terça-feira, 1 de agosto de 2017

“Sempre olháramos longe. Seria necessário aprender a viver o dia-a-dia? Estávamos sentados lado a lado sob as estrelas, tocados pelo aroma cipreste, nossas mãos se encontravam; o tempo havia parado um instante. Iria continuar a escorrer. E então? Sim ou não, poderia ainda trabalhar? Minha raiva contra Filipe se esfumaria? A angústia de envelhecer me retomaria? Não olhar muito longe. Longe seriam os horrores da morte e dos adeuses. Seria a dentadura, a ciática, as enfermidades, a esterilidade mental, a solidão em um mundo estranho que não compreenderíamos mais e que prosseguiria seu curso sem nós. Conseguiria não levantar os olhos para esses horizontes? Quando aprenderia a percebê-los sem pavor? Nós estamos juntos, é a nossa sorte. Nós nos auxiliaremos a viver essa derradeira aventura da qual não retornaremos. Isso no-la tornará tolerável? Não sei. Esperemos. Não temos escolha.”


Simone de Beauvoir, no livro “A mulher desiludida”. [tradução Helena Silveira e Maryan A. Bon Barbosa]. 2ª ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.

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