domingo, 26 de janeiro de 2014

RESSURREIÇÃO


A meio da tarde sou um morto qualquer,
e o desejo uma duna que se estende
no seu próprio deserto, no seu pântano sem ondas.
Por não querer saber não sonho nem com a paisagem,
deixo de ouvir o território que disseca o rio
como se fosse o esqueleto em funga
da miragem, pedra que ancorou sob o silêncio.

Tudo se altera na noite. As estrelas ressurgem
de poliedros fulgurantes. São despertos os felinos
que rasgam com veemência um sol que se fez sombra.
A sede põe-se em pé, com metáforas cresce
no alto arvoredo do coração profundo.
Aqui canta o enigma dos bosques,
o círculo que aquece o teu corpo no meu:
bela praia-mar dos sentidos plenos,
ebriedade e delírio da ressurreição.



Justo Jorge Padrón. Extensão da Morte. Editorial Teorema, 2000., p. 27