domingo, 28 de outubro de 2012
«Chora por coisas
longínquas.
Areia quente do Sul
que pede camélias brancas.
Chora a flecha sem alvo,
a tarde sem manhã,
e o primeiro pássaro morto
sobre os ramos.
Oh, guitarra!
Coração despedaçado
por cinco espadas.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 67
longínquas.
Areia quente do Sul
que pede camélias brancas.
Chora a flecha sem alvo,
a tarde sem manhã,
e o primeiro pássaro morto
sobre os ramos.
Oh, guitarra!
Coração despedaçado
por cinco espadas.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 67
(...)
«Chora Rosa, a dos Cambórios,
sentada na sua porta
com seus dois seios cortados
e postos numa bandeja.
Outras raparigas correm
perseguidas pelas tranças,
enquanto no ar rebentam
rosas de pólvora negra.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 61
«Chora Rosa, a dos Cambórios,
sentada na sua porta
com seus dois seios cortados
e postos numa bandeja.
Outras raparigas correm
perseguidas pelas tranças,
enquanto no ar rebentam
rosas de pólvora negra.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 61
Prelúdio
Partem as alamedas
mas deixam o reflexo.
Partem as alamedas
mas deixam-nos o vento.
Porém, deixam ecos
flutuando à flor dos rios.
Um mundo de pirilampos
invadiu minha lembrança.
E um coração pequeno
vai-me nascendo nos dedos.
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 37
domingo, 21 de outubro de 2012
Separando os poetas «em pessoas que fazem a sua poesia andando pelos caminhos» e «pessoas que fazem a sua poesia sentados à sua mesa»
Andrée Crabbé Rocha
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 19
«De resto o que é a loucura e o que é o juízo? Simples pontos de vista e mais nada. O doido pode seguir à vontade o seu sonho, sem que ninguém se meta com ele. Tem quem lhe dê de comer, de vestir e calçar nos manicómios.»
Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 153
«O doido diz tudo quanto lhe passa pela cabeça. (E continuando a falar impertubável faz-lhe sinal que volte para trás e aproxima o dedo da campainha.) Ninguém estranha.
O doido pode andar de chinelos de ourelo pelo Chiado. Quem tem juízo vive constrangido e está sujeito a mil complicações.»
«Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 152/3
«Saiba morrer quem viver não soube.»
Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 147
terça-feira, 16 de outubro de 2012
«É estranho o que se passa na alma em certos momentos. Estranho e horrível. Uma coisa imunda começa a falar, a pregar, a obrigar-nos a fazer aquilo a que não nos supúnhamos destinados...Julgar? mas julgar o quê?...O homem que tu és? ou o homem que está por detrás de ti? Julgar-te! julgar uma alma! Uma alma!...Foi talvez por isso que Aquele que sabemos disse um dia: - Não julgarás! (...)»
Raúl Brandão. O Rei Imaginário. Monólogo..Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 124/5
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
«Cada noite significava-lhe um nada, uma sepultura, uma extinção. Ele ainda não tinha aprendido a morrer ao fim de cada dia sem se preocupar.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 55
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««(...), sem poder explicar a ninguém o que já sabia ser, e ansiar por alguém que o compreendesse...Isso é amor! Mas para senti-lo é preciso ser jovem e solitário.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 55
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A paixão é apenas um refúgio, no qual estar com o outro significa solidão duplicada
«Se Bozena fosse bela e pura, e se nessa época ele fosse capaz de amar, talvez a mordesse toda, exasperado até à dor o seu prazer sexual e o dela. Pois a primeira paixão adolescente não é de amor por uma pessoa, mas sim de ódio a todas as pessoas. Sentir-se incompreendido e não compreender o mundo não é o efeito de uma primeira paixão, mas a sua causa. A paixão é apenas um refúgio, no qual estar com o outro significa solidão duplicada.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 48
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domingo, 14 de outubro de 2012
fome interior
«À noite, sabemos que vivemos mais um dia, que aprendemos isto e aquilo, cumprimos o horário, mas permanecemos vazios, quero dizer, vazios por dentro, e continuamos com uma fome interior...»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 35
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1906,
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O Jovem Törless.,
robert musil
«Há sempre um momento em que já não sabemos mais se estamos a mentir, ou se o que inventamos é mais verdadeiro do que nós próprios. Bom, não quero dizer, textualmente. Nós sempre sabemos que estamos a mentir; apesar disso, a coisa de repente parece tão plausível, que, de certa forma, nós parecemos enredados nos nossos próprios pensamentos.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 34
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O Jovem Törless.,
robert musil
«Os seus olhos não eram sonhadores, mas impassíveis e duros. O hábito de ler livros em que nenhuma palavra podia ser tirada do seu lugar sem alterar o significado oculto do texto, a avaliação prudente de cada frase em busca do seu sentido e até do seu duplo sentido, deram aos seus olhos essa expressão particular.
