sábado, 31 de outubro de 2015

«O pudor é a última coisa que se perde, dizem.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 94
«O teu coração conservou a inquietude da procura, ou deixou-se sufocar pelas coisas que acabam por o atrofiar.»

Papa Francisco
«De vez em quando surgiam gritos do nada. Eram sons-navalha espetados nos nossos cérebros. Poderiam ser gritos de pureza. Talvez desespero. Talvez nada.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 69


«É preciso perceber, de uma vez por todas, que não há doenças, mas sim doentes, e que cada um de nós tem uma vida vegetativa, uma vida animal e uma vida humana, como humanos que somos. E essas são vidas que merecem e justificam respeito. Não são dissociáveis, mas sim complementares.»



Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 55
«Vivemos sós, na solidão que nós próprios criamos. A vida é assim.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 53


«Havia sol no Inverno das almas e escuridão no inferno da minha existência. Mas de que tamanho era esse inferno quando comparado com as agruras de tanta gente que nem tempo tem para ter inferno?...»



Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 53

«Gritos de desespero e adeus.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 25

« São, também, edifícios sem expressão, construídos pelo homem-adivinho que traça em papel o rumo do que não compreende, nem sabe, mas julga que sabe.
   À direita fica o rio das mágoas gradeadas, onde se inventam diariamente novos seres e que, actualmente, é pouco mais do que o ninho morto e vazio dos pensamentos idos.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 23

« O primeiro adeus»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 23

«Suprema felicidade, ainda que breve.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 21
«Sentado a meu lado está um corpo de mulher, esquálido, ossudo, praticamente inerte, dir-se-ia que traduzindo a morte aparente de quem está, na verdade, morto para a vida.»

Fernando Correia. Piso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 19
'«Quem for homem de carne
tenha um sonho
da brancura do leite que bebeu
(...)»


Miguel Torga
«Em sentido amplo, a palavra ''cultura'' designa tudo aquilo por meio do qual o homem apura e desenvolve as múltiplas capacidades do seu espírito e do seu corpo; se esforça por dominar o universo pelo conhecimento e pelo trabalho; humaniza a vida social, tanto a vida familiar, como o conjunto da sociedade civil, graças ao progresso dos costumes e das instituições; e finalmente, com o decorrer dos tempos, traduz, comunica e conserva, nas suas obras, as grandes experiências espirituais e as aspirações fundamentais do ser humano, para que sirvam ao proveito de muitos e da sociedade inteira.»

in Concílio Vaticano II

terça-feira, 27 de outubro de 2015

«O teu corpo
Magoa-me como o mundo magoa deus.»

Sylvia Plath

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O cínico não tem grandes teorias,
o cínico é a antítese da teoria.
Não acredita em nada, não se compromete com nada,
a não ser, com ele próprio.
O cinismo tem a sua razão, a sua lógica.
Os humanos poderosos pensam cinicamente, são insolentes,
pois dizer a verdade, depende de factores como a coragem e o risco,
e o cínico como não sofre da tensão moral da verdade,
é desinibido, livre e por isso vive uma sexualidade violenta,
típica da aristocracia, e nunca é pornográfico,
não passa de um grande pândego.

in Cassandra Bitter Tongue, breve videoconferência acerca do cinismo, Edições Húmus, 2014.

sábado, 24 de outubro de 2015

"há frutos profundos à superfície
já despidos na base de uma árvore
prontos a ser amados trago a trago
lapidam à nossa fonte amor em bruto
devolvem o diamante à pedra dentro
sabem que vão podando à nossa frente
a amizade como uma arte por instinto
e há ainda uma terra por enquanto"


