terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

MATINAS

 O que é para ti o meu coração
se o partes tantas vezes,
como dedicado jardineiro estudando
a sua nova espécie? Experimenta
noutras coisas: como posso eu viver
em colónicas, como gostarias, se me impões
uma quarentena de angústia, separando-me 
dos membros saudáveis da 
tua própria tribo: não fazes isto
como o jardim, não discriminas
a rosa doente; deixa-la agitar as folhas
afáveis e infestadas no 
rosto das outras rosas, e os minúsculos afídios
saltam de planta em planta, provando uma vez mais
que eu sou a mais irrelevante das tuas criaturas, depois
do próspero afídio e da roseira trepadeira. Pai,
tu que és a causa da minha solidão, alivia
pelo menos a minha culpa; levanta
o estigma do isolamento, a menos
que seja teu desígnio tornares-me 
de novo e para sempre sã, tal como eu era
sã e plena na minha infância equivocada, 
ou então antes, quando estava sob o coração de minha mãe
batendo leve, ou antes ainda,
sem sonho, como um ser
primeiro que nunca morre.


Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 57

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