terça-feira, 24 de dezembro de 2024
segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Mulheres na História: Camille Claudel, a musa de Auguste Rodin
sábado, 21 de dezembro de 2024
Meus desacontecimentos
«Lembro que, quando tudo começou, era escuro. E hoje, depois de todos esses anos de labirinto, todos esses anos em que avanço pela neblina empunhando a caneta adiante do meu peito, percebo que o escuro era uma ausência. Uma ausência de palavras. Essa escuridão é minha pré-história. Eu antes da história, eu antes das palavras. Eu caos.»
Eliane Brum
«E a chamada “motricidade fina”, é mesmo o quê? Ainda sabemos escrever manualmente, de forma legível e escorreita? Nas mãos, derivado da híper-demanda digital, parece haver agora uma prazerosa ditadura rotativa com apenas três protagonistas, que sabe a pouco: o polegar, o indicador e o médio. E apenas duas tarefas básicas: clicar e deslizar, deslizar e clicar, em incessante loop. Sobram quatro dedos, dois exilados em cada mão – condenados à dormência física, ao atrofiamento motor, ao analfabetismo sensitivo?»
Artigo de Opinião de Paulo Pires
Diário do Sul
''electrificação doméstica''
Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 198
sexta-feira, 20 de dezembro de 2024
terça-feira, 17 de dezembro de 2024
''pruridos teus''
Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 170
''Um pano bordado pendia sobre as gavetas.''
Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 170
segunda-feira, 16 de dezembro de 2024
domingo, 15 de dezembro de 2024
A cicatriz das tuas derrotas
José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 486
ALÇAPÃO
o que omites acaba por ressurgir
como intruso escava uma saída
rasteja por vias desconhecidas
na distância do que pensavas perdido
e chega a tua casa antes de ti
TRISTEZA
não há pensamento que possa mudar
a tristeza, essa música minúscula
nem precisamos morrer para nos sentirmos mortos
quando a sua cabeleira varre a terra
e nos recolhe como flores
de uma coroa deposta
rogamos à vida que responda
mas a vida só se expressa na agulha dos fogos
em línguas desconhecidas
no soprar ora longínquo
ora próximo do vento
e quando abrimos a garganta
em busca de um fio de voz
ela tornou-se inaudível
como se jamais nos tivesse pertencido
O silêncio é também visual
José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 454
o solitário ladrar de um cão
José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 452
CRONOMETRIAS
modos mais exactos de medir o tempo
o gotejar da água para a ânfora
o escorrer da areia, grão a grão
a viagem da sombra, como se não fosse
A vida exige de ti ainda mais escuro
José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 448
PARTIR SEM CHEGAR
o ramo do tamarindo onde te espera
o assobio do barqueiro
não é o primeiro
deverás tactear a escuridão da folhagem
e enganares-te tantas vezes
que te convenças que não sabes
estreita é a corrente invisível que nos conduz
por corredores, registos, águas em queda
àquele momento talvez involuntário
onde palavra dita e palavra calada
Música de Nina Simone
I told Jesus it would be alright if He changed my name
I told Jesus it would be alright if He changed my name
I told Jesus it would be alright if He changed my name
And He told me that I would go hungry if He changed my name
And He told me that I would go hungry if He changed my name
Yes, He told me that I would go hungry if He changed my name
But I told Jesus it would be alright if He changed my name
I told Jesus it would be alright if He changed my name
So I told Him it would be alright and the world would hate me
That I would go hungry if He changed my name
Compositores: Robert Mac Gimsey
A begónia refloriu
José Tolentino Mendonça. A Noite Abre Meus Olhos. 4ª Edição, Assírio&Alvim, Porto, 2021. p. 399
The Other Woman
The other woman is perfect where her rival fails
And she's never seen with pin curls in her hair anywhere
The other woman keeps fresh cut flowers in each room
There are never toys that's scattered everywhere
He'll find her waiting like a lonesome queen
Cos' when she's by his side
It's such a change from old routine
The other woman will never have his love to keep
And as the years go by the other woman
Will spend ... her life alone
Só uma vez soube para que servia a vida.
Em Boston, de repente, eu entendi.
Andei junto ao rio Charles,
observei as luzes se mimetizando,
todas de néon, luzes estroboscópicas, abrindo
suas bocas como cantores de ópera;
Contei as estrelas, as minhas pequenas defensoras, as minhas cicatrizes de margarita, e percebi que passeava o meu amor pela margem verde noite e chorei esvaziando o meu coração para os carros do leste e chorei esvaziando o meu coração para os carros do oeste e levei a minha verdade sobre uma pequena ponte curvada e apressei minha verdade, seu encanto, para casa.
