domingo, 1 de dezembro de 2024

 PEDRO HOMEM DE MELLO

MIRAGAIA
a Fernando João
Aqui, onde esta noite nunca cessa,
Foi Miragaia a minha Madragoa.
Aqui, em frente ao rio, oiço a promessa
Do mar que ajoelha, enquanto me atordoa.
Aqui, sei onde sangra o lábio oculto.
De quem me vê, até de olhos fechados!
E, como os cegos, reconheço um vulto,
Pelo roçar dos dedos namorados…
Deviam chamar Pedro, em vez de Porto
Ao burgo se é tal qual do meu tamanho!
Aqui
Nasci,
Porém nasci já morto,
Imóvel, surdo, triste, mudo, estranho…
Deu-me Deus ele, apenas, por amigo.
Deitamo-nos, cismando, lado a lado…
Seu corpo, rijo e nu, dorme comigo.
Mas fico, entre os seus braços, acordado!

Pedro Homem de Mello, 'Pedro', com os retratos do autor e de sua mulher por Carlos Carneiro, Porto, Artes Gráficas, 1975.

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