quinta-feira, 30 de julho de 2020

Romain Rolland Premio Nobel da literatura, humanista e pacifista, amigo de Tagore e de Gandhi, a quem em 1921 já Stefan Zweig designou como a consciência moral da Europa: “Fazendo, enganamo-nos algumas vezes; não fazendo, enganamo-nos sempre!”
Man Ray

“Lágrimas de vidro” (1932

Véu- Pedra

Título de Exposição de Luísa Jacinto

''A Pintura como ilusão teatral; e como trabalho simultaneamente violento de delicado.''

sobre a pintura

'' (...) aquilo a que chamamos “pintura” é, em rigor, um labor alquímico de pigmentos (cádmios, iridiscências, castanhos, cobaltos), algo entre pulverização e decantação. »

Marta Mestre
MÉCIA

Só quem tem comer tem gula,
quem tem dinheiro avareza,
quem tem trabalho preguiça,
quem manda pode ter ira,
quem tem ócio tem luxúria.
quem tem poder tem soberba,
e quem tem fartura inveja.
De todos os sete pecados
nenhum deles cometi.

Fiama Hasse Pais Brandão. Quem move as árvores. Editora Arcádia, 1ª Edição, 1979., p. 39
«Eis-te descoberto, sem que uma palavra haja passado pelos teus lábios.»


Fiama Hasse Pais Brandão. Quem move as árvores. Editora Arcádia, 1ª Edição, 1979., p. 30
«Ao entrar, vi-vos de joelhos perante dois homens que não eram Deus nem seus representantes. Como justificais a vossa atitude, Excelência?»

Fiama Hasse Pais Brandão. Quem move as árvores. Editora Arcádia, 1ª Edição, 1979., p. 29
«Não abandones os teus pensamentos.
Outro dia virão
mais submissos
se sobre ti alcançares
maior domínio.»


Fiama Hasse Pais Brandão. Quem move as árvores. Editora Arcádia, 1ª Edição, 1979., p. 27

« dizei-me tudo o que não sei da minha vida.»

Deixo-me arrastar por fantasias.

Fiama Hasse Pais Brandão. Quem move as árvores. Editora Arcádia, 1ª Edição, 1979., p. 26
«A virtude está no cuidado e nos adubos,
ou melhor, na vontade.»

Fiama Hasse Pais Brandão. Quem move as árvores. Editora Arcádia, 1ª Edição, 1979., p. 25

quarta-feira, 29 de julho de 2020

«Débeis mãos. Mas onde o coração é forte, manda o coração.»

Fiama Hasse Pais Brandão. Quem move as árvores. Editora Arcádia, 1ª Edição, 1979., p. 21
«Rei morto, rei posto. Morre um, vem outro, fica a monarquia.»

Fiama Hasse Pais Brandão.
Quem move as árvores. Editora Arcádia, 1ª Edição, 1979., p. 13
A sua capacidade de comunicar
pode ser avaliada pela reacção
da pessoa com quem está a tentar comunicar.


Mamoru Itoh. Quero falar-te dos meus sentimentos. Padrões Culturais Editora. 1ª Edição, Lisboa, Janeiro de 2009., p. 40
Quando as comunicações não concretizadas
se acumulam,
as nossas emoções tornam-se instáveis.

Tornamo-nos
tristes,
preocupados,
zangados,
preconceituosos,
pouco amigáveis.

E, de vez em quando, explodimos

Mamoru Itoh. Quero falar-te dos meus sentimentos. Padrões Culturais Editora. 1ª Edição, Lisboa, Janeiro de 2009., p. 32/33

terça-feira, 28 de julho de 2020

 “No céu cinzento sob o astro mudo/Batendo as asas pela noite calada/Vêm em bandos com pés de veludo/Chupar o sangue fresco da manada”

José Afonso
''Sobre a voracidade da globalização capitalista e sobre a correlacionada crise das democracias liberais (...)''

''Como refere Davis, a experiência da era Obama mostrou que "black faces in high places" não é base para um projeto revolucionário de massas que só poderá ser organizado nas ruas, por força de base comunitária. Outro aspecto que a autora realça é que, embora figuras como Martin Luther King e Malcom X sejam inspiradoras, é preciso romper lógicas de organização assentes em lideranças individuais (componente ideológica central do neoliberalismo), carismáticas e masculinizadas. Esse é um trabalho que o Black Lives Matter tem realizado. Embora Alicia Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi sejam as mulheres negras fundadoras deste movimento, o protagonismo e a liderança são descentralizados e colectivos.´´


Filósofa, professora universitária, ex-candidata à vice-presidência dos EUA pelo Partido Comunista nas eleições de 1980 e 1984, Angela Yvone Davis nasceu numa família pobre e negra do Alabama, em Janeiro de 1944.