Só de vez em quando os seus pensamentos perdiam-se num nevoeiro de suave melancolia.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 28/9
«Neste mundo onde se grita, ninguém ouve os gritos dos que sofrem?»
Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 93
«Há duas noites que não durmo. Que reflicto e comparo...A nossa vida humilde, fazendo todos os dias as mesmas coisas talvez inúteis, é a vida? A resignação é a vida? É a pobreza e a desgraça - ou há outra vida?»
Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 91
Sofia, num grito abafado.
Nenhum de nós se conhece. Nenhum de nós se conhece! Temos aqui vivido há muitos anos dominados por uma sombra. Eu já não posso mais!...
Gebo
Filha!
Sofia
Tenho-lhe medo! Tenho-me medo! Antes o não tornasse a ver! O seu coração pôs-se pedra. De noite acorda aos gritos e o seu riso gela-me.
Gebo
Oh!
Sofia
Se o pai visse como eu o vejo!...Se o ouvisse!...
Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 90
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
domingo, 7 de outubro de 2012
O AMOR
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr'a saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar..
Fernando Pessoa
sábado, 6 de outubro de 2012
anuência
nome feminino
acto de anuir; consentimento; aquiescência |
(Do latim annuentĭa, particípio presente neutro plural de annuĕre, «consentir»)
ver tudo
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
«(....) Gastou-se a sonhar, gastou-se a sofrer.»
Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 41
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
acinte
nome masculino
acção praticada com a intenção de contrariar, irritar ou provocar alguém; teima; pirraça |
advérbio
intencionalmente;
por acinte de propósito, de caso
pensado
|
Tremia, mas não corava de pejo.
«Casimiro amava Cristina, Cristina ia chorar com ele, e sabia em que sombras de árvores, ou margens de ribeiras o moço ia chorar.
E ela ia, tremendo de medo e paixão, e a pedir resguardo às asas dos anjos, buscá-lo onde ele estivesse. Tremia, mas não corava de pejo. As flores, que a viam, invejavam-lhe a pureza. Arquejava-lhe o seio cansado de retrair-se: cuidava a doce criatura que o espirar alto a denunciava. Era o ofegar daquele seio como o da avezinha ansiada, que bisca, de fronde em fronde, o ninho que lhe desfizeram. As lágrimas têm seu odor: só lho não pressentem os que as deixam gotejar sem misericórdia, sem dó.»
Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 41
domingo, 30 de setembro de 2012
«Não sei que mistério santo e dulcíssimo está no falarmos da nossa mãe falecida à mulher que bem nos quer. Pode ser que venha esta sensibilidade de recebermos de uma o coração, que damos a outra. Ou, talvez, seja de nos faltarem carinhos de mãe, e cuidar a gente que a esposa no-los há-de reviver.»
Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 26
«Costuma ser a desgraça quem antecipa, com a precoce experiência, a reflexão; porém, observa-se que o juízo - o que comummente se chama siso -, proveniente das lições do infortúnio, é um recolhimento melancólico, misantropo, desumano às vezes, e quase sempre intolerante.»
Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 22
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''Mais tenho que aprender que ensinar.''
Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 21.
Que extensos poemas de lágrimas...
«Que extensos poemas de lágrimas costuma a saudade fazer depois com as reminiscências de uns momentos tão fugitivos!»
Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 20/1.
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sábado, 29 de setembro de 2012
« - É estranho - disse Akshay com um suspiro de tristeza - que quanto mais virtuosa uma mulher é, tanto pior é tratada; parece que o céu reserva as suas mais duras provações àqueles que menos as merecem.»
Rabindranath Tagore. O Naufrágio. Tradução de Telo de Mascarenhas. Editorial Inquérito, Lisboa., p. 209
EM MEMÓRIA: INGVALD BJORNDAL E O SEU CAMARADA
para Nordahl Grieg
Enquanto navegamos e rimos, brincamos e lutamos, a morte vem
E é o fim. Um homem labuta a bordo;
A sua vida apaga-se como um sopro:
Quem saberá dos seus sonhos agora que o mar ruge:
Amei-te, meu amor, mas agora estou morto,
Por isso arranja outra pessoa e esquece-me.
