“As emoções são cada vez mais intensas. Logo de seguida impõe-se “A Primavera”, também de Botticelli, e é este o momento de Eduardo Lourenço falar do Renascimento como forma ideal do destino. Se o Renascimento, diz, “se converteu num mito pictórico do Ocidente, não o deve apenas ao génio plástico das suas criações, mas à visão que nelas se plasmou, que não foi e não é outra que não seja a reinvenção do paraíso. Em versão florentina, a “Primavera” de Botticelli. Em versão veneziana, a “Vénus de Urbino” de Tiziano. Temos aí todo o percurso que vai do Adão e Eva expulsos do Paraíso, de Masaccio, a esta metamorfose do amor divino em erótica mais ou menos platónica. Mas também do amor antigo em paradigma de todos os amores futuros”
Ao deter-se em frente ao quadro de Botticelli numa espécie de religiosidade contemplativa, deteta-se um especial brilho vertido sobre a face de Eduardo Lourenço. Há pouca luz na sala. Ao fundo, uns técnicos do museu trabalham numa nova foto de um óleo de Hugo van der Goes. A “Primavera” enfeitiça. Lourenço fixa-se na deusa das flores, ao lado de Vénus, e deixa as mãos numa quietude comprometida, suspenso da beleza daquele rosto imbuído de uma feminilidade extrema. O corpo do ensaísta petrifica na sua imobilidade, mas tudo quento nele é espírito divaga pela sensualidade contida naquela cena. Mesmo se tivesse todas as manhãs do mundo para a contemplar, jamais conseguiria beber por inteiro o arco-íris de sensações, sentidos e sentimentos nela contidos.”
Valdemar Cruz “Eduardo Lourenço e o regresso à inocência nos Uffizi em Florença”, in The Economist, Outono 2010, p.
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