“Language is a process of free creation; its laws and principles are fixed, but the manner in which the principles of generation are used is free and infinitely varied. Even the interpretation and use of words involves a process of free creation.”

Noam Chomsky in: “Language and Freedom” (1970)

“Não quero saber para crer, mas crer para saber”

Santo Anselmo de Cantuária

“Com o coração se pede. Com o coração se procura. Com o coração se bate e é com o coração que a porta se abre.”

Santo Agostinho de Hipona

“Psychologically our thought-apart from its expression in words-is only a shapeless and indistinct mass.”

“Cours de linguistique générale”,  Ferdinand de Saussure
“Mémoire sur le système primitif des voyelles dans les langues indo-européennes”, 1879.

Ferdinand de Saussure
''Frida: Com a minha irmã? Seu animal!

Diego: Sou uma besta, um idiota, mas não significou nada. Nada! Fale comigo.

Frida: Tive dois acidentes trágicos na minha vida. O bonde e você. E você foi o pior.''

Pintora mexicana Frida Kahlo
''Médico: Seu pé está assim desde quando?

Frida: Sei lá. Vamos com uma desgraça de cada vez. Engesse-me para eu poder pintar.

Médico: É gangrena. Terei que amputá-lo. Sorte sua salvar a perna.''

Pintora mexicana Frida Kahlo

''gradações inteligíveis''


Inimigo Rumor. Alfonso Berardinelli. Livros Cotovia., p. 141
«Montale fora em Itália o ponto culminante da poesia tardo e pós-simbolista, um virtuoso maneirista do monólogo alusivo, cifrado, em código. Pasolini partira do lirismo dialectal para desembocar no poemeto civil. Tanto um como outro, no início dos anos setenta, conduzem a poesia rumo à prosa. Montale, de Satura em diante, torna-se um poeta satírico, coloquial, cerimonial, semi-jornalístico e ligeiramente auto-divulgativo.»


Inimigo Rumor. Alfonso Berardinelli. Livros Cotovia., p. 141

It's Bad You Know - R.L. Burnside

It's bad you know
It's bad you know
She'd asked me why
I just went on' told her
She'd asked me why
I just went on' told her
She'd asked me why
I just went on' told her
She'd asked me why
I just went on' told her
That Engineer blowed no whistle at all
No Fireman he rang his bell
That Engineer blowed no whistle at all
No Fireman he rang his bell
That Engineer blowed no whistle at all
No Fireman he rang his bell
That Engineer blowed no whistle at all
No Fireman he rang his bell
It's bad you know
She'd asked me why
I just went on' told her
She'd asked me why
I just went on' told her
It's bad you know
It's bad you know
Compositores: R.l. Burnside / Tom Rothrock

''magma linguístico''


Inimigo Rumor. Alfonso Berardinelli. Livros Cotovia., p. 140
«(...), a língua poética é definida como esvaziamento e suspensão do significado.»

Inimigo Rumor. Alfonso Berardinelli. Livros Cotovia., p. 139
«(...) a poesia é aquilo que é, a poesia é poesia.»

Inimigo Rumor. Alfonso Berardinelli. Livros Cotovia., p. 138
a infinita conversação sobre ruminações filosóficas.

UM CÉU DE FUNCIONÁRIOS


Inimigo Rumor. Luís Miguel Nava. Livros Cotovia., p. 137

sábado, 18 de julho de 2020

“Eisenhower Blues” e ''Alabama Blues''

Em “Eisenhower Blues”, por exemplo, Lenoir alfineta a política econômica do governo do então presidente dos EUA. Já a questão da guerra é tratada em canções como “Korea Blues” e “Vietnam Blues”. 