Meus irmãos, eu era tolo, como disseram;
E tolos são quase todos os que põem o seu destino nas mãos do mar.
Muitas lágrimas derramaram por mim, em vão.
Tomem a minha paga. Mãe, Pai, percorri
Um longo caminho para morrer sangrando à chuva.
Comprem-me alguma terra no cemitério do meu país.
Adeus. Por favor lembrem-se como estas palavras
Para os verdes prados e os fiordes azuis.
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.87
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
O RUGIDO DO MAR E A ESCURIDÃO
Ele pediu ao seu fantasma uma visão do mar,
Que pudesse ancorá-lo no meio do pensamento
Para sempre, para que ele pudesse resignar~se
E não fosse perseguido eternamente;
O fantasma inclinou a cabeça e disse gravemente:
Ó Desolado, ó Esquecido, devias abandonar a tua única dor, e saber
Que edificaste as tuas lágrimas, que fechaste em terra o teu coração;
Devias implorar o rugido do vento e do mar,
E a escuridão, e, tenhamos razão ou não,
Deves pedir sempre o seu desassossego e a sua monotonia;
A sua bruma sobre o teu peito - O seu barco no porto
Carregando as doces madeiras amontoadas no cais.
Ele olhou-a longamente, e depois, com uma gargalhada,
Saltou para o bordo e nunca mais ninguém o viu.
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.61
''Raparigas tristes com blusas azuis''
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.51
domingo, 23 de setembro de 2012
Que teria sucedido para sentir tanta a sua solidão?
«Donde vinham esses soluços que lhe subiam à garganta? Porque recordava ela as tristezas da sua jovem existência? Na véspera tinha-se esquecido que era órfã, de que não tinha mais ninguém no mundo senão o seu esposo. Que teria sucedido para sentir tanta a sua solidão?»
Rabindranath Tagore. O Naufrágio. Tradução de Telo de Mascarenhas. Editorial Inquérito, Lisboa., p. 99/100
sábado, 22 de setembro de 2012
UM RIO SECO É COMO A ALMA
Um rio seco é como a alma
De um poeta que não pode escrever, embora conheça
Quase perfeitamente o tema e as mágoas
Da morte ressequida como o estio. Mas o que queria,
E foi outrora um mar puro do mais puro cristal
Recua, torna-se sombrio como arbustos amoniacais, como
se as folhas antigas do amor,
E abandona o pensamento. Não imagina
Nada que o possa substituir: só no pólo
Da memória oscila uma absurda bússola.
Por isso o rio, entre as lamentáveis árvores sombrias,
É uma agonia de pedras, de horrores submersos
Agora revelados descoloridos. Por isso existem estas,
Estas pedras, estas ninharias
Quando o rio é uma estrada e a mente um vazio.
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.33
«E a música abriga o sonho do amante»
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.17
domingo, 9 de setembro de 2012
Um grande azul sem fim e sem distância.
Um doce vento simples sem motivo.
Uma terra fecunda de mistério.
O Universo flutuante, e sem limites.
Só há em mim perguntas sem resposta,
Instinto para amar, para durar.
A grande porta abrir-se-á um dia,
E tudo será noite, ou vida, ou luz.
Quero apenas durar e perguntar,
Nada mais tem resposta, nada mais.
Eis a curta canção da minha vida
Eis a curta canção de todos nós.
António Quadros. Além da Noite. Poemas. Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1949., p. 31
Um doce vento simples sem motivo.
Uma terra fecunda de mistério.
O Universo flutuante, e sem limites.
Só há em mim perguntas sem resposta,
Instinto para amar, para durar.
A grande porta abrir-se-á um dia,
E tudo será noite, ou vida, ou luz.
Quero apenas durar e perguntar,
Nada mais tem resposta, nada mais.
Eis a curta canção da minha vida
Eis a curta canção de todos nós.
António Quadros. Além da Noite. Poemas. Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1949., p. 31
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Muda é a noite, cega a madrugada.
Meu silêncio, perdão! A minha voz
Violando a lei apenas pressentida,
É tímida a voz do viajante,
Suplicando guarida na jornada...
António Quadros. Além da Noite. Poemas. Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1949., p. 23
NÃO ENTRES DOCILMENTE NESSA NOITE SERENA
Não entres docilmente nessa noite serena,
porque a velhice deveria arder e delirar no termo do dia;
odeia, odeia a luz que começa a morrer.
