«sA — Serão elas de alguma forma os novos Deuses que os humanos encontraram para colmatar os Deuses religiosos que se foram, e que por sua vez já tinham colmatado a ausências dos Deuses clássicos que também se tinham retirado? É uma espécie de Mito de Sísifo o repetitivo ciclo da cegueira dos seres humanos que lhes faz criar sempre mais novos Deuses para de novo os cegar?
HC — Não sejamos tão trágicos. É assim: hoje, no Ocidente, não se obriga ninguém. Quem se embebeda fá-lo porque quer. Quem quer ter audiências maiores do que as de Hyde Park, instala o FB ou semelhante, e aceita as amizades que apareçam. Até funciona para acasalamentos. Tudo isto é, simplesmente, afirmação do ego, com substrato vagamente libidinal, preservação do indivíduo, em primeiro lugar, e da espécie, em segundo, organização de tribos, predomínio do que melhor souber mostrar a cor das penas. É, no fundo, uma coisa inofensiva, que só por exagero trará perigo.
Lembram-se da euforia dos exércitos quando lhes apareceram as espingardas? O matar à distância, sem contacto, muito longe do alcance das espadas? Assim estamos agora, formidáveis neste novo exercício do poder, vendo os familiares que estão longe, dando a ler os versinhos que fizemos, aliciando para um encontro ou convocando algum ajuntamento.
Há uma coleção de afinidades, porque somos gregários e já não vamos a clubes, sejam populares ou chiques. Tudo isto é um pouco sobre-humano, mas não superámos nós, há muito tempo, a velocidade da corrida pedestre? Não voamos?
Eu cito muita vez Matthew Arnold que, sobre a excitação que o comboio levara às cidades inglesas, comentou: «Não percebo este entusiasmo de sair de um lugar sem graça alguma e apanhar o comboio só para chegar mais depressa a outro lugar sem graça alguma».
A entrevista aqui.
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