segunda-feira, 27 de junho de 2011

      «Um belo dia encontrou em cima da sua mesa uma carta da Academia das Belas-Artes em que lhe era pedido que, na sua qualidade de membro emérito, desse a sua opinião sobre uma obra nova, enviada de Itália, pintada por um russo que aperfeiçoara a sua arte nesse país. Este pintor era um dos seus antigos colegas, um artista que guardara desde os seus verdes anos a paixão pela arte, que mergulhara nela com toda a sua alma ardente de trabalhador, que se afastara dos amigos e da família, que abandonara os queridos hábitos e correra para as terras onde, sob os céus divinos, amadurecem os majestosos viveiros das artes - para aquela Roma divina de que basta apenas dizer o nome para que pulse forte e plenamente o coração do artista. Lá, como um eremita, embrenhou-se no trabalho e nos estudos, sem se deixar distrair com nada. Tanto se lhe dava que os outros cochichassem sobre o seu carácter, sobre a sua incapacidade de lidar com o próximo, sobre a violação das regras da boa educação mundana, sobre a humilhação que a sua roupa pobre e deselegante causava ao título de artista. Não lhe importava que os seus irmãos artistas estivessem ou não zangados com ele. Desprezava tudo, entregava-se todo à arte. Visitava incansavelmente as galerias, ficava horas absorto diante as obras dos grandes mestres, na busca, na perseguição do pincel milagroso. »



Nikolai Gógol. Contos de São Petersburgo. O Retrato. Tradução do russo de Nina Guerra e Filipe Guerra. Biblioteca editores Independentes. Assírio&Alvim, Lisboa, 2007, p. 113

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