No fim, ainda que os sábios aceitem as trevas,
porque se esgotou o raio nas suas palavras, eles
não entram docilmente nessa noite serena.
Homens bons que clamaram, ao passar a última onda, como podia
o brilho das suas frágeis acções ter dançado na baía verde,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.
E os loucos que colheram e cantaram o voo do sol
e aprenderam, muito tarde, como o feriram no seu caminho,
não entram docilmente nessa noite serena.
Junto da morte, homens graves que vedes com um olhar que cega
quando os olhos cegos fulgiriam como meteoros e seriam alegres,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.
E de longe, meu pai, peço-te que nessa altura sombria
venhas beijar ou amaldiçoar-me com as tuas cruéis lágrimas.
Não entre docilmente nessa noite serena.
Odeia, odeia a luz que começa a morrer.
Dylan Thomas. A Mão Ao Assinar Este Papel. Edição bilingue. Trad. e prefácio de Fernando Guimarães. Assírio & Alvim, 2.ª edição, Lisboa, 1998., p. 41
porque a velhice deveria arder e delirar no termo do dia;
odeia, odeia a luz que começa a morrer.
No fim, ainda que os sábios aceitem as trevas,
porque se esgotou o raio nas suas palavras, eles
não entram docilmente nessa noite serena.
Homens bons que clamaram, ao passar a última onda, como podia
o brilho das suas frágeis acções ter dançado na baía verde,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.
E os loucos que colheram e cantaram o voo do sol
e aprenderam, muito tarde, como o feriram no seu caminho,
não entram docilmente nessa noite serena.
Junto da morte, homens graves que vedes com um olhar que cega
quando os olhos cegos fulgiriam como meteoros e seriam alegres,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.
E de longe, meu pai, peço-te que nessa altura sombria
venhas beijar ou amaldiçoar-me com as tuas cruéis lágrimas.
Não entre docilmente nessa noite serena.
Odeia, odeia a luz que começa a morrer.
Dylan Thomas. A Mão Ao Assinar Este Papel. Edição bilingue. Trad. e prefácio de Fernando Guimarães. Assírio & Alvim, 2.ª edição, Lisboa, 1998., p. 41
E A MORTE PERDERÁ O SEU DOMÍNIO
«E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio»
(...)
Dylan Thomas. A Mão Ao Assinar Este Papel. Edição bilingue. Trad. e prefácio de Fernando Guimarães. Assírio & Alvim, 2.ª edição, Lisboa, 1998., p. 39
''porque vem a pedra feri-lo e é suave a seda.''
Dylan Thomas. A Mão Ao Assinar Este Papel. Edição bilingue. Trad. e prefácio de Fernando Guimarães. Assírio & Alvim, 2.ª edição, Lisboa, 1998., p. 35
A FORÇA QUE IMPELE ATRAVÉS DO VERDE RASTILHO A FLOR
A força que impele através do verde rastilho a flor
impele os meus verdes anos; a que aniquila as raízes das árvores
é o que me destrói.
E não tenho voz para dizer à rosa que se inclina
como a minha juventude se curva sob a febre do mesmo inverno.
A força que impele a água através das pedras
impele o meu rubro sangue; a que seca o impulso das correntes
deixa as minhas como se fossem de cera.
E não tenho voz para que os lábios digam às minhas veias
como a mesma boca suga as nascentes da montanha.
A mão que faz oscilar a água no pântano
agita mais ainda a areia; a que detém o sopro do vento
levanta as velas do meu sudário.
E não tenho voz para dizer ao homem enforcado
como da minha argila é feito o lodo do carrasco.
Como sanguessugas, os lábios do tempo unem-se à fome;
fica o amor intumescido e goteja, mas o sangue derramado
acalmará as suas feridas.
E não tenho voz para dizer ao dia tempestuoso
como as horas assinalam um céu à volta dos astros.
E não tenho voz para dizer ao túmulo da amada
como sobre o meu sudário rastejam os mesmos vermes.
Dylan Thomas. A Mão Ao Assinar Este Papel. Edição bilingue. Trad. e prefácio de Fernando Guimarães. Assírio & Alvim, 2.ª edição, Lisboa, 1998., p. 21
impele os meus verdes anos; a que aniquila as raízes das árvores
é o que me destrói.