-"Há"
- Joaquim Castro Caldas
"A imagem surge no fim do jardim.
É quase só negro, no início da perca de simetria.
Dickinson pede-lhe que não se mostre mais, e coloca um travessão na frase. Teme que esplenda demasiado na sua gravidade de imagem. E ela avança pudica, demasiado pudica para a vibração que os homens pedem. Apenas Aossê desperta. O espartilho da imagem quase negra confere-lhe uma configuração de bilha ou vaso. Volteia sobre si e, no contorno que desenha, Aossê vê ancas rodopiando lentamente. Com esse vocábulo, introduz um princípio de atracção.
Desata a cintura, pede Musil."
-"Onde Vais, Drama- Poesia?"
- Maria Gabriela Llansol
"haverá um objecto de beleza que corresponda a um objecto de amor? E não se pense que estou a referir alguém.
Não. Estou a interrogar-me sobre o sexo da paisagem, tão vivo, complexo e livre como os sexos humanos."
-"Onde Vais, Drama Poesia?"
- Maria Gabriela Llansol
"Falo de fulgor porque a falta de claridade é essencial. a escuridão é propícia ao medo, ao pensamento e ao projectar. O descoberto e o escondido confundem-se, trocam de rosto. Entram em simetria. Quando o meu há é todo o que há que existe."

Viver com as imagens é a nossa arte de viver. Reparem, sem o fulgor não saímos da simetria. E nesta nada vemos. Vamos presumir uma saída. Veremos o que o nosso sexo sonha. E este sonha apenas a parte da simetria que lhe cabe. A outra parte pertence à imagem que vai tomando vida. Avançamos para ela e ela avança sobre nós. Esse movimento torna-nos obsessivos e inconstantes. Não podemos viver sem ele, mas a imagem não se mantém fixa. O fulgor desloca-se. Não podemos desejar o novo e querê-lo sem surpresa. Começa a irradiar do sexo e alteia-se. Do aqui evolui, difunde-se por todo o há que possamos admitir.

O desejo é escuro, diz Rimbaud.
Sujo, queres tu dizer, replica Aossê.
O desejo é divino, diz convictamente Hölderlin."

-"Onde Vais, Drama- Poesia?"
- Maria Gabriela LLansol
"os dentes na boca ordem a língua: o grito de dor explode,
e onde o prazer acolhia surge o dado amargo
move-se a dúvida que sobre o movimento
lança a interrogação insidiosa: entre suster o oxigénio impulsivo e
quebrar a vida ou queimá-la numa coluna escarpada e
apelas a morte em eco fulminante."


-"Onde Vais, Drama- Poesia?"
- Maria Gabriela Llansol
«JEAN (a falar com Jane como se estivessem sós, plano de meio-conjunto) - Para mim, a felicidade é um estado emocional entre outros estados emocionais.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 87

«O PREDICADOR DA FELICIDADE - Pensa no instante e na coisa próxima. (Pega numa rosa branca.) Porque o segredo da felicidade está em olhar todas as maravilhas do Cosmos e não deixar, ao mesmo tempo, de pensar em regar a flor que murcha ao teu lado.
O HOMEM MASCARADO - Por que não?
IGOR (olha para ele) - Cuidado, com boas palavras se apanha os tolos...»


José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 81
«Quando amas, acaso precisas raciocinar, entender por que amas ou o que aconteceu? Não precisas, porque o que acontece acontece dentro de ti, no teu coração. Porque tudo é uma coisa só.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 81

«IGOR - A palavra êxtase é de origem grega. Significa deixarmo-nos sair de nós mesmos.
O HOMEM MASCARADO - A tua erudição enfastia-me.»


José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 73

O mistério da tua boca.


«A INTERLOCUTORA (grande plano, a câmara filma-a por detrás, virada para o rosto do Narrador) - O mistério da tua boca. Deixa de a utilizar para contar histórias e dá-me um beijo.»


José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 73

«Conheço a tua elocução e conheço-te a ti.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 64
« - A tua pulsação e a tua pressão sanguínea inquietavam-me. Pensei que poderias precisar de mim.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 63

«Os cotovelos colados ao corpo, (...)»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 60
"Domingo pardo e sem gente
a não ser uns vultos rápidos
lisos sobre a rua
Cortinas agressivas, campainhas,
trote de cavalo, buzina,
«Vais lá hoje?», saltos a correr, jornais...
Além uma janela com as portas de vidro e as de pau cruzadas.

