domingo, 16 de maio de 2021

 

POEMA «RUA DO OIRO»
por António Ferro.

Rua do Oiro, rua dos metais! | Mazantini de luz, o sol, ao alto…

Bailes russos deslizam no asfalto… | Cantam em coro os vidros e os cristais!


Os teus passeios, como eu sei cantá-los, | 
São largos tabuleiros de xadrez,

Onde os pés das mulheres, muita vez | São reis, rainhas, torres e cavalos…


Nas montras dos livreiros, os poetas, | 
Com seus lábios, nos livros, entreabertos,

Dizem sonetos graves, muito certos, | Na sua voz sinistra de profetas…


Horrendas, pela tarde, como espumas… | Os chapéus, nas vitrines, são cabeças,

Degoladas… O' frívolas condessas, | Vós não tendes miolos, tendes plumas…


Parques nas sedas!... Há jardins nas chitas… | 
Enforcam-se nas hastes de metal

As éticas gravatas … Em caudal, | O sangue corre aos metros, pelas fitas…


A' entrada daquela luvaria | 
Há certa mão que me parece morta…

O' mão morta a bater àquela porta, | Em poentes de chuva e ventania…


Nesta perna de vidro tão humana, | 
Há tanta carne em suas meias ternas,

Que eu grito ao ver passar certa mundana: | São taças de cristal as tuas pernas!...


Sorriem pó de arroz os perfumistas… | 
Numa loja, acolá, vejo em tropel,

Rolos de telas, blocos de papel: | Roupa branca da alma dos artistas…


Nos ignóbeis balcões dos camiseiros | 
Há bacanais de meias e espartilhos …

As bonecas de cera, nos barbeiros, | Dão à luz cabeleiras, como filhos…


Nos alfaiates jazem manequins, | 
Ossadas, afinal, dos nossos fatos…

Pelas confeitarias, os pudins, | Desfalecem, anémicos, nos pratos…


Nas tabuletas brancas – cemitérios | 
As letras negras, altas, muito esguias,

São cipreste, são sombras, são mistérios, | Almas dum outro mundo em noites frias…


Órgãos de Barbaria desarmónicos, | 
Estes carros eléctricos tão belos…

Ruidosos, barulhentos, filarmónicos, | Passam na Tarde em risos amarelos…


Rua do Oiro – palco da cidade, | 
Há bastidores em todas as esquinas…

Bebés, balões, senhoras e varinas, | Militares, cocotes, alvalade…


Os meus olhos – as hastes da tesoura | 
Recortando as imagens d’Epinal,

Pelos passeios desta rua fora… | Rua do Oiro – humano Carnaval…


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