TREPLEV (Entra, sem chapéu, com uma espingarda.
Traz na mão uma gaivota morta) Está aqui
sozinha?
NINA Sozinha. (TREPLEV poisa a gaivota no chão,
aos pés de NINA) Que quer isto dizer?
TREPLEV Hoje cometi um acto desprezível. Matei esta
gaivota. E agora deponho-a a teus pés.
NINA Mas o que é que tu tens? (Pega na gaivota e
observa-a).
TREPLEV (Após uma pausa) Não vai tardar muito que
eu me mate também.
NINA Não estou a reconhecer-te.
TREPLEV Foi desde que eu deixei de te reconhecer a ti.
Mudaste, no teu comportamento para comigo.
Tens um olhar frio...a minha presença constran-
ge-te.
NINA E tu, de há algum tempo para cá, tornaste-te
irritável. Nem é fácil apanhar o sentido do
que tu dizes - parece que falas por símbolos.
Quer parecer-me que esta gaivota também
é um símbolo, obviamente, mas não o
entendo, desculpa-me. (Põe a gaivota em
cima do banco) Sou demasiado simples para
poder entender-te.
TREPLEV Tudo começou naquela noite, com o falhanço
da minha peça. Um falhanço estúpido! E as
mulheres não perdoam nunca o insucesso. Já
queimei a peça, não ficou nem uma folha. Se
tu soubesses como eu me sinto infeliz. Essa
tua frieza é horrível. É inacreditável. Sinto-me
como se tivesse acordado de repente, e visse
o lago todo seco, bebido pela terra. Disseste
que eras simples de mais para me entenderes.
Mas entenderes o quê? A minha peça desa-
gradou a todos. E tu não dás valor à minha
inspiração, consideras-me medíocre, uma
nulidade, como a maior parte das outras pes-
soas...(Bate com um dos pés) Ah, como eu
estou a compreender tudo, a compreender
muitíssimo bem! É como se me tivessem dado
uma martelada na cabeça. Maldito! Maldito
orgulho que me está a sugar o sangue até à
derradeira gota, que é como uma víbora...
(Vê TRIGORIN a aproximar-se, lendo o seu
bloco de apontamentos) Eis que vem aí um
verdadeiro génio, tem as passadas de Hamlet,
e, como ele, avança de livro na mão. (Zomba)
''Words, words, words...'' Ainda este sol
vem longe e já o teu sorriso desponta. A
frieza do teu olhar aquece sob os seus raios.
Não quero ser importuno. (Sai, rápido)
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.48-50
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