UMA LARANJA
PARA ALBERTO CAEIRO
que uma laranja é uma laranja
e comove saber que não é ave
se o fosse não seriam ambas
uma só coisa volátil e doce
de que a ave é o impulso de partir
e a laranja o instinto de ficar.
Não sei de nada mais eterno
do que haver sempre uma só coisa
e ela ser muitas diferentes
e cada coisa ternamente ocupar
só o espaço que pode rodeada
pelo espaço que a pode rodear.
Sei que depois da laranja
a laranja poderá ser até
mesmo laranja se necessária
mas cada vez que o for
sê-lo-á rigorosamente
como se de laranja fosse
a exacta fome inadiável.
De ser laranja gomo a gomo
o íntimo pomo se enternece
e não cabe em si de amor
embriagada de saber
que a sua morte nos será doce.
Natália Correia. Antologia Poética. Organização, selecção e prefácio Fernando Pinto do Amaral. 4ª Edição. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2019., p. 132/3
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