É cedo...
Por isso agora lentamente,
absortamente,
os primeiros anjos aparecem
e simples, nem mais sujos nem mais limpos,
vão a percorrer um campo de visão e vidro...
De quando em quando param...
as mãos espalmam-se-lhes baixas,
brancas oscilando
com um dedo a menos...
outros passos... costas... asas... e uma esquina.

Só os primeiros anjos
são anjos verdadeiros, totais...
Os outros que passarem
já encontram lembranças de hoje nos meus olhos...
E não poderão ter asas."

-"Post- Scriptum II"
- Jorge de Sena

O Labirinto da Saudade. Psicanálise Mítica do Destino Português, 1978 Lisboa, Publicações D. Quixote

“É essa reconciliação com a imagem de nós próprios que Eduardo Lourenço nos vem propor em Labirinto da Saudade. Imagem que temos de redescobrir primeiro, sem a distorcer, hiperbolizar ou diminuir, para nos reencontrarmos como povo numa hora em que a perplexidade e a confusão podem tornar Portugal “impensável e invisível”. Bem alto e obsessivamente proclama-se ali em vários tons: “Chegou o tempo de nos vermos tais quais somos, o tempo de uma nacional redescoberta das nossas verdadeiras riquezas, potencialidades, carências, condição indispensável para que algum dia possamos conviver connosco mesmos com um mínimo de naturalidade. (p.80). O livro apresenta um discurso crítico sobre as imagens que forjámos de nós mesmos. Essa imagiologia engloba tanto a imagem condicionante do agir colectivo – o nosso “esquema corporal” – como os inúmeros retratos delineados e impostos na consciência comum por aqueles que mais determinam as perspectivas da autognose colectiva. Artistas, poetas, romancistas e historiadores. A imagiologia portuguesa que o autor nos oferece, centra-se quase exclusivamente sobre imagens de origem literária e, em particular, sobre aquelas que, na época moderna, “alcançaram uma espécie de estatuto mítico, pela voga, autoridade e irradiação que tiveram ou continuam a ter” (p.14) […] Eduardo Lourenço elabora com mestria o “discurso crítico” das sucessivas imagens literárias, até aqui apresentadas, da maneira de ser português. Através dessa análise crítica não assistimos apenas a uma pura dissecação da imagologia portuguesa nas suas diferentes inflexões; somos iniciados também a uma espécie de enteroscopia delicada das qualidades imponderáveis deste Portugal perdido no labirinto de si mesmo. […] Pensados e escritos fora de Portugal, os textos deste livro beneficiaram, sem dúvida, do distanciamento do seu autor, para lá do aparente excesso de fixação na temática agitada. Essa circunstância ajudou Eduardo Lourenço a ajuizar, com mais sangue-frio intelectual, o reverso dos fenómenos e das situações vividos no Portugal distante. […] Por todo o mundo de questões que levanta, o livro de Eduardo Lourenço tem sido qualificado como um dos mais importantes publicados sobre Portugal, de 1974 para cá. Não hesitamos em reconhecer-lhe idêntica importância, e em salientar, além disso, a sua flagrante actualidade num momento em que o ser e o destino de Portugal a todos nos preocupam e constituem objecto de reflexão de alguma “intelligentzia” que escapa à abulia e ao demissionismo suicidário”.
 
In Ribeiro da Silva “À procura da nossa imagem no Labirinto da Saudade”, Brotéria – Agosto-Setembro 1979.
“As emoções são cada vez mais intensas. Logo de seguida impõe-se “A Primavera”, também de Botticelli, e é este o momento de Eduardo Lourenço falar do Renascimento como forma ideal do destino. Se o Renascimento, diz, “se converteu num mito pictórico do Ocidente, não o deve apenas ao génio plástico das suas criações, mas à visão que nelas se plasmou, que não foi e não é outra que não seja a reinvenção do paraíso. Em versão florentina, a “Primavera” de Botticelli. Em versão veneziana, a “Vénus de Urbino” de Tiziano. Temos aí todo o percurso que vai do Adão e Eva expulsos do Paraíso, de Masaccio, a esta metamorfose do amor divino em erótica mais ou menos platónica. Mas também do amor antigo em paradigma de todos os amores futuros” 