“Vietnam Vietnam, everybody’s cryin’ about Vietnam
Vietnam Vietnam, everybody’s cryin’ about Vietnam
These lonely days are killing me down in Mississippi,
nobody seems to give a damn (…)”

Levando-se em consideração a efervescência dos movimentos pelos direitos civis da época, várias de suas canções denunciam o racismo e a vida sofrida dos negros que viviam nos estados sulistas. Em “Alabama Blues” J. B. desabafa:

“I never will go back to Alabama, that is not the place for me,
I never will go back to Alabama, that is not the place for me,
You know they killed my sister and my brother,
And the whole world let them peoples go down there free.”
“The death of J. B. Lenoir”:

“A car has killed a friend down in Chicago, thousand miles away
A car has killed a friend down in Chicago, thousand miles away
When I read the news, night came early in my day
J.B Lenoir is dead and it’s hit me like a hammer blow
J.B Lenoir is dead and it’s hit me like a hammer blow
I cry inside my heart that the world can hear my man no more”

John Mayall, canção

''Provavelmente a maior, não é a confirmação que eu gosto mais, mas por razões pessoais. Para mim é a Manuela Azevedo. Representa o mesmo que a Beth Gibbons, porque cresci tanto com Clã como com Portishead.

Acho que é uma comparação perfeitamente justa. A Manuela é o maior talento em palco que nós temos em Portugal. Acho mesmo, sem querer estar a beijar rabinhos, a Manuela até comove, a energia que ela tem. Eu sei que falar da energia da Manuela é um clichê, mas é um lugar comum que tem toda a justificação em tornar-se um lugar comum, porque é insuperável. A destreza dela, não só a cantar, como até a dançar, ela fez uma coisa de teatro bailado no São Luiz recentemente. o domínio que ela tem dos instrumentos de percussão, depois canta ao mesmo tempo, depois passa para o piano. Felizmente é reconhecido, mas acho que não é suficientemente reconhecido.''

(Samuel Úria, cantautor)

Factos lamentáveis

''A língua portuguesa, falada com romantismos e cortesias caiu em desuso. ''
''Uma vez descobri um músico, o R.L. Burnside, que também quebrou um bocado essa noção do Blues, com a introdução de ritmos, não é R&B, mas é um Blues com uma certa felicidade, vindo de uma pessoa que viveu uma vida miserável, típico de um músico de Blues.''

(Samuel Úria, cantautor)

segunda-feira, 13 de julho de 2020



«(...); um rosto de deserção, murcho e contrito: era o rosto , que ela amara, imaturo e pervertido, de um homem, se homem inteiramente se lhe podia chamar, incompleto e desgraçadamente deslumbrado consigo próprio, empolgado por uma intranquila vocação de experiência e de mudança, que lhe não permitia fixar-se em ninguém, em coisa alguma. Estrago com facilidades, desde a infância pródiga, e ainda justo, ainda generoso, mas vacilante, no fim daquela adolescência desbaratada em jogatinas, em bilhetes de cafés, em cinemas de matar o tempo, perdido em colecções de amorios até ao fastio, entre os seios de meninas radiofónicas, de coristas, de americanas estéreis em busca de macho, sem um ideal qualquer, bastante forte para o polarizar.»


Urbano Tavares Rodrigues. Bastardos do Sol. Prefácio de Claude Michel Cluny. Círculo de Leitores, 1974., p. 71/2
«(...), há uma pérola visível na pálpebra da noite - actriz pornô.»

Inimigo Rumor
. Rosanna Piccolo. Livros Cotovia., p. 127

cravagem

BOTÂNICA doença das gramíneas produzida por um fungo ascomicete, fungão, morrão, cornicão, cornecho

Não-silêncio


Inimigo Rumor. Helga Moreira. Livros Cotovia., p. 126

«Bebo-te a fome, o lume, os lábios.»


Inimigo Rumor. Helga Moreira. Livros Cotovia., p. 126
«(...) E da lembrança branca. Branca e crua morte branca. BRANCA MORTE.»


Inimigo Rumor. Helga Moreira. Livros Cotovia., p. 107 
«O Senhor se incomoda em morar debaixo da ponte, com sua mulher tão jovem, um filho pequeno, comendo lixo das ruas, com ratos e baratas ao redor, num barraco de papelão que o fogo acabou de queimar? O senhor está triste?»

Inimigo Rumor. Donizete Galvão. Livros Cotovia., p. 107 

Antero de Quental

Antero Tarquínio de Quental (Ponta Delgada, 18 de abril de 1842 — Ponta Delgada, 11 de setembro de 1891) foi um escritor e poeta português do século XIX que teve um papel importante no movimento da Geração de 70. Durante a sua vida, Antero de Quental dedicou-se à poesia, à filosofia e à política. Esteve em Coimbra aos 16 anos, ali estudando Direito e manifestando as primeiras ideias socialistas. Ainda em 1866 mudou-se para Lisboa, onde experimentou a vida de operário, trabalhando como tipógrafo, profissão que exerceu também em Paris. Foi um dos fundadores do Partido Socialista Português. Em 1869, fundou o jornal A República, com Oliveira Martins.. Cometeu suicídio no dia 11 de setembro de 1891, com dois tiros, num banco de jardim.
“Essas coisas todas — / — Essas e o que falta nelas eternamente”
“No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, 
Eu era feliz e ninguém estava morto. 
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, 
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
 […]” 

