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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

– Sobre tradução de poesia –
(Zbigniew Herbert)

Zumbindo um besouro pousa
numa flor e encurva
o caule delgado
e anda por entre filas de pétalas folhas
de dicionários
e vai direito ao centro
do aroma e da doçura
e embora transtornado perca
o sentido do gosto
continua
até bater com a cabeça
no pistilo amarelo

e agora o difícil o mais extremo
penetrar floralmente através
dos cálices até
à raiz e depois bêbado e glorioso
zumbir forte:
penetrei dentro dentro dentro
e mostrar aos cépticos a cabeça
coberta de ouro
de pólen

Tradução de Herberto Helder publicada a abrir o livro OUOLOF poemas mudados para português por Herberto Helder, Assírio & Alvim, Lisboa 1997.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016


Versões

Gostaria de descrever

Gostaria de descrever uma emoção simples
como alegria ou tristeza
mas não como os outros fazem
socorrendo-se de restos de chuva ou sol

Gostaria de descrever uma luz
que começa a nascer em mim
mas que sei não se assemelhar
a alguma estrela
pois não é tão brilhante
nem tão pura
e é incerta

Gostaria de descrever coragem
sem arrastar atrás de mim um velho leão
e também ansiedade
sem entornar um copo de água

para dizê-lo de outra maneira
desistiria de todas as metáforas
em troca de uma palavra
retirada do meu peito como uma costela
uma palavra
nascida dentro das fronteiras
da minha pele

mas aparentemente isso não é possível

e só para dizer – amo
eu ando às voltas como um louco
à procura de mãos cheias de pássaros
e a minha ternura
que apesar de tudo não é feita de água
pede água para a cara

e a raiva
diferente do fogo
pede-lhe emprestado
o tom eloquente

está tudo obscuro
está tudo obscuro
em mim
que homem de cabelo grisalho
irá separar de uma vez por todas
dizendo
isto é a essência
e isto é a matéria

adormecemos
com uma mão debaixo das nossas cabeças
e com a outra em inúmeros planetas

os nossos pés abandonam-nos
e entram na terra
com as suas pequenas raízes
que na manhã seguinte
arrancamos com dor


Zbigniew Herbert, «I would like to describe», em The Collected Poems: 1956-1998, Ecco: 2007.
versão de manuel a. domingos
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