E não tenho voz para dizer à rosa que se inclina
como a minha juventude se curva sob a febre do mesmo inverno.
A força que impele a água através das pedras
impele o meu rubro sangue; a que seca o impulso das correntes
deixa as minhas como se fossem de cera.
E não tenho voz para que os lábios digam às minhas veias
como a mesma boca suga as nascentes da montanha.
A mão que faz oscilar a água no pântano
agita mais ainda a areia; a que detém o sopro do vento
levanta as velas do meu sudário.
E não tenho voz para dizer ao homem enforcado
como da minha argila é feito o lodo do carrasco.
Como sanguessugas, os lábios do tempo unem-se à fome;
fica o amor intumescido e goteja, mas o sangue derramado
acalmará as suas feridas.
E não tenho voz para dizer ao dia tempestuoso
como as horas assinalam um céu à volta dos astros.
E não tenho voz para dizer ao túmulo da amada
como sobre o meu sudário rastejam os mesmos vermes.
Dylan Thomas. A Mão Ao Assinar Este Papel. Edição bilingue. Trad. e prefácio de Fernando Guimarães. Assírio & Alvim, 2.ª edição, Lisboa, 1998., p. 21
domingo, 2 de setembro de 2012
À janela, nova, a vida velha:
mexem as folhas e vem a mim a luz.
Estou só, cheio de mim, como aquela nuvem
que tem lá dentro a calma de ali estar.
Meu Deus, como aqui nos alegramos com tão pouco!
Assim seria a vida, sem a ânsia
dos homens que parece terem pressa de matar,
dessa raça de mastim que rouba o tempo,
os anos, o fôlego e a memória,
e sem ciúmes nem amores ocultos
que murcham a flor do respirar.
Estou só e canto, e olho aquela nuvem
cheia de mim e do seu antigo olhar-me.
Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 53
Quietas, belas árvores, e tu detém-te, terra!
Falta-me o ar ao penetrar em ti.
A noite cruza o mar e esconde a aldeia,
as estrelas lá em cima e à nossa volta o bosque.
Como está perto o céu e que mover adverso
o dos homens que as mulheres abraçam, sombrio
uivar dos cães, que sobe de Maestrale para o meu peito!
Aguda água de distância é para mim de cinza
e chama-me, talvez me queira até
uma dor agarra-me as entranhas,
tristeza de estar ali, silvos de vento,
e a memória que o bosque habita,
o corpo que cansado olha o que sente.
Oh, como o ar se retarda, e como a água
funda vai passando e quase não se ouve.
Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 43
Falta-me o ar ao penetrar em ti.
A noite cruza o mar e esconde a aldeia,
as estrelas lá em cima e à nossa volta o bosque.
Como está perto o céu e que mover adverso
o dos homens que as mulheres abraçam, sombrio
uivar dos cães, que sobe de Maestrale para o meu peito!
Aguda água de distância é para mim de cinza
e chama-me, talvez me queira até
uma dor agarra-me as entranhas,
tristeza de estar ali, silvos de vento,
e a memória que o bosque habita,
o corpo que cansado olha o que sente.
Oh, como o ar se retarda, e como a água
funda vai passando e quase não se ouve.
Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 43
«Ontem a minha juventude morria nos teus braços».
Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 42
Mas quantos amores parecem de tristeza / dentro de um que tanta dor nos dá.
Devesse eu ter duas dores, e eu
uma só sentiria, como todos sentem;
pois tantas são as dores que dão a forma
àquele que se queixa, que uma lhe parece;
e se ainda falar de amor devesse,
de um me roería pela beleza
que busca a forma no parar do sol...
Mas quantos amores parecem de tristeza
dentro de um que tanta dor nos dá.
Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 41
uma só sentiria, como todos sentem;
pois tantas são as dores que dão a forma
àquele que se queixa, que uma lhe parece;
e se ainda falar de amor devesse,
de um me roería pela beleza
que busca a forma no parar do sol...
Mas quantos amores parecem de tristeza
dentro de um que tanta dor nos dá.
Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 41
Oh, quanta gente que, morta por aí,
passou por ela a história sem a ver,
sem ver o frio de esperança generosa
de que a minha própria sombra seja maior que ela,
oh, quanta gente que, morta por aí,
parece à espera e já não espera mais;
e passa o ar e afasta-se para longe,
lá onde se imagina estar a vida
que se esconde, mas que regressará.
Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 30
Inclino a cabeça entre pensamentos
e de longe me vem a melancolia,
o rio devagar, sem porquê, mas rio,
olho depois uma árvore que treme pela morte
que passa rente a mim. Será engano?
ou era o vento? Alheio à minha sorte,
de mim próprio inimigo, caminho estrada fora.
Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 28
Eu venho de longe, sou o das ostras e das blasfémias,
o mercador de maravilhas e dos caroços de pêssego,
o que compra a amargura dos humildes
e doce a espalha limpa como um pássaro voando...
Eu vi dos pobres a cidade dos mortos,
os plátanos ali, especados, com os homens sós
que gritavam com os pés e cuja cabeça à banda
cortava oscilando a corda nos nós do tronco,
vi os campos de erva, onde os braços calcavam
com fúria a terra, como se catarrentos
quisessem soterrar-se, ou desesperados
pôr-se de cu para aquele céu... Oh, escarpas
de fuzilados, exangues, ar de tragédia,
freixos selvagens que já não tendes céu, mendigos de que sopros!
Vi gente gotejando, em fuga ofegante,
e aquelas sirenes, atrás, com as mãos a gritar:
foge, foge, corre!, vem por aí abaixo
uma porradaria de bombas, que metralham e ceifam,
e os rapazes que escarvam, cães como bandos de rapazes,
e mães que berram - Meninos, quem pode fugir do vento?...
Ah, se eu venho de longe...Péssima raça!
Quando penso que morrer não é nada,
que temos medo de uma sombra, que louca
é esta nossa vida, e que os homens parecem caminhar...
Caminhar? Ou é este o empurrão do ar que os colhe
e os arrasta pra onde quer, para onde vão finar-se?
Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
«Talvez sejas um outchitel muito culto, mas, como pessoa, és terrivelmente estúpido.»
Dostoievski. O Jogador. Editorial Verbo - Livros RTP, Lisboa, p. 178
«Olha, je suis bonne enfant, já te aviso, tu veras des étoiles.»
Dostoievski. O Jogador. Editorial Verbo - Livros RTP, Lisboa, p. 164
domingo, 26 de agosto de 2012
«Agora, perguntava-me de novo: amo-a?
«E não sabia responder. Ou melhor, respondi-me novamente, pela centésima vez, que a detestava. Sim, odiava-a! Havia momentos (sobretudo depois das nossas conversas) em que teria dado metade da minha vida para estrangulá-la! Juro-o. Se tivesse sido possível, ainda há momentos, cravar-lhe no peito um punhal bem afiado, julgo que o teria empunhado de boa vontade. E ao mesmo tempo, juro também, pelo que tenho de mais sagrado, que no Schlangenberg, no pico mais frequentado, se me tivesse dito: ''atire-se daqui'', ter-me-ia atirado imediatamente, até com prazer. Tinha a certeza disso. De qualquer modo, tinha que tomar uma decisão. Ela sabe-o muito bem e a ideia de que eu a compreendo, perfeita e precisamente, a distância que nos separa, a impossibilidade absoluta de ver realizadas as minhas fantasias, essa ideia, estou convencido, proporciona-lhe um prazer extraordinário. De contrário, como se compreende que, sendo discreta e inteligente, possa ter comigo estas intimidades?»
Dostoievski. O Jogador. Editorial Verbo - Livros RTP, Lisboa, p. 17
sábado, 18 de agosto de 2012
«Nesse ano a canção estava em toda a parte, e o seu absurdo refrão:
É que parece tão longo, mas não é.
É que parecem tantos anos,
mas talvez seja apenas um.
Quando as árvores lá estavam preocupava-me que lá estivessem,
e agora desapareceram.
Ao sair usávamos o caminho que existe à volta do pântano.
Quando regressávamos a maré tinha subido.
Havia outro caminho, mas era muito longe e difícil de lá chegar.
E por isso esperávamos aqui, e tudo continua igual.
Havia muitas coisas que queria dizer-te
antes de partires. Agora não as direi.
Embora a luz caia sobre a varanda
lançando as mesmas sombras dos mesmos lugares,
só eu as posso ver, só eu posso ouvir o vento
cujo som é demasiado alto.
O mundo ferve com plantas. Perdoa-me.
Amo-te, mas não devo pensar em ti.
Essa é a lei. Nem todos lhe obedecem.
Ainda que o tempo passe e o ar nunca seja o mesmo
não mudarei. Essa é a lei, e está certa.»