Ao deter-se em frente ao quadro de Botticelli numa espécie de religiosidade contemplativa, deteta-se um especial brilho vertido sobre a face de Eduardo Lourenço. Há pouca luz na sala. Ao fundo, uns técnicos do museu trabalham numa nova foto de um óleo de Hugo van der Goes. A “Primavera” enfeitiça. Lourenço fixa-se na deusa das flores, ao lado de Vénus, e deixa as mãos numa quietude comprometida, suspenso da beleza daquele rosto imbuído de uma feminilidade extrema. O corpo do ensaísta petrifica na sua imobilidade, mas tudo quento nele é espírito divaga pela sensualidade contida naquela cena. Mesmo se tivesse todas as manhãs do mundo para a contemplar, jamais conseguiria beber por inteiro o arco-íris de sensações, sentidos e sentimentos nela contidos.” 

Valdemar Cruz “Eduardo Lourenço e o regresso à inocência nos Uffizi em Florença”, in The Economist, Outono 2010, p.

O Espelho Imaginário Pintura, Anti-Pintura, Não-Pintura, 1981 Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda

“Penso que muitos de nós entendem ter uma dívida para com Eduardo Lourenço. Eu tenho. Uma dívida das que não se pagam, que assenta mais numa consciência ética que num dever mensurável em diferença ou quantidade. O mínimo que se pode dizer é que ele nos tem dado tudo o que um ser humano pode dar aos seus contemporâneos: reflexão contante e partilhada, empenho afectivo e sensibilidade às emoções, cometimento do cidadão desperto que nunca enjeita solicitações, mesmo se incómodas, para se manifestar; e, sobretudo – e de que forma! – um ensino que é exemplo e é prática de agir pensando, ou de pensar agindo. 

Devemos-lhe, fundamentalmente, ao longo de meio século, ter-nos vindo ajudando a pensar, a ver melhor as coisas – e essa lição colhi-a num dos seus livros menos conhecidos e mais fascinantes, O Espelho Imaginário, no qual faz do discurso sobre o visual um suporte para a consideração de que a arte é parte integrante e inalienável do social. Com um pensamento que se apoia em mestres, e nos faz pressupor que sem o conhecimento os clássicos a vida é pouca, ele cria o seu próprio modelo, que é o de uma filosofia colhida na generalidade das Ciências Humanas, em que arte e comportamento não se dissociam.” 


Maria Alzira Seixo “Lourenço, espelho de contemporâneos (poesia, riso e sociedade)” in Relâmpago, revista de poesia, n.º 22, 4/2008, pp.145-46.

«Inverosímil, dizias?


José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 55

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

"Não perguntem nada: as razões são longas.
Não perguntem nada: as razões são tristes.
Não perguntem nada: nós estamos contra.
E talvez perdidos.

E talvez perdidos."

-"Os Quatro Cantos do Tempo"
- David Mourão- Ferreira
- Guimarães Editora, 1963 (1a edição)

domingo, 18 de outubro de 2015


«O homem da máscara veneziana acende um cigarro. Leva-o aos lábios de cartão. Um eclipse de fumaça branca liberta-se.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 49

"O Actor" de Herberto Hélder:


O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor pôe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.
O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.
Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.
O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.
Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.
Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.
O actor em estado geral de graça.

Herberto Hélder

«ALLMERS   (lentamente, com um olhar duro)   Daqui por diante, deve haver sempre uma barreira entre nós.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 207

«RITA (em tom de reprovação)    Tu não devias ter semeado a dúvida no meu espírito.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 204
« E agora aquilo a que chamamos sofrimento, luto, é apenas remorso, o remorso que nos rói. Nada mais.»


Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 204

«Roído por uma dor dilacerante...»


Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 196

«Ela atraiu-o para o abismo.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 192

«A vida, a existência, o destino não podem ser completamente desprovidos de sentido.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 191
Ora, neste nosso tempo de ruídos, grunhidos e seringas palrantes há, mais que a tendência, o imperativo categórico de considerar que dizer muito, palrar carradas de tanto, entornar-se por inúmeros púlpitos, palcos e pedestais, é dizer alguma coisa e é ser muito livre a todas as horas e minutos. Confunde-se liberdade com mera incontinência crónica; mascara-se opinião com mero despejo; trafica-se a mais gritante ignorância e, não raro, a mais rotunda falta de educação ou resquício de vértebra moral como sendo expressão de alguma coisa. Na verdade, a expressão duma ausência não exprime coisa nenhuma nem significa nada que seja. Assim sendo, não é livre nem deixa de o ser: pura e simplesmente, não é. É zero ou abaixo disso. E todavia, protagoniza, às escâncaras, o mais ubíquo dos fenómenos actuais, com devido patrocínio, impingência e promoção de meia dúzia de agências globosas. Mais até que avanço desbordante, adquire já contornos de enxurrada. "Podeis dizer tudo o que vos apeteça, desde que não digais coisa nenhuma", constitui o lema. É a cultura do solta-aleive como antídoto para a sempre indesejável inflamação da inteligência. Castra-se hoje a mente através da saturação noticiosa, como dantes se procurava exaurir através da escassez. Só que com bem maior perversidade e eficácia. A vítima da logocastração dispensa até torcionários sempre dispendiosos: automutila-se. Acaba esterilizada no seu próprio verbo hipersalivado. Sucumbe ao seu próprio vesúvio emissor. Enquanto palra, não pensa. Enquanto debita, não reflecte. Enquanto pasta notícia, ou gargareja sensação, ou cospe palpite, não digere (nem, vagamente, assimila). Quanto mais imerge no palanfrório desatado, mais se impermeabiliza a qualquer tipo de ponderação, equilíbrio ou ideia. Em bom rigor, nem opiniões ostenta, porque, à falta de esqueleto próprio, nem cabide ortopédico tem onde pendurá-las. Se tanto, resume-se ao esfregão mental, à amálgama de desperdícios de plantão a óleos, sordidezes e gorduras de garagem ou estação de serviço mediática. Porque se não despeja, convencem-no todos os dias, não existe. Mas se não absorve, pior ainda: não tem.
Contudo, este primado da quantidade não impera apenas no universo mediático: a própria literatura, a música, as artes enfim, também já cumprem os seus preceitos campeões. Ainda mais formatada e passevitada que a "expressão jornalística" anda a "expressão artística". Confundem-se até, expressão política, jornalística, artística e até científica, num puré uníssono, numa papa milupa comum. Cumprem o mesmo critério editorial: os mesmos que determinam quem escreve nos jornais ou aparece nas televisões, condiciona e filtra quem escreve nos romances, nos compêndios e CDs, ou seja, quem é catapultado nas editoras e embandeirado nos media. Mas não se pense que são apenas os donos do harém quem torce e distorce a seu bel-prazer: os próprios eunucos policiam-se, emulam-se, lambuzam-se, envazelinam-se, promovem-se e catam-se uns aos outros. No fundo, tudo se degrada doravante a mera xaropada publicitária, e não é apenas o jornal que se relaxa a pasquim imarcescível: é a própria linguagem literária (onde podemos incluir a "científica", na sub-cave) que estiola ao nível da mera bacoralalia efervescente de slogans, receitas, telegramas e anedotas. De tal modo que, se a ficção mediática raramente excede a prosopopeia ranhosa, já a literária, por seu turno, sem vergonha nem remorso, desalambica-se pelo algeroz duma contínua onomatopeia dodot.



coutada


nome feminino
1. terra defesa
2. mata onde se criava caça para os reis e senhores ou seus convidados

Diário de Cefaleia


[sábado à noitinha]
Acolher a dor antes dos trinta revela-se amoral,
i.e., ninguém prepara o tormento, 
a inaptidão generalizada faz-nos pares,
senhorios deste condomínio de osso,
insuportável e tornado crónico.
Que se foda a terapêutica, enfermo; fé na resiliência.

(inédito.)

Cláudia Lucas Chéu


sábado, 17 de outubro de 2015


«Em mim, também; coisa nenhuma
pudera até então ser entendida.»