Fernando Pessoa
“[…] 
Quando eu me sento à janela, 
P'los vidros que a neve embaça
 Julgo ver a imagem dela
 Que já não passa… não passa…” 

Fernando Pessoa
Álvaro de Campos

O que há em mim é sobretudo cansaço —

O que há em mim é sobretudo cansaço —

Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,

As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto em alguém,

Essas coisas todas —

Essas e o que falta nelas eternamente —;

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada —

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Porque eu amo infinitamente o finito,

Porque eu desejo impossivelmente o possível,

Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,

Ou até se não puder ser...

E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,

Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...

Para mim só um grande, um profundo,

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,

Um supremíssimo cansaço,

Íssimo, íssimo, íssimo,

Cansaço...

9-10-1934

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).

  - 64.

 

ODE TRIUNFAL

Álvaro de Campos

ODE TRIUNFAL


À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica

Tenho febre e escrevo.

Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,

Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

 

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!

Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!

Em fúria fora e dentro de mim,

Por todos os meus nervos dissecados fora,

Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!

Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,

De vos ouvir demasiadamente de perto,

E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso

De expressão de todas as minhas sensações,

Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

 

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical —

Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força —

Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,

Porque o presente é todo o passado e todo o futuro

E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas

Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,

E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,

Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,

Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,

Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,

Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.

 

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!

Ser completo como uma máquina!

Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!

Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,

Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento

A todos os perfumes de óleos e calores e carvões

Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!

 

Fraternidade com todas as dinâmicas!

Promíscua fúria de ser parte-agente

Do rodar férreo e cosmopolita

Dos comboios estrénuos,

Da faina transportadora-de-cargas dos navios,

Do giro lúbrico e lento dos guindastes,

Do tumulto disciplinado das fábricas,

E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!

 

Horas europeias, produtoras, entaladas

Entre maquinismos e afazeres úteis!

Grandes cidades paradas nos cafés,

Nos cafés — oásis de inutilidades ruidosas

Onde se cristalizam e se precipitam

Os rumores e os gestos do Útil

E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!

Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!

Novos entusiasmos de estatura do Momento!

Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas às docas,

Ou a seco, erguidas, nos planos-inclinados dos portos!

Actividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific!

Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis,

Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots,

E Piccadillies e Avenues de L’Opéra que entram

Pela minh’alma dentro!

 

Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hô la foule!

Tudo o que passa, tudo o que pára às montras!

Comerciantes; vários; escrocs exageradamente bem-vestidos;

Membros evidentes de clubes aristocráticos;

Esquálidas figuras dúbias; chefes de família vagamente felizes

E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete

De algibeira a algibeira!

Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa!

Presença demasiadamente acentuada das cocotes

Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?)

Das burguesinhas, mãe e filha geralmente,

Que andam na rua com um fim qualquer;

A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos;

E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra

E afinal tem alma lá dentro!

 

(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!)

 

A maravilhosa beleza das corrupções políticas,

Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,

Agressões políticas nas ruas,

E de vez em quando o cometa dum regicídio

Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus

Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana!

 

Notícias desmentidas dos jornais,

Artigos políticos insinceramente sinceros,

Notícias passez à-la-caisse, grandes crimes —

Duas colunas deles passando para a segunda página!

O cheiro fresco a tinta de tipografia!

Os cartazes postos há pouco, molhados!

Vients-de-paraître amarelos como uma cinta branca!

Como eu vos amo a todos, a todos, a todos,

Como eu vos amo de todas as maneiras,

Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto

E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim!)

E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!

Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!

 

Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura!

Química agrícola, e o comércio quase uma ciência!

Ó mostruários dos caixeiros-viajantes,

Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da Indústria,

Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios!

 

Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó últimos figurinos!

Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!

Olá grandes armazéns com várias secções!

Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e desaparecem!

Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!

Eh, cimento armado, beton de cimento, novos processos!

Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos!

Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!

Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.

Amo-vos carnivoramente.

Pervertidamente e enroscando a minha vista

Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,

Ó coisas todas modernas,

Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima

Do sistema imediato do Universo!

Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!

 

Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks,

Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes —

Na minha mente turbulenta e encandescida

Possuo-vos como a uma mulher bela,

Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama,

Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima.

 

Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!

Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!

Eh-lá-hô recomposições ministeriais!