E guardei estas constantes até o amanhecer só para descobrir que tinham desaparecido.
Só uma vez.
Anne Sexton
Lola Young - Messy
So why would you leave me waiting outside the station
When it was like minus four degrees?
And I, I get what you're sayin'
I just really don't wanna hear it right now
Can you shut up for like once in your life?
About how you think I'm gonna die lucky if I turn 33
Okay, so yeah, I smoke like a chimney
I'm not skinny, and I pull a Britney every other week
But cut me some slack, who do you want me to be?
You told me, "Get a job", then you ask where the hell I've been
And I'm too perfect 'til I open my big mouth
I want to be me, is that not allowed?
You hate it when I cry unless it's that time of the month
And I'm too perfect 'til I show you that I'm not
A thousand people I could be for you, and you hate the fucking lot
You hate the fucking lot
You hate the fucking lot
You hate, you hate
You still don't get the hint, I'm not asking for pages
But one text or two would be nice
And please, don't pull those faces
When I've been out working my ass off all day
It's just one bottle of wine or two, but hey
You can't even talk, you smoke weed just to help you sleep
Then why you out getting stoned at four o'clock
And then you come home to me?
And don't say hello 'cause I got high again and forgot to fold my clothes
You told me, "Get a job", then you ask where the hell I've been
And I'm too perfect 'til I open my big mouth
I want to be me, is that not allowed?
You hate it when I cry unless it's that time of the month
And I'm too perfect 'til I show you that I'm not
A thousand people I could be for you, and you hate the fucking lot
You hate the fucking lot
You hate the fucking lot
You told me, "Get a job", then you ask where the hell I've been
And I'm too perfect 'til I open my big mouth
I want to be me, is that not allowed?
You hate it when I cry unless it's that time of the month
And I'm too perfect 'til I show you that I'm not
A thousand people I could be for you, and you hate the fucking lot
You hate the fucking lot
You hate the fucking lot
You hate the fucking lot
You hate the fucking lot
« E qual é a doença dela?», perguntou Shingo em tom irritado.
«Um aborto», disparou Shuichi.»
«Vê só. Tenho um suor frio a correr-me entre os seios.»
Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 149
The Story of JoyDivision’s Unknown Pleasures Album Cover
“As Saville explains, the cover is directly linked to a figure in The Cambridge Encyclopaedia of Astronomy (1977 edition)–a stacked plot of radio signals from a pulsar.”
''As pessoas devem partir quando são ainda amadas.''
Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 142
''peças sobresselentes''
Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 134
''meio viúva''
«Não se casou, mas o homem por quem estava apaixonada morreu na guerra.»
Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 131
pântano marido-mulher
« A expressão «pântano marido-mulher» significava apenas que marido e mulher sozinhos, tolerando erros mútuos, aprofundavam o pântano com passar dos anos.»
Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 126
Um casamento era como um pântano perigoso, que suga para sempre as faltas dos cônjuges.
Um casamento era como um pântano perigoso, que suga para sempre as faltas dos cônjuges.»
Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 125
''ataques de sentimentalismo''
Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 124
«Há uma coisa que eu lhe digo muitas vezes quando o vejo tratá-la mal.» Estava sentada, de cabeça baixa e mãos enlaçadas em cima dos joelhos. «Digo-lhe que ele também volta para casa ferido. Volta para casa como um soldado ferido.»
Yasunari Kawabata. O Som da Montanha. Tradução de Francisco Agarez. D. Quixote., p. 118sábado, 14 de dezembro de 2024
O Voo das Bruxas
quinta-feira, 12 de dezembro de 2024
Chove Chuva
Conto de Dalton Trevisan
A fumaça da chuva sobe pela chaminé das casas e se espalha sobre a cidade. Um fio de silêncio cai de cada gota. As gatas dengosas se viram de costas para dormir. Chove chuvinha, um lado da palmeira nunca se molha.
A casa das formigas não tem porta, e quando chove, não se afogam? Piam milhares de pardais entre as folhas do chorão. Não existe melhor conchego que um barzinho. Nada como a meia grossa de lã. Apaixonadas ou não, mocinhas espirram na fila do ônibus.
Neste instante há no mínimo três mil pessoas infelizes com o sapato furado. Basta que não chova eu me chamo Felipe, o Belo. Como pisar na lama, garotas da várzea, sem sujar as sapatilhas? Orelhas de piás são puxadas por brincarem na chuva. Os mascates que vendem maçã na rua, em desespero comem as maçãs?