Paul Bowles. Poemas. Selecção e tradução José Agostinho Baptista. Assírio&Alvim, 2008, Lisboa., p. 125
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
''A roda do moinho gira incessantemente e o mocho senta-se no carvalho à espera da escuridão.''
Paul Bowles. Poemas. Selecção e tradução José Agostinho Baptista. Assírio&Alvim, 2008, Lisboa., p. 65
« - Vamos, como podem tratá-lo assim? - protestou Adelaida, que se aproximou solicitamente do príncipe e lhe estendeu a mão.
Ele sorriu-lhe com ar perturbado. De súbito, um sussurro precipitado causou-lhe no ouvido uma espécie de queimadura, era Aglaia que lhe murmurava:
- Se não põe imediatamente esses infames na rua, odiá-lo-ei toda a vida, toda a vida, e só a si!»
Fëdor Mixajlovič Dostoevskij. O Idiota. Tradução de Jorge Sampaio. Círculo de Leitores, Lisboa, 1978., p. 296
Ele sorriu-lhe com ar perturbado. De súbito, um sussurro precipitado causou-lhe no ouvido uma espécie de queimadura, era Aglaia que lhe murmurava:
- Se não põe imediatamente esses infames na rua, odiá-lo-ei toda a vida, toda a vida, e só a si!»
Fëdor Mixajlovič Dostoevskij. O Idiota. Tradução de Jorge Sampaio. Círculo de Leitores, Lisboa, 1978., p. 296
''mas fala-me tu de ti com verdade''
Dante. A Divina Comédia (Tomo II). Tradução Rui Viana Pereira. Ediclube., p. 32
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
«sinto que sinto como sentiria sendo eles e isso me perturba como o mundo inteiro que me envolve e transcende. só através da memória me é permitido ver até ao fundo ou até àquilo que imagino o fundo da verdade dos entes solitários»
Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 160
um homem sem memória seria um homem feliz.
«um homem sem memória seria um homem feliz. não tanto por não a ter o que poderia dar-lhe a plenitude do instante mas por nem ter a memória de a ter tido, e a memória do futuro e o futuro para ele seriam letra morta.»
Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 159
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
''cálice com cicuta que bebera por engano''
«sentia numa onda o torpor de quem lentamente adormece; é o veneno, pensou; veneno não da aranha mas do cálice, do cálice com cicuta que bebera por engano, não tanto por engano como os outros poderiam pensar, mas ele cuspia no que os outros fossem dizer ou pensar, só que se antecipara, vira o líquido tão belo, tão fascinante colorindo o cálice e não resistira e quando quis impedir a boca de beber tinha já pelo veneno refrescados os lábios e quando ainda quis obstar a que a garganta engolisse já o estômago arrefecera com as primeiras gotas e todo ele se sentia do líquido que o convertia na sua cor, a cor daquele líquido tão belo, tão fascinante aquele líquido; o escravo viera interromper a conversa com os discípulos, o escravo trazia um cálice em sua negra mão, o escravo era o ponteiro do relógio que marcava a hora;»
Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 134
cicuta
nome feminino
BOTÂNICA planta venenosa, da família das Umbelíferas, espontânea em Portugal e também conhecida por cegude e ansarinha-malhada;
embude |
(Do latim cicūta-, «idem»)
«máscaras que os sufocavam à medida que barba e cabelo iam crescendo»
Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 132
condenação à morte lenta
«aquela era a condenação à morte lenta, condenação que estava na lei e tinha de ser cumprida, cumprida por todos, mesmo pelos que a fizeram, mesmo por aqueles que fizeram a lei»
Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 129
''foram os homens em que ele confiava que o mataram por dentro''
Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 127
tarimba
nome feminino
1. | estrado de madeira sobre o qual dormiam os soldados que estavam de guarda |
2. | cama desconfortável |
3. | figurado vida de quartel; tropa; caserna |
4. | figurado experiência de dificuldades |
uma a uma folheou as cartas que não escrevera a ninguém nem a si mesmo
« (...) estava morto, morto, tinham-no autênticamente condenado à morte; eles sabiam que um homem como ele não poderia viver numa tal jaula sem amor, durante vinte e cinco longos, longos anos; eles sabiam, os sacristas, sabiam que não seria necessário matá-lo, que bastaria aquilo; e bastou; o resto dele agora em nada, definitivamente nada, um corpo rico não de anos, porém de sofrimento, velho de angústia não só, mas de derrota; uma a uma folheou as cartas que não escrevera a ninguém nem a si mesmo»
Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 125
pedrisco
nome masculino
saraiva muito miúda, por vezes chuva gelada, constituída por gotas de chuva que atravessaram uma camada de ar muito fria e congelaram.
saraiva muito miúda, por vezes chuva gelada, constituída por gotas de chuva que atravessaram uma camada de ar muito fria e congelaram.