Parlamentos, políticas, relatores de orçamentos,

Orçamentos falsificados!

(Um orçamento é tão natural como uma árvore

E um parlamento tão belo como uma borboleta).

 

Eh-lá o interesse por tudo na vida,

Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas montras

Até à noite ponte misteriosa entre os astros

E o mar antigo e solene, lavando as costas

E sendo misericordiosamente o mesmo

Que era quando Platão era realmente Platão

Na sua presença real e na sua carne com a alma dentro,

E falava com Aristóteles, que havia de não ser discípulo dele.

 

Eu podia morrer triturado por um motor

Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída.

Atirem-me para dentro das fornalhas!

Metam-me debaixo dos comboios!

Espanquem-me a bordo de navios!

Masoquismo através de maquinismos!

Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!

 

Up-lá hô jockey que ganhaste o Derby,

Morder entre dentes o teu cap de duas cores!

 

(Ser tão alto que não pudesse entrar por nenhuma porta!

Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!)

 

Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais!

Deixai-me partir a cabeça de encontro às vossas esquinas.

 

E ser levado da rua cheio de sangue

Sem ninguém saber quem eu sou!

 

Ó tramways, funiculares, metropolitanos,

Roçai-vos por mim até ao espasmo!

Hilla! hilla! hilla-hô!

Dai-me gargalhadas em plena cara,

Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas,

Ó multidões quotidianas nem alegres nem tristes das ruas,

Rio multicolor anónimo e onde eu me posso banhar como quereria!

Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto!

Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro,

As dissensões domésticas, os deboches que não se suspeitam,

Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto

E os gestos que faz quando ninguém pode ver!

Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva,

Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome

Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos

Em crispações absurdas em pleno meio das turbas

Nas ruas cheias de encontrões!

 

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,

Que emprega palavrões como palavras usuais,

Cujos filhos roubam às portas das mercearias

E cujas filhas aos oito anos — e eu acho isto belo e amo-o! —

Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.

A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa

Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.

Maravilhosamente gente humana que vive como os cães

Que está abaixo de todos os sistemas morais,

Para quem nenhuma religião foi feita,

Nenhuma arte criada,

Nenhuma política destinada para eles!

Como eu vos amo a todos, porque sois assim,

Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,

Inatingíveis por todos os progressos,

Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!

 

(Na nora do quintal da minha casa

O burro anda à roda, anda à roda,

E o mistério do mundo é do tamanho disto.

Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.

A luz do sol abafa o silêncio das esferas

E havemos todos de morrer,

Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,

Pinheirais onde a minha infância era outra coisa

Do que eu sou hoje...)

 

Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante!

Outra vez a obsessão movimentada dos ónibus.

E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios

De todas as partes do mundo,

De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios,

Que a estas horas estão levantando ferro ou afastando-se das docas.

Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado!

Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores!

 

Eh-lá grandes desastres de comboios!

Eh-lá desabamentos de galerias de minas!

Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos!

Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,

Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões,

Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o fim,

A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,

E outro Sol no novo Horizonte!

 

Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto

Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,

Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?

Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,

O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,

O Momento estridentemente ruidoso e mecânico,

O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes

Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais.

 

Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar,

Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos, Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,

Engenhos brocas, máquinas rotativas!

 

Eia! eia! eia!

Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!

Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente!

Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!

Eia todo o passado dentro do presente!

Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!

Eia! eia! eia!

Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!

Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!

Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.

Engatam-me em todos os comboios.

Içam-me em todos os cais.

Giro dentro das hélices de todos os navios.

Eia! eia-hô! eia!

Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!

 

Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!

Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!

 

Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!

 

Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!

Hé-la! He-hô! H-o-o-o-o!

Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!

 

Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!

 

                        Londres, 1914 — Junho.

6-1914

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).

 - 144.

1ª publ. in Orpheu, nº1. Lisboa Jan.-Mar. 1915. Lacunas completadas segundo: Álvaro de Campos - Livro de Versos. Fernando Pessoa. (Edição Crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993

sábado, 4 de julho de 2020

Vivem em nós inúmeros; 
Se penso ou sinto, ignoro
 Quem é que pensa ou sente. 
Sou somente o lugar
 Onde se sente ou pensa. 

Tenho mais almas que uma. 
Há mais eus do que eu mesmo.
 Existo todavia 
Indiferente a todos, 
Faço-os calar: eu falo. 

Os impulsos cruzados 
Do que sinto ou não sinto
 Disputam em quem sou. 
Ignoro-os. Nada ditam 
A quem me sei: eu 'screvo. 

Fernando Pessoa