Não estivesse chovendo eu teria sete filhos.
Guardas de trânsito abrem os braços na esquina e apitam: por que choves, Senhor? Chove que chuva, apaga o meu recado de amor no muro.
Mães pensam nos filhos tão longe, uns dedos trêmulos na vidraça: dona mãe, me deixa entrar. Em cada lata vazia repicam os sinos da chuva.
As mãos no bolso não esquentam. Alguns viúvos choram na fila, esse ônibus nunca vem. Ora, gotas de chuva, pensam os vizinhos. Todos querem esse guarda- -chuva esquecido num dia de sol, quando havia sol.
Os rabanetes no canteiro pulam as cabecinhas de fora.
Os armários das velhas casas estalam. Antigos baús são abertos, dia ruim para as traças. Há medo de vampiro na cidade.
Asinhas encharcadas, filhotes de pardais caem das árvores e se afogam nas poças.
As vovozinhas choram de frio na beira do fogão de lenha. Cães arranham a porta, licença para entrar. A sopa de caldo de feijão, epa! te queimou a língua.
Mesmo com chuva, há pares de namorados à sombra das árvores. Nem a chuva tira uma solteirona da janela.
Chapinhando as poças investe uma trinca de gordalhufas – pra cá pra lá, bundalhões hotentotes tremelicantes!
Senhor, tão bom se não chovesse. Ah, não chovesse, eu usaria barbicha. Não tivesse chovido eu casava com a Lia e não a Raquel.
Pra onde fogem os sorveteiros quando chove? Se chove, mais difícil enfrentar o vento sul sem perder o chapéu. Homens chegam em casa esfregam o pé no capacho e sentam para comer, dizendo: chuva desgracida.
Uma rosa no teu jardim abre as mil pálpebras do único olho.
O vento despenteia a cabeleira da chuva sobre os telhados.
Mesmo quando para a chuva, as árvores continuam chovendo.
A chuva lava o rosto dos teus mortos queridos.
Namorada
Depois que vê a garota ele corre se olhar no espelho: não pode negar, meio feio? quase feio? Numa palavra, feio. Dia seguinte desiste do bigode ralo. Quem sabe costeleta ou cavanhaque?
A menina o enfeitiça. Possuído, sim. Febrícula, sonho delirante, falta de ar, sede mas não de água.
Ela surge enrolada no garfo do suculento espaguete à bolonhesa. De sainha xadrez na primeira tarde, ó deliciosa bolacha Maria com geleia de uva. Formigas de fogo mordem sob a camisa quando ela vem na rua, brincando com o arco-íris na ponta dos dedos.
Consegue afinal apertar-lhe a mãozinha na luva de crochê, ri (descuidoso de ser feio) dentro de seus olhos glaucos. Discutem o narizinho, quem sabe arrebitado, segundo ela. E para ele, nada mais bonito que tal narizinho.
Meio do sono acorda, olho arregalado no escuro. A sua imagem o percorre, impetuoso vento por uma casa de portas abertas. Ninguém por perto, fala sozinho. A mãe o acha mais magro. Quem dera ser o terceiro motociclista do Globo da Morte.
Em guarda no portão, as mãos suadas, fumando. Ela aparece: um caramanchão florido de glicínia azul. Olhinho esquivo que fixa e foge. O sorriso (uma virgem fatal?) na pequena boca fresca.
Um dentinho ectópico no lado esquerdo, onde a palavra tiau esbarra quando sai. Ah, se ela deixar, passa o resto da vida adorando esse dentinho.
Espera outras vezes, fumando aflito, um cigarro aceso no outro. Ele mesmo um cigarro em chamas. A mocinha não quer lhe dar a mão. Como pode, uma santinha disfarçada na terra? Depois, deu.
Brava, ainda mais linda. Toda rosa, o lenço no pescoço, gatinha na janela depois do banho. A curva altaneira da testa, os cachos loiros arrepiados ao vento.
Ai, não, uma pérola na orelha. A pérola da orelha. Uma divina orelhinha esquerda, sabe o que é?
A voz meio rouca: Adivinhe o que eu tenho na mão? “Bem, pode ser tanta coisa.” Bala de mel, seu bobo. Pra você que não merece.
Já esquecido de timidez e feiura: “Sabe o que eu mais quero? É embalar você no colo.”
Pronto, ofendida, lhe negaceou o rosto.
De mal, até amanhã. Amanhã nosso herói vai cultivar uma barbicha.
Desencontro