terça-feira, 21 de janeiro de 2014

I

«Um enterro no campo:
  A tarde parecia vagarosa, como acontece às vezes em que acrescentamos às obrigações de todos os dias um dever que não sabemos qualificar. Neste caso, o enterro dum amigo. É muito difícil descrever uma amizade quando se tem tudo para a pôr de parte. Tudo, como a juventude, o futuro prometedor e a espécie de indústria cega que é o talento. Este tem qualquer coisa de desumano. Escorrega-nos dos dedos sem que se possa evitar o egoísmo que compõe a sua matéria e o seu uso. Ele não se adapta a qualquer conselho moral ou imoral. Apodera-se das nossas entranhas e deixa-as secas para tudo o que não seja a sua obra.
    No entanto, eu tinha tido um amigo naquele homem que fazia da infelicidade um desporto da alma.»


Agustina Bessa-Luís. Doidos e Amantes. 2ª edição, Lisboa Guimarães Editores, 2005., p. 9