª edição, 1991
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
«Em resumo, tudo o que ao corpo se refere assemelha-se a um rio; o que tange à alma, um sonho vaporoso; a vida, uma guerra, um exílio em terra estranha; a fama que é póstuma o mesmo é que esquecimento. Quem nos poderá guiar no meio disto tudo? Uma só coisa, penso eu: a filosofia.»
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 24
«Ora a morte, e a vida, a glória e a obscuridade, a dor e o prazer, a riqueza e a pobreza, tudo isso cabe em igual medida aos homens de bem e aos depravados; não brilha nisso nem beleza nem fealdade; quer dizer que não são nem bens nem males.»
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 22
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
prorrogar
verbo transitivo
prolongar (o tempo) para além do prazo estabelecido; protelar; dilatar |
(Do latim prorogāre, «idem»)
solecismo
nome masculino
1. | GRAMÁTICA qualquer erro ou falta contra as regras da sintaxe |
2. | incorreção de linguagem |
(Do grego soloikismós, pelo latim
soloecismu-, «idem»)
deu-me a lição de benevolência
« a tolerância para com os tolos e o não fazer caso dos que largam sentença sem pinga de reflexão; a arte de se adaptar a gente de todo o feitio;»
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 11
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 11
«Ei-la, lá estava ela, lá estava ela, a Lua...Havia a Lua!, a Lua!
E Ciàula pôs-se a chorar, sem dar por isso, sem querer, pelo grande conforto, pela grande doçura que sentia ao descobri-la, enquanto ela subia no céu com o seu amplo véu de luz, ignorando os montes, as planícies, os vales que iluminava, ignorando-o a ele, que no entanto por causa dela não sentia já medo, nem se sentia cansado, na noite agora cheia do seu espanto.»
Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 210
De Apolónio aprendi a ...
« manter a calma sob o rijo aguilhão das dores, como a perda de um filho ou as longas doenças.»
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 10
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971., p. 10
« 7 - De Rústico, o ter concebido a ideia de que o meu carácter precisava de rectidão, disciplina e vigilância a todas as horas; aprendi com ele a não me enliçar na paixão da sofística; a pôr-me a mil léguas de escrever tratados cheios de muita teoria ou a escrevinhar compêndios oratórios que visam persuadir os tolos;»
Marco Aurélio. Pensamentos. Versão Portuguesa de João Maia. Editorial Verbo, Lisboa, 1971
«Coisa estranha; Ciàula não tinha medo da treva lodosa das galerias profundas, onde a cada volta estava a morte emboscada; nem tinha medo das sombras monstruosas que as lanternas provocavam em solavancos ao longe das galerias, nem do súbito chispar de m reflexo avermelhado aqui e além numa poça, dentro de um lençol de água sulfúrea: sabia sempre onde estava; tocava com a mão à procura de apoio as entranhas da montanha: e dentro dela estava cego e seguro como dentro do ventre materno.
Tinha medo, porém, do escuro vazio da noite.»
Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 207
Tinha já quarenta e sete anos
«Tinha já quarenta e sete anos, e o espírito tornara-se-lhe profundamente melancólico por causa de toda aquela guerra de ódios e invejas.
Como um animal ferido numa caçada feroz e abrigado num covil desconhecido, assim ele lançava olhares para todos os lados, desconfiado e espantadiço.»
Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 168
Como um animal ferido numa caçada feroz e abrigado num covil desconhecido, assim ele lançava olhares para todos os lados, desconfiado e espantadiço.»
Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 168
«(...) - nó das solidões
do eu que se sente morrer
e não quer aparecer nu perante Deus:
assumo tudo, para poder compreender,
de dentro, o fruto dessa ambiguidade:
um homem adorável, de quem, neste Abril
incalculado, mil jovens descidos do Além,
esperam confiantes um sinal que tenha
a força da fé sem piedade,
para lhes consagrar a raiva humilde.»
Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 485-487
« oh paz que permite a dor selvagem -
oh marca da infância! Oh destino de ouro
construído sobre o eros e a morte, como
uma distracção - e os seus mil e um pretextos
o riso, a filosofia! Ter ilusões ( o amor)
(...)»
Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 457
oh marca da infância! Oh destino de ouro
construído sobre o eros e a morte, como
uma distracção - e os seus mil e um pretextos
o riso, a filosofia! Ter ilusões ( o amor)
(...)»
Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 457
arenga
nome feminino
1. | alocução pública |
2. | discurso longo e fastidioso; palavrório |
3. | altercação, discussão |
FRAGMENTO DE CARTA PARA O JOVEM CODIGNOLA
Querido rapaz, sim, claro, vamos encontrarmo-nos,
mas não esperes nada desse encontro.
Quanto muito, mais uma decepção, mais um
vazio: daqueles que fazem bem
à dignidade narcisista, como uma dor.
Aos quarenta anos sou como era aos dezassete.
Frustrados, o homem de quarenta anos e o rapaz de dezassete
podem, decerto, encontrar-se, balbuciando
ideias convergentes, sobre questões
separadas por dois decénios, uma vida inteira,
mas que aparentemente são as mesmas.
Até que uma palavra, saída das gargantas hesitantes,
paralisada de pranto e vontade de estar só -
lhes revele a disparidade sem remédio.
E, ao mesmo tempo, terei de fazer de poeta
pai, e refugiar-me na ironia
- que te embaraçará: porque o homem de quarenta anos
é mais alegre e mais jovem do que o rapaz de dezassete,
sendo já senhor da sua vida.
Para além desta aparência, deste disfarce,
nada mais tenho a dizer-te.
Sou avarento, o pouco que possuo
está bem fechado neste meu coração diabólico.
E os dois palmos de pele entre a face e o queixo,
por baixo da boca torcida de tanto sorrir
de timidez, e o olhar que perdeu
a sua doçura, como um figo que azedou,
parecer-te-iam o retrato
fiel dessa maturidade que te faz sofrer,
uma maturidade não fraterna. De que pode servir-te
alguém da tua idade - mas entristecido
na magreza que lhe devora a carne?
O que ele deu, está dado, o resto
é árida piedade.
Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 427-1429
mas não esperes nada desse encontro.
Quanto muito, mais uma decepção, mais um
vazio: daqueles que fazem bem
à dignidade narcisista, como uma dor.
Aos quarenta anos sou como era aos dezassete.
Frustrados, o homem de quarenta anos e o rapaz de dezassete
podem, decerto, encontrar-se, balbuciando
ideias convergentes, sobre questões
separadas por dois decénios, uma vida inteira,
mas que aparentemente são as mesmas.
Até que uma palavra, saída das gargantas hesitantes,
paralisada de pranto e vontade de estar só -
lhes revele a disparidade sem remédio.
E, ao mesmo tempo, terei de fazer de poeta
pai, e refugiar-me na ironia
- que te embaraçará: porque o homem de quarenta anos
é mais alegre e mais jovem do que o rapaz de dezassete,
sendo já senhor da sua vida.
Para além desta aparência, deste disfarce,
nada mais tenho a dizer-te.
Sou avarento, o pouco que possuo
está bem fechado neste meu coração diabólico.
E os dois palmos de pele entre a face e o queixo,
por baixo da boca torcida de tanto sorrir
de timidez, e o olhar que perdeu
a sua doçura, como um figo que azedou,
parecer-te-iam o retrato
fiel dessa maturidade que te faz sofrer,
uma maturidade não fraterna. De que pode servir-te
alguém da tua idade - mas entristecido
na magreza que lhe devora a carne?
O que ele deu, está dado, o resto
é árida piedade.
Pier Paolo Pasolini. Poemas. Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005., p. 427-1429
terça-feira, 4 de outubro de 2011
« - O senhor não tenha medo. Eu vou à frente; venha atrás de mim, devagarinho, com muito cuidado.