V
Na colina distante
o feno é como canela cálida nos celeiros,
novas aranhas sobem cautelosamente,
a quebrada luz das estrelas filtra-se pelas fendas.
Há a profunda respiração das vacas
e no pátio levantam-se as grandes malvas
que pela noite serão escuras.
As portas estão abertas
e as tábuas do alpendre não rangem.
Sons suaves, redondos propagam-se
VI
Não poderá uma comoção da noite
ser o orvalho que cai sobre as inclinadas folhas de erva?
Paul Bowles. Poemas. Selecção e tradução José Agostinho Baptista. Assírio&Alvim, 2008, Lisboa., p. 21
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terça-feira, 14 de agosto de 2012
ailarilolela
«porque nasceste num bairro operário serás eternamente limitada e numa casa suja de operário serás precocemente desflorada e no incerto futuro de operário serás injustamente desgraçada, serás menstrualmente dum operário pois a tua carne foi despertada, partirás anualmente um operário porque essa vida não foi evitada, morrerás somente como um operário e a tua morte será ignorada, mulher, a tua voz é rude, voz de origens: desgraçado, miserável, nem te aguentas nessas pernas, olha que bonita figura, és um farrapo, um farrapo de homem, é o que tu és. ele avança titubeante, devagar, procurando numa despreocupada alegria esconder-se: ailarilolela: cala-te criminoso, deixa ao menos dormir os pobres a quem nem sequer dás de comer: ailailai: fizeste-me seis filhos e agora que me amole, não?»
Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 112
«sofria de doenças raras queixando-se das que conhecia e doutras que inventava jamais deixando porém de ser sincero chegaram a doer-lhe os cabelos e as unhas fechando-se no quarto durante dias seguidos às escuras onde passou em breve a ver os mortos a falar com os mortos e Goethe disse-lhe o autêntico sentido de suas últimas palavras e uma manhã ele pretendeu morrer também e o que é mais estranho morreu mesmo ficou na cama hirto de olhos fechados sem falar vieram levantá-lo mas ele não deixou e não comia nem bebia depois com tratamentos lá tentaram convencê-lo de que estava vivo e o faziam comer e o fizeram beber embora morto embora continuasse definitivamente morto um vivomorto»
Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 87/8
« fala vagamente de vida existencial concreta e do sensualismo de possuir a morte! afirma que se suicida depois de viver um momento de beleza absoluta, porque depois desse momento há muito procurado, nada pode ser belo, nada já há a esperar deste terrível mundo em que vivemos famintos de infinito!»
Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 84
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
«porque fomos criados para que nos criássemos, porque para nos fazermos fomos feitos, a cada instante se fazem e nisso está a liberdade deles, não em fazer o que se quer, mas o que quer o ser, não em fazer o não ser, mas apenas o ser, não em não querer o ser, que o mesmo é que o não ser querer e a escolha precisamente entre o ser e o não ser está, o ser e o nada, o ser e o vazio, o ser e o zero, o ser e o absurdo»
Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 77
domingo, 12 de agosto de 2012
«Ou o teu falar me engana ou me tenta.»
Dante. A Divina Comédia (Tomo I). Tradução Rui Viana Pereira. Ediclube., p. 174
«Eu sou Aglauro, que me tornei em pedra.»
Dante. A Divina Comédia (Tomo I). Tradução Rui Viana Pereira. Ediclube., p. 168
«Sábia não fui, ainda que Sapia fosse o meu nome: e fui a infelicidade dos outros e mais feliz por isso que com a minha ventura. E para que não julgues que te engano, ouve como fui, segundo te disse, louca, quando já descia a curva dos meus anos.»
Dante. A Divina Comédia (Tomo I). Tradução Rui Viana Pereira. Ediclube., p. 164
«(...) grande dor arrancou lágrimas dos meus olhos.»
Dante. A Divina Comédia (Tomo I). Tradução Rui Viana Pereira. Ediclube., p. 162
«(...) ó raça humana, nascida para voar alto, porque cais tu se sopra um ligeiro vento?»
Dante. A Divina Comédia (Tomo I). Tradução Rui Viana Pereira. Ediclube., p. 160
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