Pedro TamenRetábulo das Matérias (1956-2001). Gótica, 2000, Lisboa., p. 149
«Agora são lumes o que escorre?
Ou céu parado e nervo
entrega a tua boca?»


Pedro TamenRetábulo das Matérias (1956-2001). Gótica, 2000, Lisboa., p. 147

«Agora eu estou em ti e tu em mim.»


Pedro TamenRetábulo das Matérias (1956-2001). Gótica, 2000, Lisboa., p. 146

«tu sentas-te ao meu lado e o trigo reverdece.»


Pedro TamenRetábulo das Matérias (1956-2001). Gótica, 2000, Lisboa., p. 140

« - Amor, é amar.»


Pedro TamenRetábulo das Matérias (1956-2001). Gótica, 2000, Lisboa., p. 139

''mas tanto, por tão pouco, e acabou.''


Pedro TamenRetábulo das Matérias (1956-2001). Gótica, 2000, Lisboa., p. 134

«Se dia, porque dia, como dia,
se agora, mas ainda, com que foi,
palavras, cumprimento, anoitecia,
mas nada, porque nada, porque dói.»



Pedro TamenRetábulo das Matérias (1956-2001). Gótica, 2000, Lisboa., p. 134

«ALLMERS (aproxima-se dela)   Rita! Eu suplico em nome da tua felicidade e da minha, não te entregues a maus pensamentos.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 188

Tu tens uma natureza terrivelmente ciumenta


«RITA    Se eu descobrir que te sou indiferente, que tu já não me amas como dantes.
ALLMERS   Mas Rita: qualquer relação humana muda com o passar dos anos. É uma lei à qual todos estamos submetidos.
RITA      Eu não! Nem tu. Não quero saber de mudanças em ti. Não quero, já disse, Alfred! Quero conservar-te só para mim.
ALLMERS  (com um olhar preocupado)   Tu tens uma natureza terrivelmente ciumenta.»



Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 186/7
«ALLMERS (encolhe os ombros)    De que vale exigir, Rita? O coração tem que ser livre para poder entregar-se.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. Quando nós, os mortos, despertamos. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 184

««A felicidade, quando chega de repente, é como as chuvas de Primavera.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. Quando nós, os mortos, despertamos. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 181

«BORGHEIM    Ah! A Senhora conduz o seu marido com rédea curta.
RITA                      Não abdico dos meus direitos. E depois, tudo tem um fim.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. Quando nós, os mortos, despertamos. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 179

«Eu quero criar na alma dele o sentimento da felicidade.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. Quando nós, os mortos, despertamos. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 178

«EYOLF   Diga-me, Tia, a Tia não acha que ela tem um nome estranho, a mulher dos ratos?
ASTA         As pessoas chamam-lhe assim porque ela anda pelos campos e pelas praias a expulsar os ratos.
ALLMERS    Acho que o verdadeiro nome dela é Sra. Lupus.
EYLOF          Lupus é lobo em latim!»


Henrik IbsenPeças escolhidas 1. Quando nós, os mortos, despertamos. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 169

«GIOVANNA (compreende que dormira apoiada no vizinho - '' I'm so sorry.'' (Com um sorriso doce, entre a afirmação e a interrogação.) ''You were not here when I fell asleep..''

JEAN (mentindo) - ''And you were not so close to me when I  fell asleep myself. It's amazing. We met in dreams befores we spoke to each other.''


José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 20


«A mão da mulher, branca, de unhas polidas e dedos longos, quase roça a do homem. Ele consegue, sem a acordar, que as suas mãos se toquem. (Plano americano dos dois.) O contacto fá-la estremecer, mas ela não se afasta. Pelo contrário, aperta-se mais contra ele.»



José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 19

«Todas as coisas são um centauro. Se assim não fosse o mundo apodreceria, estéril e inerte.»

Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 278
«O espírito é uma ave carnívora que jamais cessa de ter fome, que devora a carne e a faz desaparecer, assimilando-a.»

Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 277
« - Cheguei ao fim e no fim de cada caminho encontrei sempre o abismo.»

Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 261