Por sorte a escuridão era completa! Olhos que não vêem, coração que não sente.»
Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 154
«Mutilar a montanha; abater as árvores para construir casas. Mais casas, ali, naquela vila alpestre. Privações, fadigas, trabalhos de todo o género, para quê?, para ter uma chaminé e dessa chaminé fazer sair um pouco de fumo, logo disperso no vazio do espaço?»
Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 128
Nuvens e vento.
«Não ter mais consciência de existir, igual a uma pedra, a uma planta; não recordar sequer o próprio nome; viver por viver, sem saber que se vive, como os animais, como as plantas; sem afectos, nem desejos, nem recordações, nem pensamentos; sem nada que desse sentido e valor à própria vida. Deitado ali na erva, com as mãos entrelaçadas debaixo da nuca, olhar no céu azul as brancas nuvens deslumbrantes, inchadas de sol; ouvir o vento que gerara nos castanheiros do bosque como que um fragor de mar, e na voz daquele vento e naquele fragor sentir, vinda de uma infinita distância, a vaidade de todas as coisas e o tédio angustioso da vida.
Nuvens e vento.»
Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 127
«Todavia, é verdade que o corpo, quando o espírito se fixa numa dor profunda ou numa tenaz obstinação, deixa muitas vezes ficar assim o espírito fixado e, muito caladinho, sem lhe dizer nada, pôs-se a viver por sua conta, a gozar o bom ar e a comida sã.
Assim aconteceu a Tommasino, que em breve se encontrou, quase por escárnio, enquanto o espírito mergulhava cada vez mais na melancolia e se subtilizava em desesperadas meditações, com um corpo bem nutrido e florescente, de abade.»
Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 127
«Agora estava só, sem sequer uma criada em casa; só e devorado por uma ansiedade contínua, que lhe fazia cometer todas aquelas loucuras.
Sabia-o, sim: tinha consciência das suas loucuras; cometia-as de propósito, para irritar as pessoas que, antes, quando era rico, tanto o tinham obsequiado e agora lhe voltavam as costas e riam dele. Todos, todos riam dele e dele fugiam; não havia um único homem que lhe quisesse prestar auxílio, que lhe dissesse: - Compadre, que anda a fazer?, venha cá: sabe trabalhar, sempre trabalhou honestamente; não faça mais loucuras; vamos lançar-nos os dois num bom empreendimento! - Nem um só.
E a angústia, a roedura interior, naquele abandono, naquela solidão amarga e nua, cresciam e exasperavam-no cada vez mais.»
Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 115
Fogo à palha
« Não tendo mais ninguém a quem dar ordens, Simone Lampo adquirira o hábito de dar ordens a si próprio. E dava ordens de chicote na mão:
-Simone, para aqui! Simone, para ali!
Impunha-se de propósito, por despeito do seu estado, as tarefas mais ingratas. Fingia por vezes revoltar-se para se obrigar a obedecer, representando ao mesmo tempo os dois papéis da comédia. Dizia, por exemplo, enfurecido:
- Não quero fazer isso!
-Simone, dou-te uma carga de pau. Já te disse, recolhe aquele estrume! Ah, não?
Pum! Aplicava em si mesmo uma valentíssima bofetada. E recolhia o estrume.»
Luigi Pirandello. Contos Escolhidos. Prefácio do Prof. Ricardo Averini. Selecção e tradução de Carmen Gonzalez. Editorial Verbo, Lisboa, 1972.,p. 113
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
«SEGUNDO a minha natureza, eu só posso cumprir uma ordem que ninguém me tenha dado. Nesta contradição, e apenas em contradição, é que eu posso viver. Mas qualquer uma, pois vivendo morre-se e morrendo vive-se.»
Franz Kafka. Os Aeroplanos Em Brescia E Outros Textos. Trad. Ana Maria Freire Damião. Edições «Livros do Brasil», Lisboa, 1988., p. 165